terça-feira, março 07, 2023

A nota sem dono

Era seu costume levar sempre qualquer coisa ao mendigo que estava sentado no seu posto de abrigo, ao sair da faculdade. Uma peça de fruto, um chocolate, uma moeda, uma notita. Chegou a levar-lhe um maço de cigarros, porque ele fumava. Ao princípio achou estranho que um mendigo fumasse quando tinha necessidade de tantas outras coisas. Mas depois foi percebendo que era assim que ele gastava a vida, porque não tinha outro modo de a gastar. E aceitou-o como ele era. Foi a descoberta mais bonita que fez da mendicidade. Não julgar quem é mendigo. Tornaram-se amigos, ao ponto do mendigo dizer bom dia e boa tarde sempre que se viam, e ao ponto deste meu colega padre o chamar do meu amigo mendigo. Estas coisas não se contam e ele só mas contou porque, há dias, quando se aproximava do transporte para casa, encontrou uma nota de dez euros no chão. Pegou nela, percebeu que não era possível encontrar-lhe o dono. E no outro dia, de manhã cedo, antes de entrar na faculdade, depois do bom dia habitual e de um trocar de pequenas palavras, arranjou um novo dono para a nota, o seu amigo mendigo.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Quem olha para dentro, desespera"

3 comentários:

Ailime disse...

Bom dia Senhor Padre,
A nota ficou bem entregue e o amigo mendigo do seu colega deve ter feito uma festa.
Ailime

Anónimo disse...

ainda há gente boa, padre.

Lugar de Partilha disse...

Senhor Padre, quando trabalhei com pessoas em situação de sem abrigo, aprendi que cada um de nós dá um sentido ao dinheiro, quase um sentido de vida. Prioridades, diriam outros. O dinheiro é usado para tentarmos compensar o que nos falta emocionalmente. Como diz a música, cant't buy me love... Mas compra a sua ilusão.