No encontro de preparação do baptismo do seu filho pequeno, à pergunta sobre o motivo pelo que tinha decidido baptizar o filho, o pai do Manelito, respondeu com honestidade que o fazia por tradição e porque a mãe, ou seja, a avó do Manelito, lhe chateava a cabeça para o fazer. Ipsis verbis. Ia baptizar o filho por ser uma tradição e porque, de certo modo, seguia o hereditário desejo dos seus antepassados.
Esteve atento e foi dialogando quanto baste. Não estava muito interessado no encontro, mas também não estava lá como se não estivesse. E no final, fez a pergunta natural de quem está mais preocupado com outras coisas: quanto tempo vai demorar a coisa? Porque as coisas demoram tempo, porque o tempo de Deus é sempre diferente do nosso e porque ele precisava ouvir a minha resposta tal como lha dei, disse O tempo que for necessário. Os tempos das coisas são sempre os tempos necessários.
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Deus de folga"
9 comentários:
O tempo para quem o tem, aquele elástico que se estica, puxa e repuxa até Pás! E o resto é história!
Bom dia Senhor Padre,
A tradição, sempre a tradição. Mas, se pelo menos servisse para aprender alguns coisa...
Apenas e simplesmente a duração da coisa. Triste, muito triste.
Bom fim de semana.
Ailime
Cá me parece, Confessionário, que continuas à espera de encontrar cristãos que já nasceram ensinados, ou que tenham caído do céu com uma fé esclarecida. Não vais tê-los; nunca existiram.
Talvez falte esse salto de conversão pastoral que te leve a chegar ao momento em que vejas o pedido de um baptismo como um pequeno milagre, um sinal de Deus, a oportunidade de ter em mãos uma semente a germinar, o início de algo de belo a acontecer. Naquele pai, naquela mãe.
Estarás disposto a imaginar (a compreender, a acreditar!) que não estarás apenas a baptizar a criança, mas também os pais? A aceitar que a maior parte dos pais se te apresentará num estádio infantil de fé e que será tua função acompanhá-los e ajudá-los a dar um passo significativo na sua caminhada de iluminação? (E quem dera conseguíssemos encontrar formas de que esse acompanhamento não fosse breve e fugaz, como infelizmente tem quase sempre sido...) Poderiam aqui servir de inspiração os textos da mistagogia que se referem aos neófitos (adultos) como infantes...
Outra achega, Confessionário: ainda há pouco tempo elogiavas o papel evangelizador dos avós e agora pareces reticente perante alguém que se apresenta benditamente massacrado por uma?
Lembro que para a fé é fundamental a tradição. (Muitos estudantes de teologia leram a Dei Verbum, mas poucos lhe aplicaram um diagrama de Venn...) Que cabe a cada geração acolher, dela apropriar-se, retrabalhá-la e recriá-la. Porventura andamos demasiado influenciados pelo Jesus dos Evangelhos que aparece várias vezes a criticar as "tradições dos antigos", esquecendo-nos das circunstâncias precisas em que tal é feito. Acabamos desvalorizando a tradição, ao mesmo tempo que reconhecemos que a situação de descrença actual se deve precisamente a uma falha no mecanismo de tradição/transmissão.
Quanto àquela resposta "O tempo que for necessário": acredito que possa ter feito bem àquele pai ouvi-la; mas não poderá ter sido também um pouquinho maldosa?
Sim, é certo que o tempo de Deus é diferente do nosso. Mas também é verdade que quando Jesus tinha de ir à casa de banho, ia. Isto para dizer que todos estamos algo condicionados pelo relógio (nem que seja o relógio interno). Viver sem relógio e sem agenda é um sonho, é um luxo, é algo que nos permitimos em tempo de férias, mas não é o normal dos dias. Mesmo nos mosteiros, em que os monges dedicam a sua vida à oração, ao diálogo com Deus, há horários bem precisos, mesmo rígidos, a respeitar.
Imagina, caro Confessionário, que diante das insistentes recomendações do papa Francico que de as homilias sejam breves e curtas, um dos teus colegas comenta "A homilia deve demorar o tempo que for necessário". Estará o Papa a precisar de ouvir uma boa verdade? Ou estará o dito padre a dar uma desculpa para o facto de não conseguir controlar-se na hora da pregação?
Ou então, se estivesses prestes a celebrar um Matrimónio e perguntando "A noiva vai demorar muito?", te respondessem "O tempo que for necessário": o que é que aconteceria? Aproveitarias serenamente para louvar Deus, o Senhor do tempo e da eternidade, folheando tranquilo o teu breviário? Ou seria mais de esperar um outro tipo de reacção da tua parte, estilo "Pensais que eu tirei o dia para a festa?!"
Grato, JS.
Faço algum esforço por acolher esta gente (porventura, não o suficiente) e por aproveitar esta oportunidade evangelizadora. Também vi neste senhor muita coisa positiva, a começar pelo facto de estar ali.
Contudo, serei um eterno "queixinhas", ou um eterno "insatisfeito" que queria uma Igreja tão ideal, mas tão ideal... que, às vezes, fica no mundo das ideias! Tenho de pensar nisto... seriamente.
... o que não significa que deixe de escrever textos "queixinhas". lol
Penso, Confessionário, que te assiste evidentemente o direito ao desabafo e ao queixume (nem que seja como função de catarse). Afinal, também Jesus se manifesta diversas vezes desalentado com a falta de fé e de gratidão dos seus compatriotas (reservando, todavia, as críticas mais contundentes para os chefes do povo). Mas não me canso de me espantar com os frequentes episódios narrados em que pessoas se aproximam de Jesus e simplesmente lhe fazem um pedido, e Jesus simplesmente as atende. Sem grandes conversas, ou preparativos, ou exigências.
JS
a escrita é para mim, de facto, um lugar de catarse e de meditação. É um modo de "deitar para fora".
E também por isso gosto muito de alguns comentários, que me ajudam a rasgar horizontes, tais como estes que escreveste esta manhã. Bem haja de coração.
Meu querido JS
É sempre um gosto imenso pegar, numa ponta que seja, da sua brilhante escrita.
Fabulosa a forma como uma vez mais aborda o "Tempo". Raros serão aqueles que tão elegantemente sabem conciliar a necessidades mais vulgares com o item topo da filosofia e da ciência.
Fofinho a imagem da «noiva», tudo me leva a crer pelo correr da pena, que seja a do Frankenstein, será? Mais uma encenação digna de ser animada.
É um gosto ter a possibilidade de privar consigo - perdoe-me desde já a ousadia - neste blog, acompanhando, de alguma forma o evoluir da sua mente brilhante.
Sem querer ser desrespeitosa, acho que o Senhor Padre Confessionário, que muito estimo, lhe deve muito. Reciprocamente, com certeza,
Agradecida,
Enviar um comentário