quarta-feira, outubro 03, 2007

O lado de cá e o lado de lá da janela

Ultimamente tenho aprendido muita coisa. Afinal, um homem está sempre a aprender! Quando era seminarista, não entendia porque muitos padres se refugiavam no seu cantinho. Não davam améns a ninguém. Tornavam-se frios e distantes. Apareciam como quem tem toda a autoridade. Como a última palavra na paróquia. Apareciam como os donos do sagrado. Se por ventura comiam fora de casa, que fosse com gente que podia interessar. Achava que era um erro. Tinham de ser gente sofrida. Gente sem braços para amar. Só para o serviço e o zelo pastoral. Pensava eu que não devia ser nada saudável ficar por detrás de uma janela, fechada, a olhar para lá das nossas paredes. Hoje, fazendo a experiência, continuo a sentir que as janelas foram feitas para abrirem. E que as portas se inventaram para se poder sair e entrar consoante as necessidades. Mas, e há sempre um mas. Nem que seja para entender a perspectiva do outro. Mas a chuva cai lá fora. E molha. O sol bate fortemente e não se suporta. O vento agita como se nos arrastasse. Pode vir um carro e atropelar-nos. Não sei. Deste lado da janela não tenho de ouvir desaforos, faltas de compreensão. Não me sujeito tanto. Posso falar sozinho que ninguém me interpreta mal. Não tenho de ser ofendido. Não tenho de escutar o que dizem por lá das coisas que faço ou devia fazer ou entendem que devia ser. É mais esquisito, mas não dói tanto esta cruz. E pergunta um penitente. Porque dizes isso hoje? E respondo. Porque não consigo viver sem me dar realmente, sem sentir os outros, sem amar o próximo, sem conversar, conviver, brincar, rir com os outros, aproximar-me de quem precisa ou quem preciso, estar com os outros, ser eu próprio. Ser o padre, o amigo, o homem, o Cristo… O padre é apenas um padre. Mas é mais fácil fazer como aqueles que avistavam o mundo do lado de cá da janela. É esta a minha oração de hoje.

43 comentários:

Anónimo disse...

Oração, de um verdadeiro Padre... rezo consigo. Que Deus o ajude.
Ln

Elsa Sequeira disse...

Que continues sempre do lado de cá da janela...é deste lado que todos precisam de ti!

O Carlos Miguel tem apenas 4 meses e está a lutar pela vida, precisa de um transplante de medula óssea, que todos os que puderem ajudar que ajudem, é urgente, os que não podem que rezem!
http://eu-estou-aki.blogspot.com

Anónimo disse...

Não te conheço pessoalmente, moro num outro país, sou católica e conheci e conheço muitos padres ... Posso te garantir que és um Padre muito especial e diferente. Gosto de seu jeito de ser, franco, aberto, disposto a ouvir, mesmo que não seja aquilo que querias ouvir... É difícil servir, é difícil viver e conviver ... Abra as janelas, veja o sol e sinta a brisa ... isso é viver!
Fátima -

Anónimo disse...

Olá Sr Padre!
"Porque não consigo viver sem me dar realmente, sem sentir os outros, sem amar o próximo, sem conversar, conviver, brincar, rir com os outros, aproximar-me de quem precisa ou quem preciso, estar com os outros, ser eu próprio. Ser o padre, o amigo, o homem, o Cristo…"
O Sr Padre é tudo isso neste blog! FORÇA!!!! Estamos aqui... precisamos de si, das suas conversas,das suas reflexões, de si Padre, de si Amigo, de si Homem, de si Cristo...
Rezo!
Um abraço em Cristo

Al Cardoso disse...

Tambem nessa area; "no meio deve estar a virtude", "nem tanto ao mar nem tanto a terra" ja dizem os antigos!

Um abraco d'Algodres.

Paulo disse...

Nem todos são assim como tu, que abres a janela ou a porta a quem passa, eu próprio, admito (mero leigo) por vezes não abro a porta ou a janela como Tu.

Alma peregrina disse...

Todos nós estamos do lado de cá de uma janela. Afinal, o nosso Eu é sempre aquilo que nos impede de ser tudo com os outros (e graças a Deus, senão não existiria individualidade).

O que é preciso é que, do lado de dentro das nossas janelas, esteja sempre um ambiente acolhedor e feliz do nosso lar.

Mas também é importante que as nossas janelas estejam sempre abertas, para que possamos conversar e ser solidários com os nossos vizinhos.

Todavia, o Confessionário abraçou a vida totalmente oferecida a Deus. Ou seja, o Confessionário é que está a viver no mundo real, experimentando a Verdade, percorrendo o Caminho. O sr. padre não tem um lar per se, tem o Mundo todo. E não tem janelas nesse lar, a não ser todas as janelas dos seus paroquianos e o Céu (que é a janela de Deus).

O Confessionário anda pelas ruas, a abrir as janelas dos outros aos outros e a aquecer o lar de todo e cada um com Jesus Sacramentado.

Continue o bom trabalho!

Anónimo disse...

oi confessionario, por acaso não estás a pensar fechar a janelita, vê lá! Olha que eu vou aí e abro as janelas todas! Bem sabes que se não fosses assim como és, metade das coisas não funcionavam, rezo contigo a tua Oração, mas para te fortalecer, assim tal e qual como tu és, se fosses diferente não terias graça nenhuma, serías mais um bibelot para ficar na estante, ou atrás da janela, citando-te.
Vá! Quero ouvir essas gargalhadas (depois da Oração, claro!)

beijos
mariana

Diogo disse...

Sr. Padre,

Aplaudo a sua atitude de abertura para o mundo e a vida.

Mas gostaria de lhe colocar uma questão:

Sabendo Deus, quando criou o mundo, que milhões de pessoas iriam sofrer horrores de toda a espécie e morrer de formas indizíveis, porque criou Deus o mundo assim? Toda esta barbaridade, todo este sofrimento inútil, não é ele uma criação de Deus? Um Ser que já sabia à partida tudo o que se iria passar?

