O pároco encontrou-se com ela na rua, um dia depois do baptizado do filho, que ocorrera na eucaristia dominical. Tinha sido uma festa bonita e, por isso, enquanto a saudava, o padre manifestou, com naturalidade, este sentimento. O que ele não esperava era a reação fria da senhora que, imediatamente, lhe disse que não gostara porque, num dia de festa de celebração da vida do seu filho, o padre tinha celebrado por mortos. O que é compreensível porque, nestas paróquias pequenas, as pessoas mandam celebrar pelas intenções dos seus mortos nas eucaristias dominicais e o pároco só tem obrigação de celebrar uma missa sem intenções, a chamada missa pro populo. A eucaristia é de todos e de toda a comunidade. A senhora, que até nem costuma ir à missa, estava indignada porque aquela era a sua missa. Só faltou dizer que a pagara e que o padre apenas tinha de fazer o serviço que lhe pedira. Lá voltamos ao de sempre. Por mais que um padre se empenhe e esforce em fazer destes sacramentos um momento excelente de evangelização, com a alegria que brota do Evangelho, nos tempos que correm, nesta Igreja prestadora de serviços sem fé ou com uma fé infantilizada, um encontro de rua que podia ser um momento de comunhão tornou-se um momento desagradável, para não dizer intragável.
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Uma benção especial de alianças"
16 comentários:
É difícil ser padre, como diz o ditado, nesta freguesia eheheh!
Sinceramente é complicado cada dia que passa, mas ainda bem que tem padres, que Deus lhes deu outros talentos ou melhor "dons'.
Sem querer ofender os senhores padres e o sentimento de mágoa que produziria na imensa maioria deles uma situação como a descrita, atrevo-me a perguntar: e se a senhora tiver alguma razão?
Infelizmente, são raros os sacerdotes em condições de apresentar um discurso claro e correcto sobre o tema das intenções de missa (e nem vale a pena falar da correlativa questão dos estipêndios); e a discrepância na prática pastoral não deixa de espantar, perturbar e até escandalizar a comunidade dos fiéis.
A evolução deste costume na história litúrgica da Igreja é no mínimo sinuosa, e marcada por recorrentes abusos, seja do lado do celebrante, seja do lado dos peticionários. Nem é preciso evocar a catequese deficiente da maioria dos cristãos para se perceber como é fácil cruzarem-se visões e opiniões erróneas a este respeito.
Mas terá ela alguma razão?
Todas as missas são por natureza comunitárias. A que reúne a comunidade paroquial aos domingos manifesta-o mais perfeitamente. Por outro lado, o que está previsto é que a cada intenção particular corresponda uma missa.
Também os baptismos são celebrações da comunidade. Mesmo quando se realizam na intimidade de uma família e suas amizades, essa dimensão deve ser patente. Todavia, há também um forte componente personalista neste (como noutros) sacramento, que confere um carácter de particularidade à celebração.
Se é tomada a decisão de realizar-se um baptizado no decurso da missa dominical da paróquia, quer o celebrante quer a família devem ter consciência desta dupla realidade e da sua possível tensão. Será também por isso que se desaconselha escolher tal opção demasiadas vezes. Um dos perigos vem já mencionado no post; o outro é o padre não compreender ou não tirar as devidas consequências de o baptizado se tornar efectivamente a intenção principal da missa (se fosse possível, mesmo a única).
Acrescem duas considerações:
A maneira como são anunciadas/apresentadas as intenções particulares não é anódina. As palavras pesam e devem ser tomadas no seu valor objectivo. Não chega o celebrante, ou o sacristão, pensar: "As pessoas sabem perfeitamente o que eu quero dizer". Este é um campo em que deve haver uma delicada e cuidada expressão que seja exacta nos termos e consiga traduzir o real significado do costume, sem o diminuir nem o exagerar.
