sábado, outubro 06, 2018

Esse amor maior que não se consegue dizer

Habita-me, Senhor. Habita-me, Senhor. Foi a repetir esta frase que passei grande parte da minha hora de contemplação esta tarde. Havia um ponto de luz na capela, voltado para um ícone da Santíssima Trindade. Não havia mais luz. Estávamos naquele silêncio umas doze pessoas, entre frades, sacerdotes e leigos. 
Sentara-me numa cadeira pouco confortável, com os pés descalços, e as mãos abertas, repousadas sobre as pernas e voltadas para cima, na esperança de acolher o que viesse do céu. De vez em quando fazia como vira os judeus fazer diante do muro das lamentações, numa peregrinação à Terra Santa. Com eles aprendi que, para não me distrair, podia balancear meu corpo. Nunca experimentara este modo de orar, mas esta tarde fi-lo, na esperança que afastasse de mim as distrações. Todo eu esperava que o Senhor se manifestasse durante aquela hora de íntima oração. Não senti nada de especial. Não houve nenhum êxtase. Não houve nenhuma levitação. Não houve estrelinhas a sobressair por entre as minhas pálpebras. Eu pedia insistentemente a Deus que me habitasse, que eu fosse seu habitáculo, que se fizesse sentir como o sangue a correr-me nas veias. Não sei bem o que senti. Muito menos explicar. O que sei é que aquela hora me pareceu muito pequenina. Prolongava-a com vontade por mais uns largos minutos. Não consigo, de todo, definir o que sentia. Creio que as palavras humanas, para se dizerem, se socorrem de símbolos, de coisas que conseguimos descrever. Mas há momentos que não se conseguem dizer, e este foi um deles. O que posso afirmar é que me apetecia ficar por ali, a descobrir esse amor maior em mim.

10 comentários:

Zilda disse...

maravilha. Como é bom estar em si tona com o altíssimo. Deus é magnífico. Gratidão... Gratidão. ..

Anónimo disse...

Que comentário posso fazer? Perante o seu estado de alma num momento de contemplação?
Que Deus o habite mesmo e o transforme por dentro. Que este retiro seja um passo de
permanente intimidade com o Senhor da vida...
Gostei muito. E rezo para que o retiro continue na sua vida sacerdotal. Tb. este fervor espiritual seja transmitido aos seus paroquianos. Rezo, por si.

Um abraço forte.

Anónimo disse...

Que comentário posso fazer? Perante o seu estado de alma num momento de contemplação?
Que Deus o habite mesmo e o transforme por dentro. Que este retiro seja um passo de
permanente intimidade com o Senhor da vida...
Gostei muito. E rezo para que o retiro continue na sua vida sacerdotal. Tb. este fervor espiritual seja transmitido aos seus paroquianos. Rezo, por si.

Um abraço forte.

Anónimo disse...

sem palavras...

Anónimo disse...

A vida é uma passagem, um dia faz sol outro faz chuva mas Deus esta em todos momentos pra aqueles que está ligados à Ele. Abraços de uma admirador de seus posts.

Anónimo disse...

tão bom
momentos duma doçura e tão bem descritos que me envolvi também

Anónimo disse...

O senhor padre nunca desilude, sempre tão compenetrado, receptivo e, como alguém disse e eu aproveito para redizer, em sintonia com o que vem de cima. Não viu estrelas – ainda, atrevo-me a dizer, não perca nunca a esperança, tenho a certeza que um dia isso ainda lhe irá acontecer – mas viu um ponto de luz, a intersectar o plano terrestre e divino o que é indicador de que a contemplação foi deveras frutuosa, à falta de melhor palavra para tão grande enlevo espiritual.
Conheço essa técnica do balancear do corpo de que fala. Aprendi-a num workshop que frequentei em Abril de 68, na Índia, na província de Darjeeling. O curso foi ministrado por um yogi muito famoso que, por graça divina vivido até aos 50 anos no Bangladesh, na Tailândia e no Laos, e que estava sempre a fumar charros, segundo a melhor tradição indiana. Posso lhe dizer que depois de 15 minutos em silêncio, trepávamos por umas “cordas” entrançadas em tiras de seda, todas de cores muito vivas e brilhantes. Suspensos a 1,5 metros do chão balançávamo-nos suavemente, executávamos a posição indicada e depois de nela nos firmávamos, oscilávamos suavemente, até nos esquecermos do que estava em baixo e em cima. É melhor explicar: os nossos corpos ficavam imóveis uma vez atingida a posição perfeita, a única coisa que oscilava era o fio que nos sustinha. O curso era frequentado por adultos de todas as idades e nacionalidades, mas também por crianças a partir dos cinco anos, embora estas tivessem sempre acompanhamento. Alguns praticants, geralmente os mais empenhados, o que é dizer todos aqueles que levavam aquilo mesmo a peito, normalmente passavam para o nível seguinte. Houve também quem nunca tivesse conseguido ultrapassar o nível mais elementar: o zero. Geralmente eram os mais exigentes com o desempenho dos outros. Ainda assim, pensa que se lhes ouviu alguma palavra de descontentamento? Posso lhe garantir que nem um murmúrio, aceitavam a sua falta de vocação e prosseguiam a sua formação com outro tipo de aprendizagens, renunciando a pressões desnecessárias e amplamente insatisfatórias. Nós, bem nós evoluímos para a contemplação miroinfohundy, como agora se diz, que nos permite, com treino e perseverança, descer um a um todos os degraus da mente – cuidado para não ir parar ao Inferno - e permanecer durante algum tempo na sua sub-cave, às vezes descer ainda mais, para depois, num ímpeto subir a níveis mais elevados – os tais em que se vêm luzinhas e estrelinhas e coisas que muito provavelmente nem imagina que sejam possíveis de visualizar, uma vez que lhe falta a prática miroinfohundy – aqueles outros que não haviam conseguido dar o segundo passo, transitaram quase todos para outro tipo de exercícios, não direi básicos, mas praticados a dois, sendo os grupos escolhidos aleatoriamente ou com base no ritmo respiratório. Todos estes exercícios – os nossos e os dos outros – eram sempre muito bem monitorizados, disso, realmente, ninguém se pode queixar. Os monitores, o pessoal de apoio, os técnicos, sempre impecáveis, disponíveis, presentes. Mesmo quando fazíamos um intervalinho para comunicar com os passarinhos, olhar as montanhas e abraçar as árvores, sentíamos que não estávamos sós – é tão agradável, tão boa esta sensação, o nosso dia fica logo cheio de alegria e descontracção, enchemos o peito de ar e sentimo-nos tão nós, todo o mundo é nosso amigo e conselheiro, ooohhhhhhh, obrigada por este momento tão especial, que alegria imensa me habita, meu Senhor, meu Criador, meu Tudo. Não posso deixar de dar graças, a Deus, ao amor, aos meus pais, a todos, todos, todos! Que bom! Que bom! Que bom! É tão maravilhoso, tão fantástico, que nem sei, mas quando me lembro daqueles, fico tão extasiada, tão fora de mim, que só me dá vontade de trabalhar. Trabalhar mais e mais, sempre com renovado afinco para agradecer com o dom do trabalho, todos os dons recebidos.

Anónimo disse...

encheu-me, padre
tomara eu ter assim uma experiência tão bonita

Ailime disse...

Boa tarde Sr. Padre,
Belíssimo esse esse seu esvaziar de alma cheia de Deus.
Muito belo.
Ailime

Anónimo disse...

...esse amor que se consegue dizer, diz tudo.