Por alturas do Natal passado, a minha despensa viu os baldes de batata esvaziarem-se. Restavam umas três ou quatro batatas que já nem davam para uma sopa em condições. Ora, como o Carlos, que é meu sacristão, conhece e é conhecido por toda a gente aqui na terra, enquanto nos preparávamos para a Eucaristia, ousei perguntar-lhe se conhecia alguém que tivesse lá umas batatitas e não se importasse de as partilhar. Acenou com a cabeça, para cima e para baixo, que quer dizer sim. Ergui os ombros, alcei o pescoço e fiz uma beiça em forma de pergunta e, percebendo que eu lhe perguntara Quem, respondeu-me que ele tinha. E sorriu. Intuí que tivesse vários sacos ou baldes delas na arrecadação. Aqui o ingénuo nestas coisas, que sou eu, não sabia nem sabe que esta não é altura para ter arrobas de batatas em casa. A resposta dele é que mo ensinou. Já tenho poucas, senhor padre. Mas como o conceito de poucas é sempre muito relativo, insisti em saber o que eram essas poucas. Eram apenas um saquito ou dois. É óbvio e lógico que eu não tive coragem de lhe pedir nem uma mão cheia delas. O Carlos faz parte do grupo de pessoas que vive com meia dúzia de euros e com o que o quintal lhe oferece. Mesmo pagando-as, ele ficaria sem elas e eu não queria isso. O assunto encerrou por ali, mas não no coração do Carlos que é meu sacristão. Ao outro dia de manhã, quando saí à rua, tinha uma saca de batatas à porta. O Carlos levantara-se cedo para que não faltassem as batatas para o almoço do senhor padre.
O meu olhar demorou-se nas batatas, e nelas recordei o Evangelho de Lucas e o episódio daquela pobre viúva que deitara duas pequeninas moedas de cobre na caixinha de esmolas. Jesus observava e comentara que ela deitara mais que os ricos que ali haviam deixado fortunas, porque ela dera tudo o que tinha para viver.
É assim o Carlos que é meu sacristão.
É assim o Carlos que é meu sacristão.
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21 comentários:
O teu 'Carlos' tem um coração grande. Por isso não lhe falta nada. Deus dá-lhe o pão de cada dia. E o 'Carlos' sabe isso.
Pelo que conheço do 'Carlos' não é só a ti que ele dá o que tem.
É um homem generoso. Pena haver tão poucos e eu não o conseguir imitar assim.
LPS
O Carlos tem uma verdadeira riqueza... e essa riqueza, está no seu coração.
MariaSofia
Mas onde mora não há supermercados para comprar batatas? Não entendo porque é que pediu batatas.Os padres não ganham para batatas?
Anónimo de 29 Janeiro, 2014 20:28
ahahahahah... não leves a mal, mas soltei uma enorme gargalhada, porque a pergunta acaba por ser pertinente.
Aqui vai a minha resposta:
Só posso falar por mim, pois já fui pároco de paróquias sem supermercados, e imagino que haja muitos padres a morar em locais onde não há supermercados.
Onde moro há supermercados e ganho o suficiente para comprar batatas e posso comprá-las a alguém que as tenha sem ser no supermercado. Onde moro há muita gente que, graças a Deus, tem hortas ou quintas.
O pedido, mais que pedido era uma pergunta.
mas valeu imenso o que aconteceu, nem que fosse apenas para aprender mais uma coisa maravilhosa com o Carlos.
Personagem interessante o Carlos. Tenha a certeza que tem já um bom tesouro junto no céu.
Agora se me permite Padre,embora saiba que nem só de pão vive o homem, não se esqueça da sua preocupação inicial: Para lhe dar a si, o homem ficou com muito pouca batata.
SL
SL,
isso já está mais que resolvido. Se ele não tem batatas, que venha comer com o sr padre... lol... de facto vou partilhando pequenas coisas tb para que não lhe falte pelo menos o essencial. E não é só porque ele precise, mas porque como padre e amigo tenho enorme vontade em o fazer.
Imagino que si Padre :-). Nem ia pensar outra coisa. A verdade é que se extrapolarmos esta história para outras realidades vale a pena pensar no reverso da moeda... foi essa a intenção. Acredito que o bem fica sempre para quem o pratica.
SL
Concordo, SL
Pelo menos estas não eram para os porcos... (sem bem que goste mais de alguns porcos do que de alguns padres... para não ir mais longe).
30 Janeiro, 2014 00:03,
Não és obrigada(o) a gostar nem dos padres nem de Deus… Ninguém é obrigado a nada…
Assim como cada um gosta daquilo ou daqueles que quer… E dá-se com quem quer ou com quem se sente melhor… para não ir mais longe
30 Janeiro, 2014 00:03
Onde é que te conjuguei o verbo ser obrigado(a)? E como quem gosta do que quer, também diz o que quer, não és tu que me vai impedir. E se o padre não gostar ele vão vai publicarrr!!! certo? logo o melhor é não ires mais longe, fica já aqui que ficas bem.
