quinta-feira, março 21, 2019

Rezar na verdade da dor

O dia começava a escurecer. Sentado no meu sofá de três pessoas, rezava a liturgia das horas. Rezava atentamente os salmos. Gostara imenso da leitura de São Tiago. Gastara uns minutos a gostar dela. Contudo, chegada a oração das preces, e ao ler “concedei-nos, Senhor, a graça de tomar parte na vossa paixão por meio dos sofrimentos da vida”, a minha oração terminou por ali. Ficou ali parada. Ou começou deveras e num estremecimento de verdade que doeu. Como ser verdadeiro numa oração com este teor, quando mal vem a aflição, o sofrimento, a doença, a morte de alguém querido, as preocupações, os azares da vida, os problemas por resolver, e a gente não só perde o chão, como perde tudo?! Não queria mentir a Deus, mas é muito mais fácil dizer estas preces com a facilidade da boca que com a verdade e dificuldade do coração.

13 comentários:

Anónimo disse...

É exactamente assim...
Bj

Anónimo disse...

E um poema?
Hoje não é o dia da poesia? ...Então...estamos á espera.
Bj

Confessionário disse...

21 março, 2019 15:21
Engraçado porque esta manhã estava a pensar nisso e, ao mesmo tempo, a pensar como sou muito pouco de acordo com os dias, com as datas, com as notícias em voga...
Por isso não insisti comigo mesmo para fazer um poema...
Pode ser que até logo à noite ocorra alguma inspiração de musas para este lado

Anónimo disse...

Vem sempre a tempo, foi só mesmo...porque sim, pois ainda agora estive rever o poema
"o teu eu", que eu gostei muito.
Bj

Anónimo disse...

custa tanto, padre

Anónimo disse...

Hoje colocou o dedo na ferida. "Rezar na verdade da dor" é uma coisa que só se diz da boca para fora. Na verdade, ninguém quer a dor, o sofrimento, a angustia... Quando as dores de viver aparecem, só queremos que Deus as leve para bem longe de nós. Dizemos que queremos seguir Jesus na cruz, mas não temos coragem de colocar a cabeça no cepo, quando é preciso fazer frente ao patrão autoritário, envolvermo-nos a sério para defender a justiça, saber dizer a verdade quando a mentira e a hipocrisia são mais fáceis para nós...
Vem a aflição, e deitamos a toalha ao chão. Somos como crianças mimadas que só querem o lado doce da vida... Não sei como Deus pode querer alguma coisa connosco!!!
Pergunto-me: Que interesse pode ter Deus em nós? Que lhe acrescentam as nossa misérias? Que ganha Ele com este mundo cruel? E se Ele manda nisto tudo, mexe os cordelinhos do universo, planeou tudo até ao último cabelinho da nossa cabeça, porque permite tanta injustiça?
Talvez me vá responder que somos seres livres e que as injustiças resultam da má gestão da nossa liberdade. Concordo. Mas, e naquelas situações em que as pessoas não puderam escolher? Será que alguém escolheu antes delas?
Porque é que algumas coisas são tão difíceis para umas pessoas e tão fáceis para outras? Como é que Deus permite que quem magoa, mente e atraiçoa, siga tranquilamente pela vida, enquanto as suas vítimas "estrebucham" no chão?... Como se entende que a maldade pareça ter mais poder que o Bem?
Se quando morrermos, nos espera a eternidade, onde raio estivemos antes de vivermos? Deus cria as almas propositadamente para esta vida? Para cada tempo, cada contexto, cada lugar? Como? Somos pedaços de energia que encaixam uns nos outros como um puzzle? Há almas mais completas que outras? E depois vão todas para o mesmo lugar, voltam a ser remexidas e dão origem a novas almas, prontas para outros tempos????
Nada sei de Deus nem das suas intenções. Ultimamente ando um pouco chateada com Ele. Bem sei que deve ter as suas razões para fazer o que faz, e talvez aquilo que agora me parece um mal, se venha a revelar um bem no futuro, mas eu sou fraca a miserável. A dor que agora sinto, embora possa parecer insignificante, tomou-me por inteiro. Deixou-me diferente. Mutilada. Não serei a mesma pessoa depois de passar por isto, e não acredito que ficarei mais forte, como alguns terão a tentação de dizer... Acho que ficarei a coxear da alma para sempre...Há um antes e depois da dor, e rezar na verdade desta dor, neste momento, é o que tem sido mais dificil para mim...

Confessionário disse...

