Mais de oitenta por cento das paróquias a meu encargo não chegam a duas centenas de habitantes. Duas delas têm no máximo três dezenas de habitantes. No censos de 2021 constatou-se um decréscimo assinalável. A mesma realidade encontramos em muitos outros locais, sobretudo no interior do país desertificado. As pequenas dimensões de algumas comunidades paroquiais e uma prática cristã reduzida em muitas outras, impedem-nas de ter os dinamismos necessários a uma comunidade activa ou confrontam-nas com a falta de meios e recursos humanos e materiais para sobreviverem com a qualidade necessária. Além disso, a sua ação tem sido quase exclusivamente sacramentalizadora, sem grandes conversões de coração, envolvimento na comunidade, encontro com Cristo, ou fé esclarecida e amadurecida.
A paróquia, que tem vindo a deixar de ser o centro de vida das pessoas e a deixar de ter exclusividade para a caminhada de fé dos cristãos, não deveria pensar-se como um território ou um aglomerado social de indivíduos batizados, uma instituição puramente jurídico-administrativa, ou uma simples estação de serviços religiosos. Assim como, naturalmente, não há comunidades sem pessoas, também não têm futuro as comunidades cristãs com estruturas estáticas, centralizadas em párocos, pouco colegiais e fechadas a serviços mais partilhados.
É capaz de ser necessário ultrapassar o modelo feudal das paróquias e de uma Igreja em que o único eixo ou o principal eixo sejam as paróquias. O modelo tridentino do sacerdócio e de organização da Igreja, para além de fazer cada vez menos sentido, na prática, não está a ser possível. A corda esticada está já muito esticada e quase a rebentar!
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "As paróquias que estão a morrer"
21 comentários:
A paróquia "não deveria pensar-se como um território ou um aglomerado social de indivíduos batizados, uma instituição puramente jurídico-administrativa, ou uma simples estação de serviços religiosos."
interessante
Então, se não deve ser assim como deveria ser? Se não há uma Comunidade a que a pessoa se sente vinculada e comprometida, temos pessoas desenraizadas. A Comunidade Paroquial para mim é tão necessária como a família. A verdade é que temos quase só idosos nas missas e padres cada vez menos e mal distribuídos, uns sobcarregados e outros a fazer turismo religioso. Mas sinceramente não estou a ver solução à vista.
As comunidades não têm de ser necessariamente territórios, tal como estão demarcados civilmente, onde uma percentagem grande de pessoas não faz parte, a não ser por tradição.
Contudo, é importante o enraízamento, de facto.
Gosto da ideia de comunidades que se juntam numa só para ter o necessário!
Gosto da ideia de pequenas comunidades de base!
... e também não sei tudo; só sei que o caminho tem de fazer-se!
A casa aonde resido e aonde volto todos os dias, é a minha base e é territorial. Não há volta a dar. E quando assim não é, sou um desenraizado da vida, pessoal e social, mesmo que me queira convencer doutra coisa. Daqui, o fundamento da comunidade local. Ainda que a vida moderna a possa querer contestar.
Assim, a comunidade cristã de base é, desde os tempos da origens, o organismo mais importante da estrutura eclesial. E sem elas, outra razão não existirá para as Dioceses, implantadas pela e para a mediação eclesial da unidade e confirmação da comunhão ao núcleo essencial da fé e do cristianismo.
Ora o futuro, neste tempo-activo, não será possível se as paróquias não forem autónomas nas suas dinâmicas existenciais. E daqui, a característica-base do padre que há-de vir: raiz local, formado nos saberes do tempo, mas também com os seus, e depois autónomo no vitalizar dos paroquianos, congregados na fé confirmada pelo bispo, apóstolo eleito de Cristo. Quanto ao ser casado ou não, passa a ser secundário e as comunidades locais julgarão... o que seja possível e melhor em função do seu concreto existir.
Boa tarde Senhor Padre,
Um texto reflexivo muito atual e lúcido como é seu apanágio.
No último parágrafo diz tudo.
Bom fim de semana.
Ailime
É mesmo muito importante para mim ter a minha casa, a minha residência, ou diria o meu LAR onde posso voltat todos os dias, como diz o Anónimo das 10h54 mas também é importante a consciência de pertença a uma Comunidade paroquial. Quando somos privados da família natural, somos órfãos mas também acredito que o desenraizamento da família paroquial tambem nos faz sentir órfãos. Por motivos profissionais muitas vezes tenho de estar longe da comunidade a que pertenço e acreditem nesses momentos sinto-me órfão. No tempo de confinamento quando as pessoas se queixavam de não terem Missa e se lhes dizia têm onlin, a resposta era geralmente esta:aquela não é a voz do meu pastor. Se as igrejas estão vazias é preciso implementar métodos pastorais que respondam ao anseio do homem de hoje. Porque mais que desertificação demográfica o mundo de hoje sofre do vazio da alma. Mas lá no fundo há uma fome imensa de Deus. Uma necessidade de um Tu para quem não somos anónimos, mas pessoas.