Confessionário disse...

Ele não poderia criar o mundo perfeito. Não seria mundo! Seria Deus. E mais, concedeu liberdade ao homem e ao mundo. Saberia que isso podia acontecer... mas um valor maior se levantava! Imagina quando decides fazer algo doloroso para conseguir alcançar outra coisa maior...
Um abraço, Diogo

Diogo disse...

Caro Confessionário,

«Ele não poderia criar o mundo perfeito. Não seria mundo! Seria Deus»

Então criou um mundo imperfeito? Com dor, com infelicidade, com crueldades sem fim?


«Saberia que isso podia acontecer... »

Ele não saberia que isso podia acontecer. Deus sabe tudo. Deus tinha a certeza que isso ia acontecer.


«mas um valor maior se levantava»

O quê? Deus escolheu um mundo com infelicidade, com sofrimento e com morte. Podia ter escolhido outra coisa. Que valor mais alto se levanta? Esse valor não podia existir num mundo sem tanto sofrimento?

Um abraço

Anónimo disse...

E que linda oração! Assim se vêm as verdadeiras vocações...
Perdoem-me a barbaridade que se calhar vou dizer, a termo de comparação, mas admiro mais a vivência da fé de Madre Teresa de Calcutá do que a da Irmã Lúcia. Madre Teresa não fugiu do mundo. O mundo é que acabaria rendido ao seu apelo de ajudar o mais pobre dos pobres e foi incansável na difusão da palavra de alento e de confiança em Deus.Ignorância minha ou que obra deixou irmã Lúcia? Não estaria ela do lado de dentro da janela? Amigo padre, não nos retires o teu sorriso e dá-nos a tua paz.
Filó

Dad disse...

Belíssima oração, Confessionário!

Parabéns por estares de bem contigo e com o mundo!

Se todos estivessemos nesse estado de abertura para connosco e para com os outros, o mundo seria, certamente, muito mais bonito!

Um beijinho e óptimos dias, sempre assim!

Confessionário disse...

Sim, amigo Diogo, criou-o para ter consciência das sua limitações e assumir-se como um ser que precisa de outros seres. O homem não pode ser autónomo. Perdia-se.

... e as crueldades sem fim vêm do homem, e não de Deus!

Deus tinha a certeza ue isso podia acontecer, porque sabia de que barro era feito o homem. Porém, isso não O faz deixar e o amar tanto como ama, mesmo no meio das crueldades e imperfeições. Este Deus é muito grande mesmo!

O valor mais alto é o da glória da cruz. Pensa no que fez a cruz de Jesus e perceberás o que pode fazer a cruz de cada um. Sugiro que leias alguns posts atrás, onde este assunto já esteve em discussão e onde se pode perceber como a fragilidade e o sofrimento podem ser o sinal mais da nossa vitória...

Um abraço, amigo.

Diogo disse...

«Deus tinha a certeza que isso podia acontecer, porque sabia de que barro era feito o homem»

Evidentemente que sabia. Pois foi Ele que o criou assim.

Deus criou um ser capaz de todas as atrocidades. E Deus sabia (com todos os pormenores) que o homem ia cometer essas atrocidades. E, no entanto, criou-o, e, portanto, criou as atrocidades.


«se pode perceber como a fragilidade e o sofrimento podem ser o sinal mais da nossa vitória»

Mas para quê o sofrimento padre? Li há dias num jornal que uma jovem mexicana de 13 anos tinha sido violada e depois assassinada. Na autópsia descobriram que a jovem tinha tido dois ataques cardíacos de terror. A quem aproveita o terrível sofrimento desta inocente? Que vitória foi esta padre?

Um abraço

Anónimo disse...

Para mim, a cruz divina é de tal ordem e natureza, que todas as cruzes humanas são ofuscadas por ela (as assumidas com veracidade tornam-se nela). Se forem subsidiarizadas nessa cruz tão graciosa quanto tremenda, são nela convertidas, e à semelhança dela transformam-se em oferta a Deus(humana, por oposição à divina que é o Exemplo e a Ordem), este sendo a Fonte da água pura e da luz. E mais: a Cruz divina é de tal ordem inumana ou verdadeiramente humana, que a própria divindade a apresentou àquele imperador como fonte da vitória dele («In hoc signo vinces»). E fez isso livre e gratuitamente (e cumpriu conforme disse, tendo o imperador observado a ordem).

Maria João disse...

Força! Rezo por ti!

beijos em Cristo

Elsa Sequeira disse...

passo para te convidar para celebrar comigo o 1º aniversário do - Eu estou Aki - ...pois, já se passou um ano...sei que hoje é um dia de alguma tristeza para ti, mas também sei que és forte!
Força!

beijinhos!

Alma peregrina disse...

Cara Filó:
A Irmã Lúcia deixou obra, tal como todas as irmãs que vivem em reclusão... e tal como a Madre Teresa de Calcutá e todas as irmãs que fazem da solidariedade social a sua obra.

Acho a sua concepção um pouco materialista…

Para já a irmã Lúcia foi a mediadora, com os outros pastorinhos, de uma série de aparições de Nossa Senhora, que revolucionou completamente o nosso país e cujo impacto ainda hoje se sente. Ao criar um núcleo de fé em Portugal, os pastorinhos permitiram uma certa renovação católica portuguesa que, sem dúvida, ajudaram as obras de solidariedade social a alargar o seu campo de acção…

Mas, mesmo que tal não tivesse sucedido, restava ainda a sua vocação ao Carmelo. Ora, o Carmelo e as ordens de reclusão são fontes fervorosas de oração, que também são caridade.

Em particular, as carmelitas rezam pelas almas do Purgatório. Devo relembrá-la que, antes de aceder à glória beatífica de Deus, a minha cara amiga vai ter que ser julgada. De um lado está uma condenação eterna, do outro estará a felicidade eterna… e a eternidade é muito tempo (aliás é todo o Tempo).
Uma esmola não serve para nada a estas almas.

