Conversas com gente a que costumamos designar de idade, como se as outras não tivessem qualquer tipo de idade. São aqueles a quem já perdoamos tudo, mas para com os quais temos algo próximo da comiseração, o que não pode ser bom. São aqueles que entregamos à noite da vida, como se já não tivessem luz para iluminar. Mas são esses os que mais sabem da vida, os que mais nos podem ensinar da vida. São os que já viveram.
Olhe, senhor padre, aqui estou sem forças. Olhe, senhor padre, que tenho esta doença. Já não vejo para ler. Já não ouço quase nada. Quando eu era jovem. Enquanto poder, não preciso que me ajudem. Era bem melhor estar na minha casinha. A vida é assim. Os meus filhos não me vêm ver. Vou-me entretendo a rezar. Já não sei que faço aqui. Era melhor o Senhor me chamar. Estas pernas não ajudam nada. Vou outra vez ao médico. Já fui operada oito vezes. Tomo nove comprimidos por dia. Não consigo comer sozinha. Aqui estou como Deus quer. Faça-se a vontade de Deus.
São aqueles que nos ensinam que a vida tem valor até ao fim, mesmo quando parece que já não há vida. São aqueles que vivem de forma diferente, sem correrias, sem pressas. São aqueles que gastam o tempo a viver. Que fazem tudo para viver, mesmo quando lhes apetece morrer. São aqueles que mais facilmente se entregam ao Senhor, porque são aqueles que dão conta que precisam Dele. São aqueles que um dia seremos nós, e com os quais deveríamos aprender a viver, mesmo que nos falte vida.
4 comentários:
!!!
Magnifica esta tua reflexão.
Trouxe-me à memória um outro texto que eu considero excecional e que a seguir transcrevo.
"Quando saí do centro de reeducação, trazia a criança nos braços. Cruzei-me com uma velha senhora numa cadeira de rodas. O seu olhar iluminou-se ao ver o bebé. Inclinei-me para lho apresentar. Os dois fitaram--se um instante – o que ainda não pertencia completamente ao mundo, e a que já lhe não pertencia completamente. A mulher tinha uma cara maravilhosamente enrugada, semelhante à casca de uma árvore secular. Perante a perfeição destas duas presenças, eu não conseguia compreender porque quer esta sociedade a todo o preço que permaneçamos jovens, afastados das luzes do nascimento e da velhice, cravados no meio delas”
Christian Bobin
Avivou a situação dos meus pais.
Esforçam-se por se manter vivos e em simultâneo vão aconchegando-se no colo de Deus.
É como o meu pai se refere à morte.
Filha ela mandou-me um aviso sonoro... pedi-lhe mais uns dias apenas para me mentalizar que é mesmo assim. Mas ainda vou renovar a minha carta de condução já não servirá de nada, serve apenas para sentir que lutei... que vivi, nem sempre da melhor forma, mas já não importa pois as coisas valem pela intensidade com que acontecem, a intensidade está a acontecer agora e é o agora que vale e vale o que levo de vós...
"Não vale a pena chorar", as lágrimas já caem sem controle dos olhos azul celeste seu rosto maravilhosamente enrugado.
A minha mãe já à alguns anos acamada e sem entendimento está na fase terminal do que começou por ser uma doença mal diagnosticada. Foi mal medicada e irremediavelmente conduzida a esta situação vegetativa.
Uma coisa me surpreendeu e me continua a surpreender ao longo de todo este processo, enquanto tinha entendimento não queria que fosse apresentada queixa formal porque segundo ela não lhe devolveria a saúde. Quando uma das filhas se aproxima dela lhe pega nas mãos lhe dá muitos beijinhos, lê para ela, ou lhe conta pequenos ou grandes acontecimentos como o nascimento do bisneto os olhos dela ganham uma espécie de brilho.
Um dia destes o médico assistente entrou sem ser notado e ficou a observar quem estava presente e afirmou também comovido a Dª..... sabe sem sombra de dúvida que são as filhas pode-se perder tudo o resto, mobilidade, fala, entendimento... mas nunca o elo que une quem ama, e dito isto saiu também ele emocionado.
Tenho aprendido, tenho crescido imenso com eles.
Para terminar permita-me deixar aqui um texto que li num jornal regional e que fez com as lágrimas caíssem sem que pudesse conte-las.
Homenagem a um amigo
"Há olhos acesos no coração da noite.
Vigilantes.
Atentos à vida que, tantas vezes, se desvanece, sem pedir licença.
Há mãos que seguram outras mãos, para que os caminhos sejam mais simples e a dor mais doce.
Há beijos à espera na boca da esperança.
Pacientes.
Aguardam bocas que os colham e os levem para dentro, para onde mora o amor.
Há braços abertos na soleira da tarde.
Esperam.
Estão ali para as solidões de cada um, para os desesperos das nossas indecisões, para os medos que transportamos nos olhos.
Há pessoas ali.
Sempre.
Mesmo que o mundo caia aos trambolhões pelas montanhas abaixo.
Mesmo que a montanha se derrame e se transforme em chão. Mesmo que.
As palavras de hoje são de homenagem: aos olhos que vigiam, aos beijos que esperam, aos braços prontos, às pessoas que amam. Lembro-as, porque não são notícia, não vendem jornais.
Lembro-as, porque nos habituamos a não dar importância a tudo aquilo que nos impele ao silêncio.
Lembro-as porque, apesar do calado do tempo e dos documentos, serão esses olhos, esses beijos, esses braços e essas pessoas que mudarão o mundo.
Não os vemos, pois não?
É tão mais fácil olhar as portas fechadas, os gritos e as facadas, o mal que espreita às esquinas da vida, mesmo no lugar onde os caminhos fazem a primeira curva.
Perdemos tanto tempo a perceber onde está guardada a arma de cada um que não conseguimos perceber onde se situam os jardins e as flores e as borboletas que toda a gente tem no quintal de si – não fomos todos feitos à imagem de Deus?
Ocupamo-nos demasiado a descobrir o mal e os dias voam demasiado depressa sem nos permitir inundar de luz.
Às vezes, é tarde.
Muito tarde.
Na loucura da caça do erro, não há vagar para cumprimentar, para agradecer, para perceber a verdadeira razão das coisas.
E se nos permitíssemos, hoje, ver a luz?
Temos todos dois lados, não é verdade?
E se, hoje, conseguíssemos adormecer a noite de que somos feitos.
E se acendêssemos o sol?
E se víssemos primeiro a beleza dos outros?
E se agradecêssemos aos olhos que nos protegem, aos beijos que nos aguardam, aos braços que nos abraçam e às pessoas que, apesar de todos os seus defeitos, sempre estiveram ali para nós?
Começo eu.
A si, que me acompanha, muito obrigada.
Sem os seus olhos, sem o seu beijo, sem o seu braço, sem si, eu não seria quem sou."
Graça Alves
Ao meu pai, à minha mãe e a si amigo virtual, sem vós eu não seria quem sou.
Bem hajam!
Nem sempre dá para comentar...só contemplar...como se faz com Deus....
Obrigada, Febe
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