10 setembro, 2021 18:1
... e quais são os métodos pastorais que devemos implementar em paróquias com cerca de cinquenta habitantes, quase todos com mais de setenta anos, de modo a evitar que a paróquia desapareça?!
Questão muito pertinente, Confessionário. (comentário do 10.09, 20h49)
O primeiro passo será aceitar que essa paróquia vai certamente (ou muito provavelmente) morrer a curto prazo. Mas para chegar aqui, já é preciso dar alguns passos... (cf. os estádios psicológicos).
O "muito provável" significa que poderão haver acontecimentos que modifiquem ou invertam a situação: descoberta ou criação de algum potencial económico até agora ignorado, chegada de colonos (migração interior ou exterior). Mas será algo que em princípio não está dependente da Igreja. (Este "em princípio" tem que se lhe diga, mas desenvolvê-lo ficará para outra oportunidade.) Ou de um padre. Pelo contrário, o padre ou a Igreja poderão precipitar o desfecho, à medida que as celebrações forem sendo cortadas e a ausência do pároco vá aumentando. (Não é uma questão de culpabilizar mas apenas de enunciar uma responsabilidade.)
Poderemos comparar então a pastoral numa paróquia moribunda com o trabalho numa casa de cuidados paliativos, ou num lar de idosos. É uma pastoral que requer especialização e vocação. Não é qualquer padre que consegue lidar com tais circunstâncias. Até porque, em termos gerais, é a partir dos 50 anos que (como qualquer pessoa) o padre começa a fazer real prova da sua fragilidade e mortalidade, e consequentemente a sintonizar-se com a malta idosa. (Perdendo todavia em frescura física e mental para a tarefa de ser cuidador...)
A um iniciante nesta pastoral, eu recomendaria um livro do Anselm Grun sobre a arte de envelhecer.
JS,
... e que fazer quando a maioria das paróquias ao encargo de um padre estão a morrer assim?!
A proposta dos "paliativos" é interessante. E provavelmente necessária. Contudo, é sempre uma aflição para um padre que pensava que a sua missão era "alimentar" a vida e ver crescer as comunidades (não em número, mas em vivência de fé)!
Isto fez-me lembrar a questão da pastoral juvenil, com algumas similitudes. Algo que tive ocasião (e a ventura) de aprender logo nas primeiras formações: os grupos de jovens nascem e morrem. Nascem para morrer. Têm de morrer. E o que interessa é que possam morrer bem (coisa que nem sempre acontece e que às vezes simplesmente não se consegue controlar). Um animador nesta área tem de ter consciência clara disto e estar preparado para esta realidade. Algo de temporário, provisório, com desfecho previsto. Para não se ficar bloqueado com dramatismos, frustrações, ressentimentos, culpabilidades.
...No entanto, uma paróquia morrer não é tão natural como um grupo de jovens terminar. Até porque, lá está, os frutos do trabalho do grupo de jovens hão-de ver-se, mais cedo ou mais tarde, e numa paróquia que morre, deixa de haver frutos, a não ser no céu, ou então numa outra comunidade em que as pessoas passem a participar!
Cada vez sou mais a favor de paróquias maiores que alberguem pequenas comunidades (chamemos-lhe de base) do que pequenas paróquias a que, impreterivelmente, o sacerdote só consegue ir de vez em quando. E apesar de se poder fazer algo belo com essas pequenas paróquias/comunidades a morrer (eu tento!), será sempre limitador, porque uma comunidade cresce constamente e não aos soluços.
... ou então teremos de repensar o que fazer com estas comunidades, mas pensá-lo de forma muito menos clerical, e deixar que os leigos assumam, de uma vez por todas, a condução destas comunidades!
Respondendo ao comentário das 09h58:
Cá está, Confessionário, é como eu dizia: um padre colocado numa situação destas terá de fazer impreterivelmente uma reavaliação da sua formação e da sua vocação. Insisto: um trabalho pastoral deste tipo não é para qualquer padre (sem desconsideração). Estou convencido que há que ter (ter recebido) uma vocação específica, poder-se-ia mesmo dizer um carisma próprio. Algo à semelhança do que vemos nas congregações religiosas. Fará falta um discernimento pessoal, e sobretudo (no caso de um padre) contar com um bispo que tenha uma visão lúcida sobre esta questão.