Mesmo que a Filó não acredite que isto seja suficiente ou verdadeiro, as carmelitas (e as reclusas em geral) rezam também por todos os que sofrem no mundo. E também pelas pessoas que ainda não se converteram e que continuam a ignorar o maravilhoso sacrifício que Jesus fez na Cruz e, muitas vezes até, a insultá-lo e a gozá-lo…

Não existe só pobreza material, existe também a pobreza espiritual. E a esmola para esta pobreza espiritual é a oração…

É sabido que o Homem, só, não atinge a virtude. Sem a Lei de Moisés, os homens construíram civilização guerreiras e corruptas como a dos babilónios e a dos romanos. Com a Lei de Moisés originaram uma sociedade farisaica e hipócrita. Foi preciso que Deus encarnasse num homem para que a Humanidade compreendesse finalmente as verdadeiras definições de Amor, Virtude, Liberdade, Poder e Dignidade Humana.

Sem Deus estas almas nunca sairão do pecado… as orações tentam trazer Deus para mais perto delas, ou trazê-las para mais perto de Deus… quantas pessoas não terão encontrado Cristo graças às orações destas irmãs…

Este debate faz lembrar o motivo concreto das aparições de Fátima…

No século XIX o filósofo Marx achou que todos os problemas do mundo se resolveriam com uma distribuição equitativa de recursos e que assim encontraríamos o Paraíso na Terra. Ao mesmo tempo afirmou que a “religião é o ópio do povo” e rejeitou a moralidade, assumindo-a como relativa e “criada” pelos homens.

As suas teorias adquiriram um grande número de adeptos, até que, nos princípios do século XX, surgiram os primeiros regimes (sobretudo na Rússia) que aplicavam completamente os ideais marxistas à sua gestão política.

Foi neste contexto que começaram as aparições, em que a Virgem Santa Maria nos avisava que a “Rússia irá espalhar os seus erros pelo Mundo e moverá perseguições ao Santo Padre e à Igreja”.

De facto, o que sucedeu?

O Paraíso na Terra não surgiu. Por vários motivos. Mas eu penso que o fundamental foi o seguinte: sem Deus, nem moralidade, a pobreza espiritual espalhou-se, desde as classes dirigentes até às classes operárias. Com a pobreza espiritual perde-se tudo o que Deus (a verdadeira riqueza) nos ensinou. Sem Amor, os ditadores deixaram de se interessar pelo bem dos seus subordinados. Sem Virtude, tudo se lhes tornou permitido, semeando assim a corrupção e a licenciosidade. Deste modo, o cargo político serviu apenas para ganhar Poder o qual, para ser mantido, obrigou a intensas repressões da Liberdade. Finalmente, sem Dignidade Humana, os indivíduos deixam de existir e convertem-se em massas manipuláveis e os mortos tornam-se “estatísticas”.

E depois veio a pobreza material desses países. A miséria era tanta que nenhuma organização de solidariedade poderia socorrer todos os pobres que morriam esfomeados e doentes pelas ruas. Na verdade essas organizações nem deveriam existir pois era necessário alimentar a ilusão que se estava a viver no Paraíso.

Então o Papa João Paulo II seguiu as recomendações de Nossa Senhora de Fátima por intermédio da Irmã Lúcia e consagrou a Rússia ao seu Sagrado Coração. Anos mais tarde o Muro de Berlim caiu e foi possível perceber a quantidade de pobreza que havia do outro lado da Cortina de Ferro. Muitas pessoas vêem neste acto puramente espiritual de consagração a aproximação entre Deus e os homens que nos deu a força para derrubar os erros de meio mundo.

Portanto, eis a obra da Irmã Lúcia. Ela e as suas irmãs não fugiram do Mundo. Simplesmente foram combater noutra frente…

Claro que eu não desfaço a obra de Madre Teresa de Calcutá. As obras de solidariedade social são extremamente necessárias e Jesus Cristo ordenou-nos que ajudássemos os pobres. Não pode existir só oração, também é preciso acção…

Mas acho que estamos a cair nos erros do passado. Nos séculos XVII-XVIII achava-se que apenas a oração era válida e que toda a acção caritativa era um trabalho secundário e, segundo alguns, até dispensável…
Hoje temos uma concepção extremada no pólo oposto e, logo, igualmente errada.

Quando vamos perceber que no meio está a virtude? Que todas as vocações são igualmente necessárias? Não podemos compará-las… são diferentes. Todos os caminhos são válidos para chegar a Deus, menos o caminho do pecado.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Faço minhas as suas palavras: "não consigo viver sem me dar realmente, sem sentir os outros, sem amar o próximo, sem conversar, conviver, brincar, rir com os outros, aproximar-me de quem precisa ou quem preciso, estar com os outros, ser eu próprio." Convenhamos que nem sempre é fácil. E às vezes é preciso encostar a porta ou fecha-la mesmo a sete chaves. Mas gosto de relações horizontais e gosto de quem as cultiva. Nunca percebi a arrogância de alguns padres nem o modo como conseguem articular a humildade que colocam no discurso com a altivez e falta de caridade que expressam nas atitudes e nos gestos... Já lhe falei disto, um dia. Lembra-se? A explicação que aqui trouxe não me surpreende mas deixa-me triste baralhada...
Vá lá, Padre, tente não passar para o lado de dentro. Precisamos de si cá fora.
Bjs

Confessionário disse...

Digo, ninguém concorda com o mal e o sofrimento no mundo. Nem Deus concorda. Mas revê bem o que escreveste. Sê imparcial na leitura. Descobre depois se o que te respondi atrás tem sentido ou não. Percebe o livre arbítrio do homem, as consequências disso e a aglutinação de Deus connosco através da Cruz de Jesus. Depois pensa de novo...

Eu apenas posso ajudar... a resposta tens de a encontrar tu. Se não vamos estar aqui a falar às cegas. Tu a arranjar mais argumentos e eu tb. um abraço

Confessionário disse...