22 março, 2019 14:59
verdadeiramente, não tenho respostas para as tuas questões. Para mim, grande parte delas, também são dúvidas ou incertezas ou dificuldades de entendimento. Mas repara que até nisso estamos inseridos na nossa humanidade, ou seja, na dificuldade em entender o mistério, em entender para além de nós, o que pode ser uma prova desse Alguém Maior, Deus.
Não te vou dizer "que somos seres livres e que as injustiças resultam da má gestão da nossa liberdade". De facto, é verdade. Muitas vezes as nossas dificuldades/problemas/dores resultam dessa verdade. Mas também estou convencido que "não só, mas também".
Não creio que o assunto se possa medir por escolhas. Não faz sentido dizer que este ou esta não deveriam ter isto ou aquilo na vida porque não têm culpa disso, nem fizeram opções para tal. Eu vejo isto, ou interpreto, mais na optica da fragilidade humana, ou melhor, da nossa humanidade. Somos deveras humanos. E não podemos pensar que o não somos. E essa condição sempre nos transportará no meio da dificuldade/problema/dor sem motivo aparente que não seja a nossa humanidade. E, embora me custe muito pessoalmente, creio que é esta que designa o sermos peregrinos na terra, pequenos administradores dos dons de Deus, e nada mais que isso. Que dói, dói. Que custa, custa. Muitíssimo.
"Há um antes e depois da dor". Não sei. Acho que há um "constante antes e depois" em tudo!

Anónimo disse...

O que me diz é que os nossos limites de entendimento resultam da nossa humanidade, também ela, limitada? Não lhe parece irónico que Deus, na sua omnipotência, se tenha lembrado de entregar a tão fracas criaturas, tão grandes desejos de grandeza?
E se tudo não passar de uma construção da nossa própria humanidade, insatisfeita com as suas limitações? Assim tudo passaria a ter um sentido - a eternidade, e nós deixaríamos de ser a merda que somos... E talvez dormissemos um pouco melhor...

Confessionário disse...

Não me parece que sejamos fracas criaturas. Somos frágeis, mas não somos fracas criaturas. Somos dom. Mas um dom com limitações. Somos capazes de sonhar, pensar e sobretudo relacionar-nos. Somos criaturas muito especiais. Não procuramos Deus (pelo menos falo por mim) por ser fraco, mas pelo amor. E se não tivessemos limites não seríamos humanos. Seríamos deuses.

Anónimo disse...

Deus tem sido sempre generoso comigo e não posso negá-lo. Ñ deixei de acreditar Nele mas vivo um momento em q me questiono porque permitiu q certas coisas acontecessem. Porque permaneceu insensível aos meus apelos e me deixou cair no abismo do desespero. Penso e sinto coisas horríveis e monstruosas. Tenho a alma a apodrecer lentamente. Por vezes, sinto-me prestes a sucumbir à raiva e chego a ter vontade de fazer uma loucura... Ñ sei se sou dom de Deus, mas tenho a certeza q a pessoa q fui, os sonhos e as esperanças q tive, nunca mais serão os mesmos. Eu ñ quiz este caminho mas alguém o escolheu por mim. Agora vivo numa escravidão indigna. Vivo uma vida estéril, q ñ consigo sentir, em q os gestos de viver são apenas rotinas e os meus elos cada vez mais frágeis e sombrios.
Se Deus ainda me quer para alguma coisa, só lhe peço q venha depressa!...

Confessionário disse...

Imagino que te esteja a faltar aquele chão!
Eu não sou ninguém para te impingir um qualquer tipo de comprimido, mesmo que fosse um comprimido espiritual. Mas estou convencido que Deus se vai manifestando, mesmo sem darmos conta. Naquela pequena palavra, ou sorriso, ou escuta, ou o que seja. Força...
Prometo lembrar-me de pedir a Deus, na minha fragil oração, por esta intenção!

Anónimo disse...

Hoje, lendo tudo novamente, estou conveniada responsável por minha atuação neste mundo, nos meus dons maravilhosos que Deus me deu. Estou fazendo um curso de aceitação e não acreditação na minha vida, estamos neste momento vivendo e pouco agradecendo, e sucumbência delexia aos reversos de uma sobra. Quer conhecer a luz conheça sua sobra. Retirar a dor do sofrimento, com algo que agrada a alma.. já é o bastante, para sermos provedores da paciência de Deus. Abcs padre

maria disse...

Senhor Padre como é bom ouvir os seus desabafos. Nós temos a ideia errada de que os padres não sofrem, têm a casinha toda arrumada, porque são filhos dilectos de Deus, mas esquecemo-nos tantas vezes de que também são humanos, também sofrem, também choram, também sentem solidão. Um abraço do fundo do coração e muita força, essa sim que vem de Deus!