sábado, outubro 26, 2024

as romagens que tiram a religião às pessoas

Este colega padre tem a seu encargo dez paróquias. Antes de tomar conta delas, estavam entregues a três outros colegas padres. Prevê-se que vai ser assim num futuro imediato nestas zonas interiores do país. Com a redução de vocações ao sacerdócio ministerial, aumenta o número de paróquias por pároco, o que torna impossível manter alguns hábitos, por melhores que sejam ou tenham sido. 
Em grande parte das paróquias portuguesas, por causa de ser feriado, é costume que as romagens ao cemitério, que se deveriam fazer no dia 2, dia dos Fiéis Defuntos, se façam no dia 1, dia de Todos os Santos. Torna-se um bom aproveitamento do feriado e não perde sentido, porque num dia se recordam duas perspectivas da vida e da fé interessantes e que se podem meditar interligadas. O que acontece é que o colega padre, por mais que quisesse fazer o jeito ou alimentar os hábitos das pessoas, não consegue, humana e fisicamente, celebrar num mesmo dia dez missas seguidas de dez romagens ao cemitério. Ora, ao fazer o favor de anunciar, numa rede social, o calendário das diversas celebrações e romagens desta ocasião aos potenciais interessados, qual não é o seu espanto ao ler num comentário, ipsis verbis e com a acentuação tal e qual como escrevo: estes padres conseguem afastar toda a gente da religião sempre foi dia um este para sermos diferentes é dia 2, porquê? 
Haja paciência! Ainda por cima, na paróquia do queixoso, a celebração foi mesmo programada para o dia dos Fiéis defuntos.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Homilia para funerais ou fiéis defuntos"

16 comentários:

Anónimo disse...

queria escrever aqui "padre sofre...", mas enganei-me

Ailime disse...

Bom dia Senhor Padre,
Como é difícil ser Padre nos dias de hoje!
Ainda por cima com tantas paróquias. O povo devia ser compreensivo e acontece o contrário, o que contribue para que tudo se torne mais difícil ainda.
Haja paciência!
Emília

Anónimo disse...

Este ano sendo o dia de Fieis defuntos ao sábado pensei que algumas paróquias/párocos iriam optar por fazer a romagem ao cemitério no sábado; mas estão a manter a romagem no dia Todos os Santos (01) talvez para evitar comentários e revolta das pessoas.
No entanto, penso que seria excelente oportunidade de esclarecimento/ informação para comunidades.

JS disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Confessionário disse...

Ai, JS,
Embora compreenda o teu comentário e não discorde que uma mudança deste tipo pode provocar alguma desestabilização e que estas datas são datas muito úteis para esse tipo de "encontros", deixa-me dizer-te que o que está verdadeiramente em causa é uma celebração de fé.

Por mais que a gente queira arranjar justificações para as atitudes ou reações das pessoas, muitas delas, plausíveis, não se pode esquecer o objectivo com que estas celebrações se deviam realizar.

Por outro lado, querer que tudo seja como tem sido só porque estamos habituados, não é mais importante do que a realidade. E por mais que alguém invista tempo em formar para ela, as pessoas envoltas nos seus hábitos não costumam estar disponíveis para essa aprendizagem.

Cuidado, pois, mesmo sem querer, podes cair naquela de que o padre dificilmente tem razão para fazer o que tem de fazer. Desculpar as reações tem de existir para todos os lados.

Confessionário disse...

sem querer, apaguei o teu comentário, JS, ao tentar apagar uma primeira resposta minha que tinha erros. Peço desculpa.
O seu teor era este:

Ao desgaste físico deste fim-de-semana, de maratona celebrativa, acresce o impacto emocional das reacções virulentas ao papel de gestor de falências a que muitos padres estão infelizmente relegados.

Mas não se deverá passar demasiado rapidamente um atestado de insensível, ignorante ou pagão a quem protesta. A celebração de romagem ao cemitério é ainda em muitas aldeias um dos encontros por excelência da comunidade e das famílias, trazendo à casa ancestral muitos filhos da terra que se foram dispersando por outras paragens, mais ou menos longínquas. E que nesta data, sobretudo quando calha num fim-de-semana alargado, ou quando houve perdas recentes, se fazem ao caminho para abraçar e serem abraçados, para chorar e rir juntos, para visitar e partilhar mesa em nome e lembrança dos que partiram.
Mudar o horário ou o dia tradicional desta romagem introduz uma perturbação significativa no ritual das pessoas. Obriga a reorganização de agendas, complica deslocações e encontros, vem criar incómodos suplementares a quem já se encontra particularmente fragilizado e sensível. E torna-se ainda mais enervante quando, em vez da franqueza, se recorre à justificação esfarrapada de que é liturgicamente mais correcto realizá-la noutra data.