No comentário atrás, esqueci de escrever (ando sempre nas pressas) um "O" na palavra inicial. Onde digo "digo" queria dizer "Diogo". hehe

Ni disse...

Viva da maneira que é... e seja à medida de ser feliz.
Faça da janela não a fronteira, mas a linha ténue de quem vê o lado de cá e de lá, e "pára" onde a paisagem completa melhor o momento.

Diogo disse...

«Diogo, ninguém concorda com o mal e o sofrimento no mundo. Nem Deus concorda.»

Deus, porque tudo sabe, já sabia de todo o mal e de todo o sofrimento que o mundo iria padecer quando criou o universo. Então porque o criou assim?

O homem tem o livre arbítrio, mas Deus sabe, desde o princípio dos tempos, qual vai ser a sua escolha.

O meu filho detesta cebola. Mas adora mousse de chocolate. Se numa mesa lhe derem a escolher entre a mousse e a cebola, eu apostava que ele escolhia a mousse. Mas eu não sou Deus. Eu nunca poderia ter a certeza absoluta da sua escolha. Mas Deus pode.

Anónimo disse...

Um comentário ao Diogo.

Quando Deus cria um ser humano, cria-o potencialmente perfeito, por duas razões: cria um ser inteligente e portanto cujo destino é ser permanentemente melhor (o que não se aplica as animais porque eles são espécies e não indivíduos humanos), e não Se duplica porque neste caso não teria criado um ser humano mas um deus. Portanto, um ser humano (e a lógica assume que todos eles têm a mesma origem) é criado com a característica fundamental de escolher em consciência, porque nem é irresponsável como um animal (digo isto objectivamente e relativamente à espécia humana, que é feita de verdadeiros e não relativos indivíduos) nem é absolutamente verdadeiro (Deus é que é e portanto, no 'tempo' peculiar da actividade dEle que não tem nada a ver com nosso, Ele determina com infalibilidade de veracidade e portanto de rigor, justiça, direito, bem, graça, etc.; a propósito disto, convém notar que Ele é de tal maneira concentrado [uma vez que não está sujeito ao tempo nem portanto ao espaço] que aquilo de que ele é origem, que é Ele mesmo, é continuamente dispensado por ele como a luz pelo sol, e que portanto Ele não pode exprimir-Se de mais do que uma forma porque isso exigiria Ele mudar-Se em alguma razão, e isto é-lhe por definição e por natureza impossível; logo, todas as coisas que não são bens dEle não podem ter origem nEle, também razão pela qual Ele não pode fazer o homem senão originalmente inocente [mas obviamente tem que o fazer incipiente do conhecimento ou consciência divinos, se não estiver a fazer um deus]).

Então agora é assim: o género humano é como um mar (porque tal abstracção é tão verdadeira quanto as respectivas instâncias são reais, coisa que é precisamente característica do género humano e da qual outro deste planeta é incapaz), e as respectivas instâncias (aquilo que chamamos "pessoas") são como peixes desse mar; se um peixe sofre é porque a água que ele respira tem um poluente qualquer; então, a água é purificada de duas maneiras: o peixe consome a água que tem poluente com as respectivas consequências, ou quaisquer peixes (o que pode incluir esse peixe) se esforçam por conseguir reconverter a água ao seu estado original. (Uma nota: todos sabemos o quanto os crimes humanos, que note-se o são porque são realmente humanos, têm o muito infeliz dom de suscitar compaixão nos seres humanos, quando não suscitam o ódio que neles vive. Outra nota: porque não existe duas "águas puras" i.e. dois tipos diferentes que designem a mesma noção de "substância não poluída", os peixes só possuem a via de purificação dela que é própria a cada um especificamente, o que significa que por mais meios de que eles disponham para isso, tais meios são exclusivamente um utensílio que eles exercem, e eles continuam a ser os rigorosos responsáveis por essa purificação.)

Portanto, a vitória de que duvidas é esta: a renovação de cada pessoa e de todas elas. Porque esta palavra não te deve ser familiar num contexto destes, explico-me que esta renovação significa isto: um re-reconhecimento de si próprio, isto é, uma reforma que uma pessoa faz de um ser que é para um novo que há-de ser ou que deve vir a ser (esta novidade ou novo ser é explicada pelo facto de a pessoa humana ter por definição a capacidade de inteligir melhor em vez de inteligir de uma forma diferente ou de inteligir coisas diferentes, mais ou menos como o cérebro tem a capacidade de vir a entender álgebra sem no entanto ser formado capaz de exercer tal capacidade).

Quanto àquilo tão usado nos lábios das pessoas, a Cruz de Cristo ou Cruz Divina, é muito simples: tal coisa é a beneficiação (contínua porque a origem é perene, mas bloqueada pelo tempo e o espaço e por conseguinte pelo próprio corpo humano e consequentemente também pela própria actividade ideativa que é natural dele), pelo Ser Divino (um Ser original, como é exigido pela criação do ser humano como verdadeiramente humano), do ser criado, a qual consiste numa "trespassação" ou "ferimento" do ser que é essa fonte ou origem, simplesmente porque nesse processo Ele tem que ser degradado até ao nível da criatura que Ele não é, coisa da qual só Ele é capaz e que é uma graça porque no entanto é feita por ele tão livremente quanto Ele é impassível de ser degradado nEle mesmo. Tal beneficiação pode ser entendida também como herança no sentido de que é dispensação do ser original ao ser semelhante a ele. Então como se explica que esse acto tão gracioso de Deus seja uma cruz dele? É porque não é cruz nEle mas no género humano precisamente. Eis porque é que a renovação ou regeneração da criatura é um sacrifício para Deus, e também porque é que ela abstrai ou converte consigo o sofrimento humano e a felicidade humana. Ele não é cruz ou sacrifício, mas sim sujeitando-Se a ser diferente dEle mesmo (i.e. a ser humano), como os homens se sujeitam a um mundo por definição menos humano do que eles (aliás não propriamente humano sequer), Ele renova os seres que são diferentes dEle, precisamente como as pessoas que são vítimas de coisas más catalizam essa mesma maldade. Por exemplo, eu converto (m.q. reconverto) o assalto de que sou vítima e a impiedade ou injustiça que suponho caracterizarem o assaltante, se eu assumir essa experiência tão humanamente quanto fui livremente sujeito a ela, isto é, se eu resistir à impiedade ou injustiça ou maldade que essa experiência comportou para mim, caracterizando-me a mim com o rigor com que um ser humano deve ser definido (por exemplo, se eu me abstiver de agredir ou ofender o assaltante, eu estou a definir-me a mim próprio como digno e justo). E também converto o assalto do meu semelhante da mesma forma: abstendo-me de odiar e de degradar seja de que forma for, e além disso (porque o ser humano por natureza exige um estímulo que justifique os seus comportamentos) inteligindo sim o direito que esse assalto perverte, e observando este direito (isto, como eu já disse, não significa acusar nem julgar nem condenar). Agora tu perguntas: Que razão existe para converter o mal em bem? É simples: a minha intelecção ser progressivamente melhor (se eu não achar que tenho coisas mais auto-gratificantes para fazer).

