No episódio daquela mulher que há doze anos sofria de um fluxo de sangue, existe uma multidão que toca Jesus de todos os lados, que o aperta, que o faz encolher e, permitam dizê-lo, quase desaparecer no meio de tão grande amontoado de corpos ou de pessoas. Essa multidão esconde Jesus. Sabe-se que vai a passar, porque a multidão vai ali. Sabe-se que está por perto porque as pessoas falam dele. É como se ele se manifestasse discretamente no que se diz acerca dele. Até nisto me prende o coração. Só que a multidão falava dele por arrasto. O arrasto das multidões que repetem o que os outros repetem e se deixam arrastar com o que os outros repetem.
Uma multidão é feita de muitas pessoas e cada pessoa é única. Creio, porém, que cada uma das pessoas que faziam parte desta multidão que tocava Jesus, o fazia por fora. Somente uma o tocou por dentro. E era uma doente, uma impura, uma morta que vivia deambulando sem vida para viver. Fazia parte do grupo dos que não podiam ser multidão. Nem de longe. Não podia ser como os outros, porque ela era única na sua miséria. E a multidão não a deixava acercar-se do Senhor. Porque ela não era multidão nem era digna de o ser. Por todos os motivos e mais alguns ela não conseguia tocar o Senhor, nem ao de leve. E aquela multidão era uma muralha. Uma muralha entre Deus e os homens. Era uma multidão que tocava Jesus mas não o tocava. Era uma multidão que falava dele mas não falava com ele. Era uma multidão longe dele. Era uma multidão sem ele, mesmo falando dele. Era uma multidão que ocupava o lugar dele. E hoje sei que eu sou a multidão que tantas vezes me impede de tocar, mesmo ao de leve, no Senhor. Sou eu a minha multidão.
Revisitar Mc 5, 21-43
2 comentários:
Agora, sim, faz sentido o poema anterior, ou faz mais sentido, padre.
Bom dia Sr. Padre,
Todos somos multidão e só alguns se deixam ou têm necessidade de ser tocados por Deus.
Ailime
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