O outro ponto: mesmo sabendo que a vida é mesmo assim, não deixa de gerar incómodo e até consternação quando num mesmo momento e lugar se cruzam a festa jubilosa e o luto saudoso. Às vezes, pode acontecer de um padre não ser tão sensível a esse desconforto, ao habituar-se a rezar simultaneamente por vivos e defuntos...
JS
Embora compreenda o que pretendes dizer, desta vez não concordo contigo em vários pontos. O principal deles, é sobre o caracter comunitário dos sacramentos, nomeadamente o do baptismo. Tratando-se de uma entrada na comunidade cristã, faz todo o sentido que decorra durante a celebração da comunidade, de preferência a principal, isto é, a dominical. Quando se sai desta modalidade, passa-se para a privatização do sacramento, pois raramente há uma verdadeira comunidade nestas situações.
A indignação da senhora também poderia ocorrer, como já foi notícia, por causa de algum texto bíblico ou por qualquer outra situação que ocorresse na celebração e não fosse do seu agrado porque, lá está, se tratava da sua celebração. O erro está exactamente em pensar que se tratava de uma celebração somente sua. Era uma celebração de toda uma comunidade onde o seu filho ou filha se inseriam com este sacramento. Isso implica assumir todas as vertentes da comunidade, igualmente a lembrança dos que já partiram. Aliás, não creio que o anúncio das intenções de missa tenha sido imediatamente antes ou depois do ritual do baptismo e muito menos durante.
O que sobressai, a meu ver, nesta situação, é a ignorância ou desconhecimento de um suposto cristão que pede um baptismo para um filho e achava que não havia mais nada para além disso. E se ela fosse habitualmente à missa, provavelmente não teria passado por este desconforto. E quando referes que os padres nem sempre são claros a falar destas coisas, no que concerne a este caso concreto, como iria ela ouvir a explicação se não vai à missa? Ou achas que os padres agora têm de ter minuciosamente em conta estes pormenores quando preparam um baptismo? Ou andar de porta em porta a explicar isto e muitas mais coisas que causam desconforto às pessoas?
O pior, também na minha modesta opinião, foi o sentir-se tão ofendida que, quando o padre a saúda com alegria, sem esperar uma reação destas, ele tenha de ouvir desaforos como o colega em causa ouviu. No mínimo, falava com algum cuidado e caridade. Para mim, este tipo de abordagem da senhora tem um significado que não se pode minimizar.
E pergunto, de que valeu o esforço que o padre fez para fazer uma cerimónia com alegria e entusiasmo? De que lhe valeu ter saudado com alegria aquela senhora?
Bendito seja tuas palavras, padre; só quem sofre os espiar de que sabe o que pensar.
Vamos a isto, Confessionário. :)
Quanto ao 1. parágrafo:
Mas, afinal, essa história de a família ser uma Igreja doméstica, é para levar a sério ou não? Passe a provocação, eu já tinha mostrado acordo contigo na questão da importância da dimensão comunitária. A divergência parece estar na ideia de que inserir baptismos na celebração dominical da paróquia tem também um lado problemático. Mas nota que a advertência sobre a demasia não é minha; vem no próprio ritual.
Quanto ao 2.:
No contraponto que fazes entre missa "somente minha" e missa "de toda a comunidade" parece deixares implícito que a lembrança dos mortos e as intenções de missa são características comunitárias. Ora, é preciso clarificar. Na missa, a lembrança dos mortos feita pela comunidade celebrante é feita por norma genericamente, sem se nomear particularmente ninguém. As intenções particulares são isso mesmo - particulares, e apenas obrigam o celebrante. Enquadrá-las num contexto comunitário é gerar mal-entendidos. A comunidade é apenas chamada a ser compreensiva para com este costume.