A observação que eu faço de ti é esta: tu projectas as tuas próprias dúvidas nas coisas de que duvidas (que interrogas), isto é, explicas as coisas que não compreendes, através dessa mesma incompreensão. Por isso dizes coisas como isto: como pode ser aquela coisa, se ela não tem explicação para mim? E coisas erradas como: Deus decerto fez o homem pervertido como ele é. Mas tu sabes que Ele fez o homem imperfeito, não perverso. Mas aquilo que tu consegues é bom: interrogas-te sobre a razão de coisas que não compreendes. Cá para mim, acho que isto é melhor do que fazer windsurf...

Eu sei que usar imagens e comparações é aceitar a possibilidade de fracasso, mas espero que possas compreender algo no que eu escrevi aqui (podes omitir os parênteses, eu sei que isso pode dar jeito eheh). Senão, só posso ter pena de não ter podido falar contigo, mas sempre pode ficar para outra altura.

Obrigado e um abraço
(e um beijinho, se tu fores gay) estou a parodiar-me, não me leves a mal a brincadeira!!!

Anónimo disse...

Outro comentário ao Diogo (é que eu ainda não tinha lido o último dele):

Deus sabe Tudo, mas não criou o universo mau. O homem é que é a origem do mal. E digo mais outra coisa: Ele de tal maneira sabe o bem, que eu não acredito que Ele saiba o mal nem que saiba os erros e enganos que os seres humanos fizeram, fazem ou hão-de fazer; para mim, Ele tem mais com que Se preocupar do que com a liberdadezinha selvagem das criaturas a que as mesmas chamam livre-arbítrio e que consiste em ser capaz de determinar sem nenhuma razão prévia absolutamente determinante (como acontece com os animais).

Quanto ao teu filho, o que interessa que Deus saiba a escolha que ele vai fazer àquela mesa? Isso não o condiciona em nada, por mais que tu apostes este mundo e o outro.

Anónimo disse...

Olha esqueci-me de uma cortesia:

Dá um beijinho ao teu filho por mim, pode ser? Aposto que ele é um miúdo fantástico como pai!

Anónimo disse...

Realmente é horrivel ouvirmos desaforos e sermos ofendidos, sobretudo quando temos a certeza de que são injustos.Doi e muito... Mas Jesus tambem os sofreu e isso deve dar-nos força para seguir em frente.
Gostava muito de ter um padre assim, amigo, compreensivo, capaz de ouvir e ajudar.
Infelizmente o da minha freguesia é só teoria...
Que Deus o abençoe
Uma alma triste

Anónimo disse...

Querido anónimo, sim, tens razão. E sabes qual é a força de Jesus? É a da verdade de tudo aquilo que Ele pensou e a verdade com fez tudo aquilo que fez (uma verdade de tal forma original, que o fez a ele próprio instrumento dela, conforme explicam os mistérios do Rosário [por exemplo, Ele não foi encontrado no Templo por acaso mas porque Deus quis que Ele fosse e ficasse lá e fosse lá encontrado, o que é um mistério porque é explicado por alguma verdade divina não ostensiva como o próprio acontecimento]).

Assim, vês que a impiedade ou injustiça fazem sofrer quem é sujeito a elas, mas não a veracidade de quem é sujeito a elas. Por isso, muitas vezes sofremos porque a veracidade que somos é tocada por essas impiedades dos nossos semelhantes (não porque estes nos fazem mal, aliás nem sabem como são definidas a coisas que fazem; se soubessem, o criminoso não cometeria crimes mas sim faria pedidos).

Conclusão: Podes morrer por causa da impiedade dos semelhantes, mas não a verdade que vive em ti. Precisamente do que o teu Jesus foi Exemplo. E tal Exemplo diz-te: Vive a verdade que és e não a impiedade que os teus semelhantes são. Não vês nisto a expressão da própria força da milagrosa e graciosa ressurreição dEle, a novidade de todas as novidades?

Anónimo disse...

Eh pah há algum tempo que eu não ouvia algo tão divertido como um paroquiano dizer: Deus abençoe o meu padre, que ele bem precisa.

Anónimo disse...

Olá!

" O padre é apenas o padre"

Não é bem assim. Há cerca de dois meses atraz o paraco da minha terra avisou que ia sair da paroquia, e que queria fazer um jantar para os amigos mais chegados de todas as paroquias. Juntamos um pequeno grupo e lá fomos nos para a paroquia onde ele vivia.Entre febras e cerveja, comemos, cantamos e tambem rezamos(isencialmente por esta nova etapa da sua vida).
Quinze dias depois , nós os jovens voltamonos a encontrar para outra despedida, um amigo ia para o Kosovo.As febras e a cerveja tambem lá estava, assim como a musica e a oração.
Vivo numa aldeia, no interior. Conheço e compreendo muitas vezes a mentalidade que por aqui existe. Muitas pessoas criticaram a festa de despedida do Padre, não era necessário,"os padres vão e vêem". Toda a gente gostou da festa de despedida do Jovem que ia para o Kosovo.
E agora pergunto? Será que existe assim tanta diferença de opiniões nestes dois momentos?
Que diferença existe entre o padre e o jovem?

