quinta-feira, outubro 03, 2019

esta coisa da ressurreição da carne está mal explicada, não tá?

Já estávamos levantados e a despedir-nos. Não tem propriamente fé. Tem qualquer coisa de inquietação que gostava de poder chamar fé. Mas não tem. E não é só por não ir à missa. É porque, mesmo não questionando a existência de Deus, que pouco lhe interessa, acha que estas coisas não são necessárias. Ele tenta que a sua vida tenha sentido. Lê muito. Lê muitas coisas de Deus e da filosofia destas coisas. Gosta de saber. Penso que gostaria de saber de Deus. Por isso procura-me para conversarmos. E faz perguntas. Não sei se para me experimentar, se para aprender, se para se encontrar. Tal como esta que fez da última vez que nos reunimos para uma refeição. Ó padre, esta coisa da ressurreição da carne está mal explicada, não tá? 
Lembrei imediatamente uns textos que li em tempos e que realçavam que a ressurreição de Jesus não tinha sido propriamente corpórea. Não, pelo menos, como o corpo que Jesus possuía enquanto Deus encarnado. Por isso é que os seus apóstolos não o reconheciam. Era uma outra forma de corpo. Difícil de explicar. Muito difícil. Mas também não era um fantasma. Não, não era. Era só uma forma visível de se ser que não se conseguia definir. Contei-lhe isto. E depois disse-lhe que a Igreja, na sua doutrina, nos quer ajudar a entender que havemos de ressuscitar como um todo. Como o ser que somos. Como a pessoa que somos. E que nós somos, segundo a Igreja, tal como aprendi na teologia, um conjunto de corpo e alma. Aquilo que nos faz ser não é só o corpo comandado pelo cérebro. Há algo, a que chamamos alma, que nos faz ir mais longe, para além das nossas capacidades. É a diferença com os animais irracionais. E o que ressuscita é esse todo. Não é só a alma. Na ressurreição existiremos de modo diferente daqui da terra. Ressuscitará o corpo? Ressuscita o que somos e nos constitui. Mas não será como aqui. Até porque aqui somos corruptíveis e na vida eterna seremos incorruptíveis. É por aí que deve procurar, senhor José. Sem todas as certezas. Porque certo, certo, só saberemos quando a nossa vida se atravessar para lá. Eu também não tenho certezas. Tenho entendimentos.

4 comentários:

Anónimo disse...

Sem reflectir devidamente no texto do Sr. Padre, extraordinariamente extenso para o habitual, posso dizer, ainda assim, ter-me agradado a reflexão. O antes e o depois da ressureição questiona. Reside aí a pedra de toque da nossa fé. Por isso o corpo com que Cristo se apresenta após a sua morte é relevante. É assunto para convocar S. Tomé - com a dúvida do «é ou não é» - ganhamos todos. Tendo-se aproximado de Tomé, Cristo, conhecedor do estado de dúvida em que o outro se encontrava, decidiu aproximar-se ainda mais e colocar-se à disposição. Critica-se quem «vê com as nãos», mas, como se comprova, é conduta fortalecedora de fé. «Bem aventurados os que crêem ser ver». O próprio Cristo sabe que a frase por si proferida pode ser interpretada sob diferentes ópticas. Resta-nos definir, a cada um de nós, «o nosso tempo de aventuras», de bem-aventurança em bem aventurança. Quanto a Ele, percebenos melhor que ninguém.
Boa Páscoa!

Ailime disse...

Só à luz da fé, sr. Padre, só a luz da fé este entendimento.
Uma reflexão que apreciei imenso pela clareza.
Desejo-lhe um bom dia.
Ailime

Paulina Ramos disse...

Magnífica a tua postura!
Eu tenho muitas dúvidas e poucos entendimentos!
Concordo com tudo o que escreveste.
Fantástica a tua resposta!
Abraço amigo!

Anónimo disse...

adorei a explicação
vou anotar