terça-feira, outubro 15, 2024

quando ela entrou [poema 395]

a sala ainda tinha o cheiro dos sapatos e da lama. 
a porta da frente estava aberta e a da rua escancarada 
chovia lá fora e, como sempre, cá dentro, a casa 
sempre fora uma rua de gente sem sapatos e pés molhados. 
 
quando ela entrou, vestida de linho e um ramo de flores 
a sala perdeu-se e o soalho despareceu, não havia 
nada onde a gente se pudesse acoitar, era como se fosse 
eternamente de dia e profundamente terra sem chão. 
 
ainda hoje recordo aquele dia, como se fosse além 
do olhar e das horas e dos sonhos e do que mais houvesse 
que não fosse somente a realidade de uma sala com cheiro 
de sapatos e da lama onde os sapatos viviam e não viviam.

2 comentários:

Anónimo disse...

Acabei de abrir este blogue e logo fiquei Uau...

Ailime disse...

Boa noite Senhor Padre,
Um poema magnífico (como eu gostaria de escrever assim), em que as metáforas lhe dão um brilho especial.
Emília S.