O que é que temos de fazer para modar esta mentalidade? E será que temos força para a fazer modar?

Ficar de dentro da janela? Ou ficar cá fora?

Um abraço


Alexandra

Anónimo disse...

Comentário à Alexandra.

Tenho a certeza de que podem ser ditas muitas coisas, mas até por isso mesmo vou dizer isto...

Não existe muita diferença entre o padre e o jovem, porque no jantar em honra ao padre aqueles que o amam celebravam o serviço que ele fez (e comungaram pelo serviço no qual tinham esperança), e no jantar em honra ao jovem aqueles que o amam celebravam o serviço que ele ia fazer (e comungaram pela preservação daquele em quem assim depositaram esperança). Podem ser celebradas coisas parecidas mas distintas, e em qualquer dos casos trata-se de uma celebração. O que não faz sentido é abstrair os dois casos no "guarda-chuva" da celebração, porque isto é ver neles uma confraternização dos gozos de quem participa (o que é uma visão errada dessa participação e portanto daquilo mesmo em que os participantes participaram; a causa primeira de cada celebração é a dignidade de cada celebrado, e esta obviamente não é comum aos dois).

Anónimo disse...

Mais uma coisa: a diferença de opinião das pessoas explica-se peleo facto de no caso do jovem a forç motriz da celebração ser o desejo de que ele regressasse, uma vez que ele ia 'batalhar' enquanto que o padre ia 'mudar'.

Anónimo disse...

Olá!

O "meu" padre tomou o partido de viver do lado de cá da janela.Quiz conversar, rir, conviver, agradecer os dias,os meses os anos passados connosco. Mas o vento e a chuva fizeram com que ele hesita-se. Mas estou em crer que não é uma rabanada deste vento que o vai fazer mudar de rumo.
Quem fez esses comentarios esqueceu-se dele nos dias seguintes.
Nós, os amigos, ficamos com a lembrança de um momento unico. Quando na festa de despedida nos disse estas palavras: "obrigado por me terens ajudado a crescer. Vim directamente do seminario para aqui. Não sabia, e não conhecia esta vivencia de paroquia. Fiz-me padre e cresci como homem." As lagrimas apareceram nos seus olhos. Vimos o padre e esencialmente vimos o homem.

"A vida não se mede pelo numero de vezes que respiramos, mas pelos momentos em que ficamos sem fôlego"

E este foi um deles.


Um abraço.
Alexandra

Anónimo disse...

obrigado Nuno Alexandre pelo teu comentario ao meu desabafo e pela força que dele posso tirar.

Um abraço em Cristo

Uma alma triste

Alma peregrina disse...

Caro Diogo:
Caro Diogo:
Se me permite, gostaria de introduzir ainda mais uns elementos nesta conversa...

Deus não criou um mundo imperfeito... Deus criou um mundo livre. O problema que advém da liberdade é que existe sempre alguém que a usa mal, sejam anjos sejam homens.

Ante isto, Deus teria 3 opções:
1) Criava um mundo cheio de autómatos que o serviriam sem livre arbítrio e então tudo seria perfeito...
2) Não criava o mundo de todo...
3) Criava o mundo livre, embora tal fosse redundar na imperfeição e no sofrimento.

A opção 1) seria a opção de um Deus déspota e tirano, preocupado mais em satisfazer os seus apetites do que com as suas criaturas. Penso que o Diogo deverá estar grato a Deus por Ele o ter criado com a capacidade de pensar e escolher o seu próprio caminho.

A opção 2) seria a de um Deus sem ética. É um pouco como o que poderá suceder com as bases de dados genéticas. Nós sabemos que um indivíduo tem a priori uma grande tendência genética para cometer crimes. Podemos prendê-lo com o objectivo de impedi-lo de cometer crimes de uma forma preventiva?
Não. Porque só podemos castigar quem já cometeu crimes. Não podemos prender ninguém com base em especulações.
Deus poderia não ter criado o Mundo, prevendo o nosso sofrimento e o nosso mal. Isso significaria que não nos teria dado nenhuma oportunidade! O Diogo não existiria, pura e simplesmente! E Deus dá ao Diogo e a todos nós a oportunidade de nos salvarmos e vivermos uma vida eterna e feliz ao Seu lado.
É este o valor mais alto que se levanta! O facto de, num mundo cheio de injustiça e desgraça, ser possível a Salvação de alguns!
Seria Deus capaz de castigar com a pura não-existência toda a Humanidade só porque alguns utilizam mal a sua liberdade? Que justiça seria esta, em que Deus não criaria as pessoas boas e capazes de atingir a felicidade eterna em nome dos pecadores que Ele sabia que iriam surgir?

Resta a opção 3): a de um Pai bondoso. Ele deu-nos a oportunidade porque nos criou. Criou-nos livres e não meros escravos. Criou-nos como filhos. E dá-nos uma nova oportunidade sempre que nos arrependemos dos nossos erros, porque somos imperfeitos.

Assim, o Diogo tem a capacidade de escolher livremente a via de Deus... ou não. Se escolher a via do Mal, estará a inflingir sofrimento nos outros.

Quereria o Diogo que, tendo escolhido a via do Mal, toda a Terra pagasse pelos seus erros com a pura não-existência?

Quereria o Diogo, tendo escolhido a via do Bem, não ter tido a oportunidade de existir e de se salvar, só porque outros desejam pecar?

Deus fez tudo para nos salvar. Deu-nos a Sua Lei, para que soubessemos o caminho do Bem. Encarnou Ele próprio e submeteu-se à pior morte possível para nos mostrar a Salvação. Ele não tem que receber lições de moral sobre o sofrimento porque Ele o sentiu na própria pele. Se o Homem continua a pecar, Ele nada mais pode fazer por nós! Mas a culpa não é d'Ele! É nossa!

