quarta-feira, fevereiro 10, 2021

Os papas infalíveis

Quando Pio IX declarou a infabilidade papal não adivinhava que, passados cerca de cento e cinquenta anos, os últimos papas, de certo modo, deixassem no ar a dúvida dessa infalibilidade. É certo que ela se refere às ocasiões em que o papa fala “ex cathedra”, ou seja, quando exerce o cargo de “supremo” Pastor e Doutor de todos os cristãos e, em virtude do seu “supremo poder” Apostólico, define uma doutrina sobre a fé e os costumes, como li algures, mas sem quaisquer aspas. Por palavras menos piedosas, mas ainda assim, clericais, são as ocasiões em que, através do seu magistério, explica a fé da Igreja, na fidelidade ao depósito da Revelação (Escritura e tradição da Igreja). 
Quando, no Concílio Vaticano I, em 1870, a infalibilidade papal foi solenemente proclamada como dogma, é bom recordar que se estava num contexto polémico, pois as forças políticas europeias procuravam limitar o poder do Papa e a instituição eclesiástica era posta em causa. Pode-se dizer que pareceu importante aos bispos reafirmar, desta forma, o papel singular do Papa. 
O problema é que muitos cristãos idealizam a infalibilidade como a inexistência de fragilidade. Imaginam-na como a qualidade de quem nunca erra. Como se o Papa não fosse humano. Como se a sua humanidade estivesse de tal modo impregnada de divindade, que ele tivesse uma ligação tão profunda com Deus, que até soubesse os seus desígnios mais íntimos e fosse impedido pelo próprio Deus de ser um humano como os outros. Mas não é assim, e os últimos papas foram sinal de que são seres humanos e não possuem nenhum super poder. 
João Paulo II, por exemplo, pediu uma série de desculpas. Como a Galileu Galilei, aos condenados pela Inquisição, a muçulmanos mortos nas Cruzadas e a africanos escravizados com a ajuda da Igreja. Bento XVI continuou na mesma linha, emitindo, entre outros, aquele que na época foi definido como um pedido de desculpas histórico às vítimas de abuso sexual cometido por padres católicos na Irlanda. Mas o pontífice alemão não se desculpou apenas pelos fracassos institucionais da Igreja. Pediu desculpas pelos seus próprios. E deixou o pontificado. O Papa Francisco já pediu inúmeras desculpas e sugeriu a necessidade de cada um fazê-lo mais vezes. Diante daquela senhora a quem deu uma palmada na mão porque o agarrou exageradamente, pediu desculpa dizendo que até ele, às vezes, perdia a paciência. 
Eu acredito que os papas são um dom de Deus para a Igreja. São a pedra sobre a qual se edifica a Igreja. Mas, como Simão Pedro e como todos os apóstolos e discípulos de todo o tempo, não são deuses. São cristãos a caminho. São íntimos de Deus, mas não são Deus. São inspirados por obra e graça do Espírito Santo, mas não deixam de ser humanos. Eu gosto de fazer parte de uma Igreja que é frágil, para que seja Deus a força dela. Eu gosto de pensar que aquele que guia a Igreja é tão santo na sua infalibilidade como na sua humildade! 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A Igreja que não é de um Papa"

4 comentários:

Anónimo disse...

Gostei...
Bj

Anónimo disse...

Tb me fez bem ler.

AM

Ailime disse...

Boa noite Senhor Padre,
Perante o que acabei de ler só me ocorre dar-lhe os meus mais sinceros Parabéns por tão belo e brilhante discernimento.
Obrigada.
Ailime

Anónimo disse...

li com muito gosto, padre