30 Janeiro, 2014 16:12
A menos que.. tu confessionário publiques também como anónimo!
(opah, as palavras é para quem as interpreta. Com tantos porcos à mistura ultimamente só podia sair porcaria).
Agradecia moderação nas palavras usadas que podem ser ofensivas, se nao, de facto, não publico os comentários, como consta numa adenda deste blogue.
De qualquer forma, caro ou cara anónima de 30 Janeiro, 2014 17:4, se é a mim que pretende atingir (não era isso que tinha pensado anteriormente) pode sempre dizer o que pensa por email. Claro que deixaria de ser tão anónimo, mas quem não deve não teme, não é assim.
Informo que mais trocas de comentários deste teor ofensivo ou quase ofensivo, sejam do anónimo em causa ou de quem lhe respondeu, não serão publicados.
É uma pena que um post que fala de uma grande generosidade tenha sido utilizado desta forma.
Concordo que a minha frase inicial dê grandes possibilidades de se pensar o pior, originando confusão. Vejamos, lembrei-me duma história em que falavas das batatinhas velhas que uma mulher te levou acho que tinham em vista inicialmente os porcos… (penso que era assim a história…) de seguida achando que depreciava os porcos, tentei emendar e piorei, depreciei os padres. Não sentiste tu essa dificuldade sem querer no texto do porco (do Manuel)? Pois podias ter dado o benefício. Não sei onde foste buscar o facto de te querer atingir, mais uma confusão (já te disse por email o que penso, e pela escrita se eu conheço as pessoas aqui tu melhor as conheces) A frase “Com tantos porcos à mistura ultimamente só podia sair porcaria” referia-se aos porcos das tuas histórias e não às pessoas obviamente. Bom, garanto-te que a explicação mais a pormenor só poderia piorar. O melhor que tens a fazer é banires os comentários do post pois não se enquadram no mesmo e eu sinto essa pena também…
Grande lição que nos dá o Carlos, Sr. Padre. É essa atitude que Deus gostaria que todos tivessemos uns com os outros. Obrigada por partilhar caro Confessionário! Que Deus os proteja sempre, a si e ao Carlos.
Cumprimentos
MªS.José
Boa noite
"É uma pena que um post que fala de uma grande generosidade tenha sido utilizado desta forma"
Também eu o lamento profundamente.
Tão simples e tão belo o gesto do Carlos.
Sabe eu também gosto de agir desta forma, já esqueci propositadamente um livro no banco do jardim, e já mandei entregar flores sem remetente, também um bolo a uma senhora idosa no dia do aniversário e por aí fora... para muita gente estes gestos serão uma loucura, para outros indicios de uma doença mental, para mim são apenas gestos desprovidos de qualquer intenção, com um único intuito, colocar um sorriso nos lábios de quem recebe e na mente a certeza de que haverá sempre alguém que lhes quer bem.
Força.
Como gosto dos seus comentáros!...
É pena que as pessoas sejam tão terra a trra. O espíritual na vida de muita gente não diz nada.
Ana, obrigado pela tua resposta. Assim ficamos todos esclarecidos e sem mal entendidos (eu recordo essa da senhora dos porcos, lembro! mas nem toda a gente se lembraria ou associaria). Talvez tivesse faltado uma melhor clarificação do teu comentário nessa ocasião (e eu so me senti algo atingido quando insinuaste ter sido eu a responder-te).
Por mim está-se bem, como se costuma dizer. Não acho necessário apagar os comentários. Aliás, depois do que disseste neste ultimo comentário, faz muito sentido eles ficarem. Eu fico inclusive mais bem disposto, porque o importante não são as quesílias que criamos, mas a sua solução, e ela está aqui á vista.
Anónimo de 30 Janeiro, 2014 22:00
que bonitos gestos os teus tb...
a todos os comentadores que têm dito coisas bonitas, sobretudo do Carlos, obrigado
Por acaso já alguém pensou que se calhar o Carlos ficou mais feliz por ter podido dar ao Sr. padre aquelas batatas, que ele próprio tratou, pois foi uma forma, se calhar de tentar "retribuir" e ser útil, com aquilo que pode!
Como já foi dito aqui,num outro post, ele também já "ofereceu" lenha para a lareira...
Eu penso que estes gestos, são muito nobres, é pena que as pessoas deturpem, ou tentem deturpar, pois as coisas que vêm do coração, como esta atitude do Carlos, para algumas pessoas são difíceis de entender, pois tem que se ter alguma coisa diferente dentro de si...
Fiquei triste que um post com tão bela atitude, tenha tido respostas destas... enfim, cada um lá sabe, mas se calhar o sr. padre tem que ver melhor as respostas antes de as publicar.
Mas não se preocupe sr. padre, pode continuar a escrever, pois a riqueza destes textos, fazem bem.
Bjs
MM
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