Não a conhecia e quase de certeza que não a voltarei a ver. Disse-me que estava fora. Percebi que era emigrante. Não pretendia confessar-se. Trazia consigo apenas um pedido. E nem deixou que lhe perguntasse qual era. Dizia que tudo se iniciara há três anos, desde a morte de uma pessoa que agora frequente ou diariamente lhe aparecia e a picava. Mostrou-me os dedos deformados pela idade para me indicar onde a picava. Também a picava na cabeça e não sei mais onde. Nem ela me soube dizer. Disse que não a deixava dormir. Dizia que já tentara tudo. Mesmo tudo. E como lhe perguntei se tomava medicação, contou-me que os médicos e os remédios não faziam nada. Mais me contou que as rezas de um outro padre também não tinham feito nada. Não tinham dado resultado. Talvez o padre não fosse em condições. Por assim dizer que eu poderia ser em condições. Estava disposta a pagar o que fosse necessário. Falámos inclusive de exorcismos, mas essas coisas exigem processos complicados e morosos que os bispos devem presidir. Ela não sabia o que era isso dos exorcismos, mas estava disposta a tudo. Até a ir falar com o bispo. Estava perdida, desesperada, disposta a tudo em troca de uma paz que ela esperava que alguém lha desse. Também eu fiquei meio perdido sem saber que lhe dizer, pois penso que a percebia para além das picadas e das medicações. Mas não queria deixar de a acolher com amor. E acabámos a conversa com a única coisa que penso poder fazer por ela. Rezarei por si, disse. E já o fiz.
2 comentários:
É um assunto e um texto estranho, padre. Sorry
Porque não tentar um Psiquiatra, mas dos Bons em tudo, na técnica e no humanismo?! Junto com a fé, o conhecimento profundo da nossa psique - que sim tem muito de bizarro, mas nem por isso deixa de ser coisa nossa e deste mundo e aos olhos dos estudiosos nada é bizarro.. - pode operar melhorias e calmias no nosso espirito..
Sinto uma profunda compaixao por quem sofre tormentos da alma e pior ainda se sofre de forma autista, fechado no seu mundo..
Agnostica Portuguesa
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