JS disse...

Caro Confessionário, certamente convirás: se houvesse padres suficientes, nenhuma alteração de data seria feita. É essa a única razão, e há que assumi-lo. Bem como assumir que nós, Igreja, não estamos a conseguir reflectir ou avançar com outras formas de ministerialidade.

"o que está verdadeiramente em causa é uma celebração de fé"
Esta tua frase, Confessionário, deixa-me um pouco surpreso. Quererás dizer que estar-se diante da tumba dos seus entes queridos, rodeado de famíliares, ao mesmo tempo que outras famílias reunidas à volta das outras tumbas, amigos, vizinhos, antigos colegas de escola ou companheiros de trabalho irmanados num mesmo momento de recolhimento e de oração, é algo estranho à fé?

Confessionário disse...

JS, nas minhas paróquias as celebrações pelos defuntos e as romagens não se fazem todas no dia de Todos os Santos. Só costumo fazer duas das muitas que tenho de presidir.
Na minha paróquia maior é sempre dia 2 e já era assim antes de eu chegar.
Ou seja, tudo vai naturalmente das circunstância, dos contextos e dos passos que se vão dando.

Quanto à frase em causa, provavelmente não me fiz entender ou não entendestes, porque eu não disse que isso não era uma questão de fé. O que eu disse é que se tratava de uma celebração da fé. Nesse sentido, para mim, o que se deve discutir não será tanto a data, o local, o hábito, a tradição... mas sim como celebrar a fé e ser mais autêntico com e nela.

JS disse...

"Na minha paróquia maior é sempre dia 2 e já era assim antes de eu chegar."
Muito bem. Tanto quanto sei, não será pecado. Não constituirá um costume necessidado de purificação urgente. Tal como nos casos em que a romagem se faz (fazia) no dia 1.
Ainda bem que não te viste obrigado a mudar hábitos, passando, por exemplo, a romagem para o domingo 3. Nem, presumo, tratarias de lhe colar uma explicação liturgicista, estilo: "O domingo é dia da ressurreição, é a Páscoa semanal. Portanto, faz muito mais sentido fazer a romagem no domingo do que num dia ferial. Imitaremos as santas miróforas e caminharemos na esperança do domingo em que serão roladas as pedras de todos os sepulcros e os anjos dirão: 'Não estão aqui; ressuscitaram, como Ele disse.'"
Muito bem, ou talvez não. Porque, se fizesses uma sondagem, possivelmente encontrarias nessa paróquia um bom conjunto de fregueses a dizer que se a romagem se realizasse no dia 1, não seria pior. E se porventura tivesses o luxo de ficar a observar o movimento no campo santo estes dias, repararias que um grupo significativo de pessoas passará pelo cemitério no dia 1, impossibilitado de lá se deslocar no dia seguinte; e assim, realizarão a sua romagem anual individualmente, sem experimentarem um momento de oração comunitária que ilumine as suas dúvidas, sustente a sua fé e oriente a sua saudade para Deus. Outros paroquianos teus serão mais sortudos: aproveitarão o dia 1 para visitarem outros cemitérios, possivelmente na expectativa de participarem nas cerimónias que lá se realizam.

Confessionário disse...

JS,
Graças a Deus que alguém vai fazendo para que se dêem passos, não é?! Ainda bem que o meu antecessor deu alguns passos e ainda bem que eu continuo a dar passos.
Na verdade e em resposta ao que me dizes, tenho paróquias com romagens no dia 3, assim como tenho no 9 e 10.
Em continuação com a resposta: assim como poderia eventualmente ter pessoas que gostariam que a celebração dos fieis defuntos, com romagem, fosse dia 1, assim também teria pessoas que gostariam que a missa dominical habitual fosse noutro horário. Fiz-me entender?! Haverá sempre gente para quem outra hipótese seria a melhor. Mas, pergunto, o que deve presidir às nossas decisões?

JS disse...

"tudo vai naturalmente das circunstâncias (...)."
Certo. Mas até que ponto é natural a situação que é descrita no primeiro parágrafo do postal? É suposto encarar-se com naturalidade este downsizing eclesial? Só nos resta aceitar pacífica e pacientemente os cortes, ajustamentos e mudanças que tal situação acarreta? Ou até acolhê-los entusiasticamente como kairos de purificação e libertação de tradições anquilosadas? Se alguém protestar, será justo classificá-lo automaticamente como mal-habituado e indisponível para aprender a conviver com a nova realidade? Devemos calar a indignação por respeito aos padres, que são também vítimas nesta história e que tentam fazer o seu melhor, sob enorme pressão? Deveria servir- nos de conforto o facto de que a situação ainda há de ser pior?
Depois deste sínodo, temos mesmo de recuperar a noção de pecado estrutural, no seio da Igreja.

