terça-feira, abril 13, 2010

O Américo

O Américo é um homem discreto. Veste discreto. Vive discreto. Na missa senta-se nos primeiros bancos, de preferência na ponta virada para o corredor. Tem quase sempre o rosto levantado na direcção do que se passa. Os seus olhos acompanham os meus movimentos. Pode dizer-se que arregala todas as minhas palavras. Mas é discreto.
Há dias fez-se peregrino para Fátima, juntamente com outros paroquianos e paróquias e eu. Eu integrei-me, com o meu ministério, nas celebrações. Ele, com o ministério dele. Às páginas tantas somos convidados e encaminhados em procissão da capelinha das Aparições para a Igreja da Santíssima Trindade. Padres em fila, por dentro. Restantes fiéis, por fora, a acompanhar. Os padres eram o centro das atenções, logo a seguir à imagem da Senhora. Só o branco dela se impunha sobre o branco das nossas alvas e estolas.
Qual não é o meu espanto, quando, no meio de todo aquele cortejo, o Américo se aproxima de mim. Agacha-se para pegar nas bainhas das minhas calças, que entretanto se haviam descosido e estavam agora debaixo do sapato, a arrastar e a descompor a minha bela compostura. Pega nelas para as compor. Eu estático, a olhar para ele. Envergonhado. Dizia-lhe que estávamos a interromper o cortejo. Que toda a gente olhava para nós. Ele impávido, apenas afirmou. O senhor estava desarranjado e era o que me faltava que o nosso padre não andasse arranjado. Compôs a bainha e saiu da fila. Continuámos os dois, eu na minha e ele na dele. Entrei na Santíssima Trindade a sorrir. Se antes escondia o rosto com vergonha, agora levantava-o com orgulho nos meus. Afinal na paróquia somos comunidade. Uns para os outros.

9 comentários:

Anónimo disse...

Gostei deste Américo.
Ás vezes pergunta-se: quem veste de branco?
A resposta, essa, só Deus a sabe.

F

Idalina disse...

Feliz o padre que se sente em comunidade, na ou nas paróquias onde se encontra.

concha disse...

Percebi que mesmo que uma comunidade tenha um só Américo, isso pode fazer toda a diferença.Sem dúvida um incentivo a que cada um assuma o seu dever, independentemente de todos os outros que não o fazem.
Também gostei deste Américo.
Um abraço para todos

D. R. disse...

:) Excelente...

Simplesmente, sem palavras.

Anónimo disse...

Boa tarde, é engraçado ver a sensibilidade e harmonia que existe entre o Sr. padre e os seus paroquianos.

Parabéns pelo seu trabalho

laureana silva disse...

Belo texto Sr. Padre como sempre. Com algo de hilariante, na verdade só a si... mas tem muito bons paroquianos sim senhor, cuidadosos do seu pároco, só mostra que gostam de si.
Abraço fraterno
Maria

Anónimo disse...

Coisas pequenas que tornam a vida mais bonita:)

Bj

Anónimo disse...

Eu agradeço a Deus todos os "Américos" que procuram, no serviço desinteressado, cuidar do Padre, mesmo com o risco do seu nome ser posto em causa

Anónimo disse...

Disseram-me que um padre católico, pretende adotar uma criança. Será isso possível? A Igreja não se opõe a este facto?
Gostava que falasse deste tema e me esclarece-se.