quinta-feira, dezembro 09, 2021

um dia [poema 343]

um dia vou escrever nas nuvens, com o pó 
com o pó agarrado à samarra que me cobre 
me engole 
 
sou apenas mais um pássaro que não sabe voar 
que apenas pia. 
voa a piar
 
por isso um dia vou escrever nas nuvens, com o pó que sobrar 
do meu olhar

segunda-feira, dezembro 06, 2021

Mudança de época!

As nossas eucaristias dão conta, indirectamente, de uma mudança de época na Igreja. Os bancos estão cada vez mais vazios, e quem se senta neles é, em grande parte, gente reformada. Ou gente com uma idade a quem o passado pesa mais que o futuro. O número de jovens é exíguo. As crianças vão só nas festas da catequese. Os pais delas igual. Os grandes ajuntamentos são porta fora. Em funerais sobretudo. Mas também em casamentos, batizados e festas da catequese. Ainda me lembra do outro moço que queria sair da igreja logo depois de o senhor bispo lhe ter colocado na fronte o óleo do Crisma ou aquele pai que foi comungar com a filha que fazia a primeira comunhão e logo de seguida saiu da Igreja, porque já tinha cumprido o que o padre sugerira aos pais. 
A manter-se sacramentalizadora, como uma estação de serviços, em breve a Igreja fechará portas atrás de portas, porque o número dos que pedem esses serviços também têm diminuído. Em tempos a Igreja passou por uma mudança de época que a tornou mais mística. O que agora desejo é que se torne mais missionária. Como nos primeiros tempos. Como quando ouvir falar de Jesus era sempre uma novidade que não deixava ninguém indiferente e apaixonava ao ponto de o seguir. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O que eu espero de um padre"

quinta-feira, dezembro 02, 2021

missa sem missa

E ela falava abertamente como se fosse a mais culta no assunto. Pois, sim senhor, eu casei-me numa missa sem missa. Que a diferença é ser muito mais curta e não fazer os convidados aguentar tanto tempo na missa. Só não tem a parte da comunhão e do ofertório. Txaraaaaaaaaaan! Disse, como se tivesse destapado a mais curiosa verdade que a Igreja permite. Quer dizer, pelo menos nalguns lados, dizia. Assim como a possibilidade de casar sem estar baptizado. Que isso dependia de padre para padre. Pois ela casou com um não baptizado. Bem vistas as coisas, a Igreja até está mais moderna do que alguns pensam, dizia. E dizia e dizia, e dizia mais coisas como se tivesse tirado um curso de sacramentologia. O que ela não sabia é que a missa sem missa, a que ela se referia, não era uma missa. Era uma celebração da Palavra. E que a grande diferença entre a primeira e a segunda, é que esta última não tem o momento da consagração. Na verdade até pode ter distribuição da comunhão. E também não sabia que já há muitos, mas muitos anos, a Igreja prevê a possibilidade de casamentos mistos ou com disparidade de culto. Ela casou como se a Igreja fosse uma boutique ou um híper-mercado, isso é que foi. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Casamentos sem missa"

segunda-feira, novembro 29, 2021

à procura de freiras

Um padre ia a passar numa rua movimentada quando viu ao longe um grupo de adolescentes a conversar, distraídos. Mas falavam alto o suficiente para se conseguir escutar. A gritaria típica das hormonas aos saltos. Mas o inimaginável é que falavam da catequese e riam-se muito. Contavam algo engraçado a uma amiga que não ia à catequese, porque esta dizia que tinha de ir lá espreitar a catequista. Quando o padre, ao passar, os cumprimentou e lhes perguntou de que falavam ao falar da catequese, aceleraram o passo com risinhos mais contidos. Ao menos disseram algo parecido com um olá boa tarde. E já se encontravam a uma distância considerável quando a colega perguntou. Este é que é o padre? E que anda ele a fazer na rua? E ela mesma respondeu. Deve andar à procura de freiras. E os risinhos aumentaram de tom. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Como é que o stor aguenta?"

terça-feira, novembro 23, 2021

igrejas em saída

Tenho um colega que gosta muito de estar com as pessoas. E faz muito bem. Tem jeito para uns dedos de conversa no café e uma suecada. Tem gosto por falar até mais não no meio dos homens da aldeia e uns copitos. E diz que assim está a fazer o que o Papa Francisco diz da Igreja em saída. E tem alguma razão este meu colega. Estar com as pessoas nas suas vidas, mesmo os momentos de lazer, é sair um pouco de nós para estar com o outro. 
No entanto, este meu colega, sem desprimor algum do que escrevi até aqui, faz também parte daquele grupo de colegas que vive encerrado nos ritos e preceitos do “sempre se fez assim”. Fica-se nas missas a correr e a multiplicar. Talvez lhe falte um pouco mais para entender a profundidade do convite do Papa. Porque a Igreja em saída é ainda mais do que estar com as pessoas em amenas cavaqueiras. Para além de estar com o outro, é sair de nós mesmos e dos nossos comodismos. É deixar de nos colocarmos no centro para colocarmos o outro no centro, a começar pelo nosso modo de assumir o ministério sacerdotal. Ou o modo de ser Igreja. A Igreja em saída é a Igreja que deixa de viver bloqueada por ritos e normativas de séculos passados, como dizia o teólogo espanhol José Maria Castillo. É a Igreja que vive para humanizar este mundo desumanizado. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO:  "As freiras missionárias"