Depois (ou no entretanto) há a parte da reciclagem pastoral, da tal procura de uma formação especializada, e do abrir mão de alguns conceitos e enquadramentos pastorais alegremente aprendidos e interiorizados nos bancos do seminário mas não aplicáveis ou até contraproducentes em certas circunstâncias. Sem dúvida que o nosso ensino teológico-pastoral e os famosos anos pastorais dos seminaristas continuam focados em comunidades cristãs urbanas ou de arredores, em que a vida cristã ainda é significativa e plurigeracional. O resultado, para muitos sacerdotes novos, é um choque violento. Que tem feito vítimas, infelizmente.
Em resposta a 10h15 e 10h16:
Isso já é outro assunto, Confessionário. Tem que ver com a falta de padres e o aumento das distâncias. Muitas vezes aparece associado ao tema das paróquias envelhecidas. Mas não é a mesma coisa.
Não é por lhe chamarmos comunidade de base ou colocar-se um leigo como guia comunitário que o relógio vai andar para trás. As comunidades que estão a morrer, estão a morrer. Por isso é que eu dizia que é necessário aceitá-lo, assumi-lo (mais complicado do que parece).
Certamente que encaramos isso com angústia, sobretudo por acontecer no nosso tempo, depois de vários séculos ininterruptos de existência. Mas olhando para a história da Igreja, apercebemo-nos que não se trata de uma situação rara ou anormal. Temos é de guardar uma perspectiva mais ampla: se na Europa há uma decadência, noutras partes do mundo há florescimento; se paróquias desaparecem, outras formas e estruturas de missão vão surgindo (não nos mesmos lugares ou dirigidos às mesmas pessoas).
És capaz de ter razão, JS
É por isso que gosto muito dos teus feed-back's. Quase sempre me ajudam a pensar mais.
Mas quando falo das comunidades de base ou dos leigos-guias é porque ando em busca de soluções. E não está fácil, mais ainda quando a maioria do clero prefere fazer a manutenção do "sempre se fez assim" do que pensar que fazer AGORA. E eu sofro por dentro. Tanto porque me falta tempo para acompanhar as minhas comunidades, como porque tenho responsabilidades diocesanas que me pedem para pensar o que fazer e me sinto, muitas vezes, a lutar sozinho ou em vão...
Parabéns JS. O facto de terem mais de 70 anos não são menos importantes que as outras fases etárias. E talvez, mesmo sem talvez a sua compreensão da fé seja superior. Ontem numa celebração onde a maioria da assembleia era de avós o Bispo perguntou: quantos de vocês aqui nesta celebração têm netos? Todos levantaram a mão. Nova pergunta: acham que depois desta pandemia cim uma ausência tão prolongada da Missa presencial seja fácil eles voltarem às celebraçoes? Resposta negativa. É isto se o padre fica atrás do altar, continuou o Bispo, eles não vão voltar.
11 setembro, 2021 14:32
O assunto é mais profundo do que saber se voltam ou não voltam após a pandemia. Também não tem a ver com a idade das pessoas que participam na eucaristia.
Trata-se das comunidades que, envelhecidas, sem recursos e capacidades, estão a morrer, e alguma coisa ou alguma decisão terá de ser feita ou tomada. Não chega andar a alimentar o "sempre se fez assim".
Creio também que o nosso foco é, quase sempre, o clero. Vemos quase tudo à luz do que os padres devem ou podem fazer. Eu gostava de ver tudo à luz do que a Igreja, que é um corpo mais diversificado, deve fazer perante esta realidade!... até porque os padres não conseguem andar por todo o lado e chegar a todo o lado.
Aliás, há padres que andam na rua, na comunicação social, nos bares e convívios, e o resultado da evangelização não é por aí além.
...mais me apetece acrescentar:
Estou convencido que as novas gerações que em breve terão mais de 70 anos (as que andam agora pelos 30, 40 ou 50) não irão renovar as comunidades septuagenárias das nossas paróquias.
Ó padre, a mim parece-me até que esses padres que andam na rua são, na maioria, umas baratas tontas! Andam mais para agradar e atrair likes ou seguidores do que a apontar para Deus.
Por esta e por outras, penso que será muito positiva a caminhada sinodal que estamos prestes a iniciar em Igreja. O documento preparatório já saiu: toca a lê-lo.
Claro que boas reflexões e acumulação de trabalho não costumam andar de mãos dadas. Mas por outro lado, é a aquisição de experiências que permite abrir os olhos e ter os pés bem firmes no chão, para poder contrapor às altas teorias pastorais sonhadas em tardes de verão à beira-mar.
JS, o documento preparatório já está lido, relido e anotado.
Não sei que efectividade terá aqui no Ocidente. A ver vamos!
Também lhe tenho muita expectativa...
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