A sua comparação com o seu filho é boa. Você deu-lhe a escolher a mousse e a cebola. Sabia que ele ia escolher a mousse... mas não foi por isso que lhe negou toda e qualquer alimentação. Não é isso que um pai faz! Penso que o que você fará é: "Se comeres a cebola, logo deixo-te comer a mousse".
Eis o sofrimento. É a nossa "cebola" para podermos, no futuro, entupir-nos de "mousse".

Cumprimentos para si e para a sua família

Anónimo disse...

Kephas, não me convenceste!...
Todos temos um potencial dentro de nós e devemos pô-lo a render, em prol do nosso semelhante. É o que Deus pede a cada um de nós...só que nem todos cumprem a sua parte com a determinação, abnegação e amor de Madre Teresa de Calcutá. Toda a vida desta mulher foi uma lindíssima oração traduzida em actos. Não ouso sequer pensar que ela não foi uma mulher orante(mesmo sem estar em clausura) apesar da frenética busca de auxílio para os desprotegidos, famintos e excluídos.
Subscrevo tudo o que disse o anónimo das 9:35 e o autor do blogue. Se assim não fizermos é como se passassemos com os bolsos cheios de moedas por um mendigo e dissessemos: Olha, não posso ajudar, mas vou rezar por ti! Achas que resulta?
Olha, a minha casa não está um esmero. Eu sei. Mas eu não consigo dedicar muito do meu tempo a "manias de limpeza" enquanto eu souber que com o meu sorriso posso fazer alguém feliz.Sinto que tenho um trabalho muito mais apelativo para fazer fora de casa.É que não dá geito nenhum andar a lavar paredes e a rezar por quem precisa...
Fica bem
Filó

Anónimo disse...

Vou dizer o que penso sobre isto, colocando a minha acha (ou quem sabe água, talvez até benta eheh) nesta fogueirinha...

O ser humano é uma espécie que não vive no mundo como os animais mas sim habita nele.

Isto significa que temos dois mundos: aquilo que a tradição cristã chama "o mundo", que é onde vivem todas as criaturas biológicas deste planeta; e aquilo que a mesma tradição chama a «casa paterna», que é o domicílio da pessoa humana (imagens disto correm como rios na Bíblia, e como Pessoas no género humano [a Civitas Dei de Sto. Agostinho, a «Ilha Perdida» de Sto. Anselmo, a «Ilha dos Amores» de Camões, etc]).

Na casa verdadeira, que é aquela que abstrai as pessoas humanas (coisa que nada deste mundo pode abstrair), pode-se fazer duas coisas: a preservação nela, que é edificar nela própria, como fazem os santos anjos e também os santos em Espírito (e isso também inclui ser origem de Verbo i.e. da verdade e justiça que chegam ao mundo, porque tais coisas têm origem ali uma vez que com esses mesmos bens o Senhor edificou esse Seu santo reino); e a restauração fora dela, que é edificar fora dela ou à imagem e semelhança dela, ou fertilizar o mundo com ela (aquilo que a Bíblia chama, na boca de Gabriel a Daniel, «edificar Jerusalém»).

Uma coisa muito importante aqui é notar que o bem do mundo abtrai essa Morada divina ou original, e o resto abstrai o mundo das criaturas biológicas (nomeadamente aquele em que vivem as humanas, como a Jerusalém dos judeus; este mundo também é muitas vezes aludido na Bíblia como «deserto» ou 'wilderness', etc). De tal forma que essa Morada ou Origem (também Destino final e eterno, pela sua própria natureza) é o padrão que distingue o seu bem de todas as outras coisas das quais não é origem (como a fonte distingue a sua água do vinho, e como o Espírito mostrou várias vezes e mandou que fosse escrito na Bíblia para testamento da Sua verdade para com os filhos dos homens, os habitantes do mundo humano tão amados por Deus [só um aparte: repare-se na relação testamento/herança]).

Conclusão: a Irmã Lúcia abstrai a presença do seu Jesus no Templo (que é uma presença purificadora, num Lugar habitado por natureza e por definição, uma vez que é feito segundo a Ordem da Pessoa que mandou que tal lugar fosse levantado), e a Irmã Teresa abstrai a doação do Seu Jesus ao mundo dos Seus filhos pobres ou pequenos. Então, temos o santo Padrão e o mesmo santo Sacrifício. Por isso a Lúcia e a Teresa só diferem no lugar em que estava o mesmo Espírito delas (numa Ele habitava a Sua casa, noutra Ele convidava os Seus amados semelhantes), que é o Espírito de Jesus. Uma mostra que o homem tem uma santa Origem e Destino, e a outra mostra que o homem deve ser Renovado. E as duas coisas são faces da mesma santa Moeda (a divina Graça).

Beijinhos

Alma peregrina disse...

Cara Filó:
Não se trata aqui de preferir rezar por outrém em vez de actuar... é que estes actos não são mutuamente exclusivos. O facto de existirem "Irmãs Lúcias" não impede que não existam "Madres Teresas de Calcutá". Como a Filó pode constatar, as duas existiram e desenvolveram a sua vocação dentro do seio da mesma Igreja. Portanto nunca um mendigo ficaria sem esmola só porque algumas irmãs se dedicam única e exclusivamente à oração.

O que se passa é que, como o Nuno Alexandre muito bem expôs, existem 2 mundos (ou antes 1 único mundo que transcende 2 dimensões) e, portanto, 2 acções possíveis. O que acontece é que a acção da Madre Teresa é visível aos nossos limitados sentidos enquanto a acção da Irmã Lúcia não é...

Você disse que não podemos dizer ao mendigo: "olha, não te posso dar a esmola, mas vou rezar por ti".
Mas pode dizer isso ao mendigo e estar a agradar a Deus.
É que você pode mesmo não lhe poder dar esmola. Você pode estar "à rasquinha" naquele mês, ter que pagar umas contas importantíssimas e pesadíssimas, pode ser uma mendiga como ele...

