quinta-feira, outubro 02, 2025

e cansado

Estava cansado e farto de tudo. Farto das incompreensões e decisões do bispo. Farto dos colegas que só pensam neles. Farto dos paroquianos que vivem a exigir coisas que ele não consegue dar. Farto e cansado de tudo e de todos. Quando amanhecia, tinha vontade que a noite regressasse depressa para tomar o comprimido de dormir. Fazia o que tinha para fazer como qualquer máquina onde se coloca uma moedinha. Andava pela paróquia e pela vida de cabeça erguida e ombros levantados. Fazia lembrar o cavalo elegante com os antolhos para não ver senão o que está a sua frente para ser feito. Chegado a casa, o seu corpo transformava-se, tolhia-se, encurvava-se, amarelecia. Pegava no livro da liturgia das horas e rezava palavras sem dialogar com Deus. Sentia que a sua espiritualidade se esvaía por entre os dedos. Tentava segurá-la como se segura a água numa mão. Ficava apenas um resto de humidade que rapidamente secava. Era como se a fonte tivesse secado. Como se Deus o tivesse abandonado à sua sorte. Entrara no seminário de armas e bagagens, como se costuma dizer, entusiasmado porque ia mudar o mundo, ia ajudar as pessoas a encontrar-se com Cristo. Mas a realidade impôs-se. Era mais forte do que ele e do que todo o entusiasmo que alimentara em tempos de seminário. Sentia-se sozinho. Não tinha com quem partilhar os sucessos e as derrotas. Só as paredes da casa paroquial sabiam a verdade do seu coração, e a almofada que recolhia as lágrimas antes do comprimido fazer efeito. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O padre é o tem de"

7 comentários:

Anónimo disse...

Neste tempo: que comunidade? que padre? Mas, vem aí a sinodalidade, com gentes sem a mínima preparação, e tudo se resolve!!!....... em plano inclinado.

Emília Simões disse...

Boa tarde Senhor Padre,
Um relato muito emocionante sobre a difícil vida de um pároco!
Acredito que se sintam sós e muitas vezes incompreendidos.
Talvez essa situação se verifique mais nas paróquias pequenas em que têm de se desdobrar, para dar atenção a todo o povo!
A vida de um padre, como a de qualquer ser humano, também terá de ter lazer, convívio, viajar, ter férias, etc.
A oração ajuda muito e o Evangelho deste domingo a ela se refere.
No entanto, a vida além da alegria do Evangelho também deve ser feita de pequenos prazeres, que muitos párocos por manifesta falta de tempo não têm e o esgotamento acaba por tomar conta das suas vidas!
Que Deus lhes dê força e coragem para levarem o seu sacerdócio em frente, sem desanimarem.
Um abraço,
Emília

Anónimo disse...

Percebo já há algum tempo a necessidade urgente da Igreja cuidar melhor do emocional de seus padres. Quantos casos de suicídio, de depressão; quantas lutas travadas em segredo e sozinhos. É urgente falar da solidão dos padres. Não digo nem em relação ao celibato, mas propriamente ao cuidado da alma do padre, e ao esgotamento físico e mental.

Anónimo disse...

Acabei de ler o último comentário (20 outubro, 2025 19:06) e pensei nos bispos que somente estão preocupado em não "ficar mal na fotografia" e não cuidam dos seus padres!

Anónimo disse...

Como religioso leigo penso o mesmo as vezes. dizem que é Burnout, mas para mim é aguentar uma igreja que se fecha. Mas creio que uma hora me trocam de casa... Viva a esperança.

joaquim disse...

Um forte e muito amigo abraço com saudades. Rezo por ti.

Anónimo disse...

alguém anda triste, padre?!