sábado, setembro 10, 2022

Testemunho sem nome e sem medida

A filha mais nova morrera com meningite. Tinha pouco mais de três anos quando o fatídico sucedeu. Os pais ficaram destroçados, como é de imaginar, e esqueceram que tinham outro filho, um pouco mais velho, com a idade suficiente para pensar estes acontecimentos e achar que os pais estavam perdidos e focados na morte da filha, esquecendo que eles próprios tinham uma vida e outro filho a precisar deles. 
Um dia, já lá iam vários meses da morte da irmã, o filho decidiu confrontar os pais com estes pensamentos, pedindo-lhes que não se esquecessem que ele existia, estava vivo e precisava deles. No seguimento da conversa, rogou-lhes que fossem ao jogo de futebol que ele tinha no dia seguinte, para o aplaudir e para o acompanharem num momento que lhe era muito importante. Os pais, caindo em si, decidiram acompanhar o filho. E lá estavam, naquele dia, na bancada do campo de futebol para se fazerem presentes na vida do seu filho, quando uma trovoada irrompeu pelo meio do jogo e um raio atingiu o filho que lhes restava, acabando por lhe tirar a vida. Ficaram sem chão, sem tecto, sem paredes, sem nada. 
A mãe contava tudo com os olhos lacrimejantes. Mas vivos. Haviam passado muitos anos. E ela não tinha deixado morrer a sua vida. A conversa que estava a ter com outras mães versava sobre a fé, sobre a sua necessidade, sobre os seus frutos e sobre a importância de Deus nas nossas vidas mesmo, e sobretudo, no meio das adversidades e afrontas. Quem a escutava perguntava como é que ela e o marido haviam conseguido ultrapassar e lidar com isto. E aquela mãe explicava que só a fé a ajudara a viver com esta dor. Ela que, antes da morte dos filhos, não tinha fé, passara a tê-la. Mais, dizia que não tínhamos nada e sabia que os filhos que trouxera ao mundo eram mais de Deus que dela. No entanto, sempre que rezava, os filhos voltavam a ela. Voltavam com Deus. E assim, em Deus, continuava a ter muito dos filhos.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO:  "A Olímpia e o milagre da vida"

11 comentários:

Anónimo disse...

padre, fiquei sem palavras e com as lágrimas a correr

Anónimo disse...

Pais com letra maiúscula!

Anónimo disse...

Lindo...

JS disse...

A morte é uma situação-limite existencial que questiona a fé de forma brutal. E se há pessoas que conseguem encontrar na sua adesão a Deus o refúgio e a alavanca para um processo de luto bem-sucedido, também há aqueles que, no choque e na dor, perdem toda a esperança na existência de um Deus bom.
A experiência de fé num tal contexto, emocionante e tocante no seu testemunho, deve ser olhada com algum distanciamento. Há que lhe reconhecer sempre uma sombra de ambiguidade, que exigirá um processo de maturação e discernimento para se poder transformar em real e comprometida fé cristã.

Confessionário disse...

JS, a sombra de ambiguidade existe quando pensamos na maioria dos nossos cristãos que possuem uma fé pouco amadurecida. Naqueles em que a fé tem alguma profundidade, creio que, apesar de haver sempre dificuldade no luto, não haverá tanta ambiguidade.

Relativamente ao texto que escrevi, mais ou menos como mo partilharam, fiquei com a sensação de que a senhora falava do assunto com maturidade ou maturação. Não se agarrava a Deus como quem não tem mais nada, mas como quem sabe quanto Deus importa.

E mais me tocou o modo como falava quem partilhou comigo este diálogo, pois o fazia como tendo sido um grande testemunho para si mesma.

JS disse...

Deixei apenas um alerta dissonante, não necessariamente correspondente à pessoa visada no post, que evidentemente não conheço.
Tem ligação ao chamado síndrome da Estrada de Damasco e exige alguma prudência pastoral.

Anónimo disse...

Seguramente que uma pessoa vinculada a Deus, terá muito maior facilidade em não quebrar perante tamanha dor, pois nenhum pai está preparado, (4pais e não padrastos) ver partir um filho. É aí que está a força do cristão, ver a mão invisível de Deus, em cada situação, também nas mais dolorosas. Acreditar que: "O Pai está no leme!"

Confessionário disse...

amigo JS

Também não fiz um reparo, mas um acrescento.

Desconheço esse síndrome da estrada de Damasco. Imagino que tenha a ver com S. Paulo, mas nunca tinha ouvido falar de tal síndrome. Podes explicar um pouco?

abraço

Anónimo disse...

No meu entendimento a Síndrome do Saulo, que depois virou Paulo, foi na estrada de damasco que ele foi surpreendido por uma grande luz, as maldades antes ele deixará pra trás, seguindo Jesus. Todo ser humano um dia terá que passar nessa ou em outra vida.

JS disse...

O síndroma da Estrada de Damasco tem que ver com as conversões repentinas ou experiências intensas de fé em circunstâncias extremas ou extraordinárias. Algo que se sente e vive de forma chocante e perturbadora, mas ao mesmo tempo desbordante e arrebatadora. Algo tão forte que cega.
Para que a pessoa não se ilude nem se perca nessa voragem, é preciso que, tal como com Paulo, haja um período de retiro, de solidão, de reflexão, de maturação; que se encontre um Ananias, que se apresente aos Apóstolos, que se aceite a tutoria/vigilância de "companheiros de viagem".

Confessionário disse...

Muito agradecido, JS.
Faz todo o sentido.