E então? Como não lhe pôde dar a esmola, vai ficar sem fazer nada? Acredita que rezar "não resolve nada"? Há alguém que tenha mais poder para resolver coisas do que Deus?

Ou pode efectivamente dar-lhe esmola. Pronto. Isso também não resolve nada. A esmola gasta-se e o mendigo volta para a esquina da rua. Aliás há mendigos que podem receber uma fortuna e que, ainda assim, vão sempre voltar a pedir porque estão presos a vícios, dependências ou, mesmo, pobreza de espírito. O problema com isto é que você não pode resolver essa "pobreza de espírito" com esmolas. Por muito eficazes que sejam muitos tratamentos anti-toxicodependências ou anti-alcoolismo, a verdade é que a eficácia destas terapêuticas se correlaciona (isto é factual) com a motivação do próprio.

Ou seja, muitas vezes, a saída da pobreza depende (em maior ou menor grau) da força do próprio. É orgulho e arrogância pensar que podemos alterar variáveis que não estão nas nossas mãos. Como eu já disse noutros comments, Deus criou-nos livres e não podemos interferir nessa liberdade. É o indivíduo que tem que ter força para se libertar da espiral maligna que o envolve. E a força vem única e exclusivamente de Deus.

E agora pergunto-lhe: de que serve uma esmola a uma alma do Purgatório? De que serve uma esmola a um ateu rico que tem tudo menos felicidade? De que serve uma esmola a um doente que já está a receber todos os tratamentos possíveis que a medicina lhe pode fornecer?
Se nós, como a mendiga que nada pode dar ao mendigo, nada podemos fazer pelo nosso semelhante, podemos rezar.

Não há ninguém que possa resolver mais problemas do que Deus. A Filó pode ir muito contente entregar um cheque com biliões de euros aos pobres que, se Deus não o quiser, esses dinheiro nunca chegará ao seu destino (pode ser, sei lá, atingida por um meteorito ou coisa parecida, lol). Se nada se faz sem que Deus queira, porque estamos tão confiantes que a resolução dos problemas do mundo está somente nas nossas mãos? Acho isso um pouco soberbo...

Mais uma vez, considero a obra da Madre Teresa de Calcutá de um valor inestimável! Mas não ouso compará-la com a Irmã Lúcia. Tal como não ouso comparar ninguém a ninguém. Deus deu-nos liberdade e com a liberdade vem a diversidade de vocações. Se orar não fosse uma vocação, Deus não nos teria dado esse dom.

Se a Filó tem uma vocação mais direccionada para a acção, então faça-a render... é isso que Deus nos pede, efectivamente.
Mas diga-me: e se a Filó não tivesse capacidade para fazer caridade material? Se estivesse, sei lá, entravada numa cama e não pudesse levantar-se, ir ter com os pobres ou ganhar o dinheiro necessário para uma esmola? Como se sentiria se lhe dissessem: "Você não pode fazer nada pelos outros! Você não pode fazer nada! Deixe a caridade connosco, os válidos e produtivos!" Todavia, Deus exige que TODOS façamos caridade!
Será que a nossa alma está presa ao que o corpo pode fazer? Não ficou já provado ao longo da História que o espírito humano é das matérias mais fortes do Universo? Foi o próprio Jesus que também o disse: "Pedi ao Pai e ser-vos-á concedido!"

Finalmente, 2 acções das irmãs enclausuradas que me esqueci de referir no meu comment anterior:
1) as irmãs enclausuradas também podem dar o exemplo! Quantas vezes nós, como leigos, somos incapazes de seguir a doutrina da Igreja porque não é prática ou não nos convém. Bem, estas irmãs entregam toda a sua vida... que desculpa temos nós?
2) Os mosteiros, precisamente pelo seu isolamento, constituem um retiro espiritual para muitos que desejam re-encontrar-se com Deus e consigo próprios. Isto também é caridade.

Cumprimentos

Ana Loura disse...

Amen!

Anónimo disse...

Hephas, és mais novo do que o mais novo dos meus filhos, por isso (e não tem haver com respeito) vou continuar a tratar-te por tu. Estás cheio de vigor e ainda bem. Mas...também me parece que aproveitas demasiado os motes em discussão para os desviares para o lado que te interessa. Devo ter-me explicado mal porque não percebeste o que eu pretendia. Mas não vamos tornar isto chato para que aqui vem. Só isto: eu, todos os meses ando à rasquinha...o meu marido saiu de casa e eu fiquei com os filhos e em vez de 2, só conto com o meu vencimento. Na história do mendigo não reparaste que eu falei "...com os bolsos cheios de moedas..." As moedas apenas representam o potencial que há em nós e não repartimos porque não queremos. Amigo, as minhas esmolas são espirituais, não são das que se gastam! Distribuo-as com muito amor em hospitais e lares de idosos, principalmente. E faço-o desde a minha juventude. Moedas dou algumas...mas o que eu gosto mesmo de dar é o meu coração. Fica bem
Filó

Alma peregrina disse...

OK Filó.

Limitei-me apenas a tentar defender a Irmã Lúcia. Não procuro discussões. Por mim, ainda bem que a Filó tem essa vocação e essa fé.

Muitas felicidades para si e para a sua família.

Alma peregrina disse...

Já agora, cara Filó, peço desculpa se alguma vez os meus comentários foram inconvenientes.

Mas, já que a Filó contou um pouco de si, eu aproveito também para revelar um pouco de mim...

Uma das minhas bisavós foi uma das pessoas que, não tendo estado na Cova da Iria, estava a alguns quilómetros de lá e presenciou o milagre do Sol. Portanto só posso crer que a irmã Lúcia e os outros 2 pastorinhos tinham algo de especial o que, na minha perspectiva, justifica a vocação da irmã Lúcia (se ela foi um veículo de tão importante mensagem divina, não creio que depois tenha sido conduzida por Deus a uma vida sem obra).

Foi por isso que me senti particularmente interpelado a encetar esta conversa.

Cumprimentos