JS disse...

"o que se deve discutir não será tanto (...) mas sim como (...)."
Mais uma vez deixo o alerta: não podemos embarcar numa visão espiritualista da religião, como se a fé pudesse ser vivida independentemente do espaço ou do tempo, ou da concretude da situação das pessoas, seus hábitos, suas tradições. Ou como se essa realidade fosse apenas acidental, não essencial, simples invólucro em o que conta é o conteúdo. Não, a religião cristã é verdadeiramente encarnada, o Deus dos cristãos é plenamente encarnado, com todas as consequências. O corpo não é um casulo, a matéria não é uma prisão, a cultura não é uma roupagem. Parafraseando Ortega: a fé é ela e as suas circunstâncias.
Neste sentido, o que parece ser secundário tem a sua pertinência, o que é visto como pormenor revela-se muitas vezes como um pormaior. Discutir a celebração da fé ou buscar a sua autenticidade não se restringe a datas ou horários ou costumes; mas também não pode descartá-los nem minimizá-los.

JS disse...

Confessionário
Gostaria que explicasses melhor a frase sobre os passos dados. Sobretudo o "graças a Deus" e o "ainda bem". Quando puderes.

Sim, terás pessoas que gostariam que a missa dominical habitual fosse noutro horário. Assim como terás pessoas que gostariam simplesmente que houvesse missa ao domingo. Parecem-te desejos equivalentes? Em ambos os casos, será apenas um problema de hábito e de tradição? Ou meros interesses privados e conveniências pessoais a que não é possível nem importa responder?

"o que deve presidir às nossas decisões?"
Espero não te escandalizar se disser: a vontade da comunidade, o sensus fidei, o bem comum.
Desculpa lá, mas este sínodo fez-me mal: na interpretação do sentido de "caminhar juntos", e a ter de se escolher uma, há que preferir a de "o padre a caminhar com os fiéis" à de "os fiéis a caminhar com o padre".

JS disse...

Nota a quem passar por esta caixa de comentários (e outras deste blog):
Não é meu objectivo trollar o Confessionário. Admito que os meus comentários, frequentemente de contraposição ao post inicial, podem revelar-se irritantes ou inconvenientes. Reconheço que o facto de ser sempre o Confessionário a abrir a discussão (enquanto eu me limito apenas a reagir) pode colocá-lo numa situação mental mais exposta e desconfortável, quase como um alvo na barraca de tiro. Faz parte, mas pode ser desagradável.

Confessionário disse...

Conheço paróquias anquilosaladas, porque os pastores que as conduziram as mantiveram no "sempre se fez assim". Alguns ainda mantêm dezenas de missas dominicais, feitas em 10m, como me contaram há dias. Pelo vistos e nestes casos, o anúncio da Boa Nova passa para segundo plano. Passa demasiado para segundo plano.
Assim, "ainda bem", "graças a Deus", que há pastores que vão dando passos. Paróquias paradas não são comunidades a caminho!

Sobre o que deve presidir às nossas decisões: são as comunidades, sim senhor, o sensus fidei, sim senhor, do qual faz parte o pároco - não se pode esquecer, pois tb é membro da comunidade. E sim, também devem presidir às decisões os discípulos que caminham e ajudam a comunidade a caminhar; não aqueles que fazem a comunidade estagnar. Estes últimos não são propriamente sensus fidei; são apenas sensus. E nem sei se se podem considerar como fazendo parte da comunidade. Mesmo acreditando que o Espírito Santo sobre onde quer, tb quero acreditar que cria o dinamismo para que se avance e não travões para que não se avance.

JS, era conveniente que, ao fazeres as tuas observações, não caísses na tendência ou tentação de ver apenas um lado, coisa que - me parece - ultimamente tem sido mais assim.

Eu tb ando entusiasmado com a ideia de sermos cada vez mais uma Igreja sinodal. Mas não gostaria que fosse uma Igreja bandalheira. Não é a mesa coisa falar depois de pensar ou falar sem pensar. Eu quero que os leigos tenham mais voz. Mas, para isso ocorrer, precisa-se algo mais do que ter voz.

Confessionário disse...

"anquilosadas", "sopre"