Ela dizia-lhe que, por amor de Deus, o casamento dela não poderia ser realizado na igreja paroquial. Poderia ser em qualquer igreja ou capela da paróquia, menos ali. Até poderia ser na rua, mas não ali. Estava fora de questão. O padre, que apenas a escutava e acolhia com atenção, nunca lhe dissera que o casamento tinha de ser na igreja paroquial. Ela é que se adiantava a dizer que queria assim e ponto final. E sem que o padre lhe perguntasse o que quer que fosse, ela acrescentou que associava aquela igreja aos mortos e isso causava-lhe muita dor. Finalmente, o padre, que fez questão de não fazer nenhum comentário, entendeu o motivo daquela empolgada noiva: como ela só costuma entrar na igreja paroquial para os funerais, é natural que ela associe aquela igreja aos mortos. A avaliar pelo número daqueles que só entram na igreja para funerais, é bem provável que muita mais gente pense como ela.
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Outra promessa esquisita"
3 comentários:
Nos primeiros tempos, em Roma, muitas das missas eram celebradas nas catacumbas, junto dos mortos, especialmente ao lado daqueles que tinham morrido testemunhando a sua fé. E não faltam hoje igrejas que são incendiadas, atacadas à bomba e metralhadas com os cristãos lá dentro.
Durante séculos, as pessoas eram sepultadas dentro da igreja. Não faltam hoje igrejas cujo chão continua a ser coberto por pedras tumulares, ou que exibem nas laterais túmulos de gente celebrada. E poderá ser essa uma solução para as igrejas sem uso: instalar columbários que poderão ser visitados e junto dos quais se poderá rezar ao abrigo dos elementos.
Há diversas localidades onde a igreja paroquial ainda é o único espaço disponível para velar o morto. Horas intensas, dramáticas, terríveis que são vividas naquele lugar, por vezes sem conforto, às vezes em solidão, cobrindo o chão de lágrimas entre o silêncio e os gemidos. Horas que ficam gravadas a fogo no inconsciente da memória e das quais nunca se voltará a falar.
Assim como há gente que não consegue pôr os pés num cemitério, pacientes que não aguentam passar um dia num hospital, crianças que não suportam ir para a escola, padres que nunca mais entraram no seminário em que se formaram. A cabeça das pessoas é mesmo um mistério, as fobias e traumas são realidades complexas.
Eu vivo na rua da Igreja onde se velam os mortos e realizam os funerais. Na minha infância estava sempre aberta, muitas vezes lá fui a caminho da escola pedir a Santa Ana e São Joaquim que a minha professora faltasse 😁. Por isso, apesar de actualmente ser a "igreja dos mortos" é também a igreja de sempre, onde assistia à missa de Domingo com a minha avó. Ser igreja dos mortos é de uma dignidade tão acolhedora, casa da última despedida, tão importante nas nossas vidas.
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