Quanto ao 3.:
Penso que sim, que há necessidade de os padres se formarem e de formarem sobre esta temática, aparentemente tão sem-importância e na prática uma das maiores fontes de suspeições e conflito entre padres e fiéis. E que essa formação pode e deve ser feita para lá dos muros da igreja e dos seus frequentadores assíduos. E que a reduzida formação cristã da generalidade dos fiéis deve ser assumida a priori e que a preparação de um baptizado a celebrar diante da assembleia dominical deve ter essa realidade em conta, de modo a evitar ao máximo incompreensões e contra-testemunhos.
Quanto ao 4.:
Concordo. Mas pessoalmente, no que me diz respeito e às críticas que me são dirigidas, esforço-me sempre por separar a forma do conteúdo.
Quanto ao 5.:
Isto até doi ler. Imagino que tenha sido teclado depois de um fim-de-semana extenuante, ou então porque este post mexe contigo de forma profunda. Mesmo assim, respondo: valeu de muito!! E isso não lhe será tirado, nem ele deve deixar que lho roubem.
Gosto deste JS, deve um MEGA, colunista???🤔???
Saudades! Muitas saudades de uma Poesia🤔😘😓
JS, creio que vale a pena responder particularmente aos teus comentários:
Quanto ao 1. parágrafo:
Concordamos na importância da comunidade e dos sacramentos comunitários. Na prática pastoral e embora, às vezes, possa parecer um pouco problemático, é – na minha opinião – um contrassenso privatizar um sacramento que é, entre outras coisas, uma entrada na comunidade.
Quanto ao 2.:
Naturalmente que há intenções particulares e intenções da comunidade, onde se inserem as particulares. O que eu lembrava é que a eucaristia não pode resumir-se a uma vertente, por muito boa que seja. No resto, estamos de acordo, creio.
Quanto ao 3:
Concordo imenso na necessidade da formação. Mas ela depende de várias coisas, de entre as quais, a vontade, circunstâncias e contextos do receptor. A referida formação também não tem de ser orientada ou ministrada por um padre. E o padre cada vez tem menos tempo para fazer formação tão particularizada e minuciosa.
Quanto ao 4:
Estamos em sintonia
Quanto ao 5:
Tens razão. Vale sempre muito. Aliás, vale tudo, e agradeço por mo lembrares.
Não tem a ver com fins de semana extenuantes. Tem a ver com multiplicar de situações que nos entristecem. Nem sequer foi comigo. Mas cada vez me parece mais difícil que aumentem as vocações ao sacerdócio nas circunstâncias em que esta vocação específica se move actualmente... e isso cansa-me!
Contudo, não posso esquecer que tens toda a razão. Fazemos pelos frutos que não sabemos e porque nos compete fazer o bem por nós próprios e pela nossa missão, independente da sua recepção.
bem haja
29 julho, 2022 16:38
A inspiração anda pobre...
Também gosto deste JS! Necessitamos de mui...tos como este para dar resposta a muita ignorância que abunda nas nossas comunidades. Uma opinião muito pessoal que vale o que vale: deveria evitar-se que as Missas dominicais tivessem intenções particulares pelos defuntos, é a páscoa semanal, que deve ser pelos vivos.
31 julho, 2022 11:16
Só uma pequena chamada de atenção a um pormenor que se pode esquecer quando se diz que "deveria evitar-se que as Missas dominicais tivessem intenções particulares pelos defuntos, é a páscoa semanal, que deve ser pelos vivos".
Apesar de fazer sentido a sua afirmação, ela pode estar baseada numa realidade apenas, esquecendo a realidade daquelas comunidades/paróquias que praticamente só têm missa dominical e nem a têm em todos os domingos... e também têm direito a mandar celebrar pelas suas intenções na sua comunidade.
Tem razão Padre Confessionário, não há regra sem exceção, o pior é quando a exceção se torna regra.
31 julho, 2022 15:28
Mas é que a maior parte das paróquias do nosso Portugal (profundo) fazem parte deste grupo de paróquias pequenas, com missas dominicais de vez em quando. Ou seja, as paróquias maiores são capazes de ser a excepção!
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