quinta-feira, novembro 18, 2021

Confundir o símbolo com o simbolizado

Aquela imagem é que era. Aquela imagem de Nossa Senhora é que era tudo para a senhora Almerinda. Pedia-me para a benzer. Mas sem estragar a pintura. E abraçava-a. Tinha mais amor à sua Nossa Senhora de barro do que à sua filha que morava na casa dos trinta e lhe dava muitos problemas. Devo estar a exagerar. Mas não tanto como ela. E como ela tantos outros cristãos que confundem os símbolos com o simbolizado, confundem o símbolo com a realidade que este quer simbolizar. Não vejo mal que alguém beije uma foto de um ente que ama e partiu ou que está longe há muito tempo. Contudo não é a mesma coisa. Não podemos confundir a foto com a pessoa. Não podemos confundir o dedo apontado com aquilo que o dedo aponta. Grande parte dos fundamentalismos nascem deste modo. Como dizia Tomas Halik, “não se pode confundir o dedo que aponta para a lua com a própria lua”. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Quinze maças especiais"

segunda-feira, novembro 15, 2021

O Antoninho das flores e das almas

No domingo passado, o petiz foi com a mãe a uma paróquia vizinha limpar e cuidar das campas dos avós paternos da mãe. Foi no fim-de-semana dos finados e das romagens. De manhã cedo, o Antoninho, que tem a idade de quem entrou este ano na escola, acompanhou a mãe com entusiasmo. Ele gosta de ajudá-la. Ao chegarem junto da igreja, quis ir ao cemitério antigo, que quase pega com as paredes da igreja. Ao entrar, reparou que eram muito poucas as campas arranjadas com flores. Achou estranho porque no outro cemitério havia muitas flores por todo o lado. Por isso perguntou à mãe. Mamã, estas alminhas não foram muito amadas pois não? A mãe explicou que já não deviam ter quem cuidasse das suas campas. Ele fez um silêncio do tamanho dele, isto é, pequenino, e disse. E nós, porque não as amamos? Podíamos trazer algumas flores para estas também. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO:  "A chaveira"

quinta-feira, novembro 11, 2021

pedra por pedra [poema 342]

e se a pedra removida te convidar a entrar 
e fores uma pedra que não se sabe remover 
 
e se a entrada for escura enquanto não entrares 
e fores o escuro que não sabe por onde ir 
 
e se o corpo não estiver na mesa, 
e a mesa estiver dentro de ti 
 
entra

segunda-feira, novembro 08, 2021

O senhor padre não me deixa

Deixou a catequese no último ano do itinerário proposto. Deixou porque quis ir estudar para outras paragens. Para outras oportunidades. Na altura o assunto da catequese ficou encerrado. Não se pensou em alternativas à catequese. Não mais houve preocupação com estas coisas, até agora. Agora que há crisma, abriu-se de novo. Argumento principal: tive de sair para estudar fora. Não pensou foi que era nessa altura que se deveria ter tratado o assunto. Mas agora o senhor padre é que não deixa fazer o crisma. Ou seja, ele fez as opções que quis e como quis, não deu importância à catequese que lhe faltava. Sabia os requisitos. Ele não os tinha todos. Mas nunca pensou em dizer às pessoas que gostam imenso de falar na vida alheia que não podia crismar-se porque, afinal não tinha todos os requisitos necessários, em comparação com os seus antigos colegas que cumpriram o itinerário da Catequese. Só se lembrou de dizer e repetir que o senhor padre não o deixava. Como se eu tivesse alguma coisa a ver com o assunto. Eu queria muito que ele se crismasse. Não sei é se ele queria tanto como eu! 
 

terça-feira, novembro 02, 2021

O lindo Jesus do pequeno Mateus

Tenho visto o pequeno Mateus crescer para o Senhor de um modo encantador. A mãe vai-me contando as peripécias deste petiz que tem uma relação muito bonita com as coisas de Deus e que gosta muito de Jesus. Entrou este ano na escola e na catequese. Quando chegou a casa da primeira sessão de catequese, à pergunta da mãe sobre como havia sido, respondeu que fora fantástico. Quando chegou a casa da segunda sessão, imediatamente perguntou à mãe se poderia fazer um desenho de Jesus. E depois de o fazer, perguntou-lhe se o podia enviar ao Pai Natal e ao senhor padre, com este pedido: diz-lhes que fiz um Jesus com os braços abertos bem compridos para dar abraços muito bons. E fez mesmo. O desenho estava lindíssimo. Por fora e por dentro. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A catequista e o menino"