quarta-feira, junho 06, 2007

No funeral, uma oração de resmungar

Primeiro uma explicação. Depois a acção. Após vários funerais, deixei de rezar publicamente, isto é, com voz de mega-fone, durante o acompanhamento do féretro até ao cemitério. Decidi assim, contra a minha vontade intelectual e espiritual, porque era dos poucos acompanhantes que rezava. Ao meu redor pelo menos. Ora, se assim acontecia, bem podia rezar no meu interior. Continuava a rezar sozinho. Bem sei que a oração comunitária é mais… digamos, de Cristo.”Onde dois ou três estiverem em meu nome, Eu estarei no meio deles”. Se calhar também foi comodismo. Mas o argumento é válido. Digo eu para mim. Expliquei.
Num dos últimos acompanhamentos, aconteceu. Encontrava-me na minha oração, como disse, interior. Um homem da frente falava alto qualquer coisa que não percebia. Foi-se aproximando. Parou a um palmo de mim. Isto é uma vergonha: Reze lá ao menos um Pai-nosso. Eu já tinha rezado vários. E disse-lhe que estava a rezar. Que ele também o podia. Devia fazer. Isto é uma vergonha. O nosso padre nem um pai-nosso sabe. Na paróquia de… (não interessa o nome! Mas é de um colega) o padre reza. Estive para perguntar-lhe se os paroquianos rezavam. Mas não fiz. Calei-me. No fundo ele tinha a sua razão. Continuava. Só na nossa paróquia. É uma vergonha, não acham?... Nem um pai-nosso! Repeti-lhe que rezasse também. Não ouviu. Não me conseguia ouvir.
Eu continuei na minha oração… pessoal e comunitária, pelos outros, mas interior. Ele também. Uma oração de resmungos. Foi até ao cemitério nestas orações. Ouvia-o de longe. Eram sentidas, porque muito repetidas. Em mega-fone, como desejava. Contaram-me mais tarde que já não devia estar sozinho. Alguns graus a mais falavam com ele.
Porém, fiquei na dúvida se agradou mais a Deus e à honra do falecido a minha oração silenciosa, se a oração sonora e reivindicativa deste amigo…

24 comentários:

A Flor disse...

Questão deveras interessante!

Eu para mim, entendo que Deus não "olha" ao que é dito, mas sim, ao que é sentido!:D

Grande abraço e o meu obrigado por ter aceite a flor que lhe ofereci. :D

Flor

A Flor disse...

Vim agorinha mesmo de conhecer o seu outro "cantinho" e gostei!

Pergunto: Além de ser um padre especial, também é um padre poéta? eheh

E pelos vistos, segundo as datas em que os poemas foram escritos, se calhar já era poeta antes de ser padre, não?! lol lol

Tentei deixar este comentário no confessionário das palavras, mas não percebi se é possível comentar-se!!! ou não terei descoberto o segredo?!!

Abraço no imenso amor de Deus

Flor

Confessionário disse...

Pois, Flor, não é possível deixar comentário no meu outro cantinho... e confesso que há muito não posto por lá. Andei entusiasmado para publicar textos que escrevi em tempos, mas ultimamente o tempo que me sobra das minhas ocupações é quase nenhum. No entanto, sempre posso dizer-te que desde novo que escrevo e gosto de escrever. No Seminário dedicava-me muito à escrita e outras artes que tb gosto.
beijo

Elsa Sequeira disse...

Pois...por cá também é tipo isso, as pessoas têm demasiadas coisas para conversar a caminho do cemitério, uma tristeza...

No entanto uma vez fui a um funeral a uma terra... que meu Deus, o padre devia ser militar, no mínimo...tínhamos que ir em fila indiana...e aí daquele que se colocasse ao lado de alguém...logo o padre interrompia o terço para ir repreender as pessoas...nem tanto ao mar nem tanto á terra...(eu não fui visada, porque se fosse perguntava-lhe se o cortejo fúnebre era alguma formatura militar...)

Anónimo disse...

Não posso acreditar que, a haver um Deus que dizem ser infinitamente justo, ele vá modificar a sua sentença (boa ou má) porque a alma em questão tem muita gente a rezar por ele.
Seria assim uma espécie de Presidente do Governo da Madeira que só dá benesses a quem meter cunhas através dos seus apoiantes...

Alecrim disse...

Sorri com o comentário do meu amigo Deprofundis. Mas não acho que a oração sirva de cunha para o que quer que seja. É apenas uma forma de nos expressarmos e aproximarmos de Deus. E nesses momentos emotivos em que sentimos muito, precisamos muito de conversar com o nosso Pai celeste.

Anónimo disse...

As benésses também existem no continente. E muitas, cada vez mais e mais!
Parece que anda tudo com medo do bicho papão!

O sócrates já nos fez tantas que agora só se nos retrirar o salário. Felizmente, e presumo que para enorme tristeza dele, não consegue retirar-nos o sol, a brisa do mar, a praia e mais algumas coisas boas.

Desculpe padre, mas revolta-me a cegueira / idolatria que impere neste país!

Só falta dizer que este tipo é o D. Sebastião!

Quanto aos funerais, pensei que não era para rezar durante o trajeto até ao cemitério. Penso que aqui ninguém reza.

Lembro-me, não há muito tempo, estar a chegar ao cemitério e avistar a alguma distãncia a chegada dum funeral. Reparei que o padre enquanto caminhava contemplava os passarinhos. Por isso, pensei que cada um reza para si ou pensa no que quiser.

Pois, agora percebo que se calhar o padre daqui também já desistiu de rezar sozinho. A distãncia entre a igreja e o cemitério é superior a 1Km, percorre parte de uma estrada nacional com muito trânsito. Penso que o percurso não é convidativo à oração em voz alta.

Teodora

Anónimo disse...

Os outros seguiam calados, talvez até, pela "indiferença" de que houvesse ou não oração comunitária.

Aquele resmungava, talvez, pela vontade "sentida" de que houvesse oração comunitária.

Previamente, afogou as mágoas e como já não estava "sozinho", Deus estava no meio deles e, com certeza, compreendia sorrindo.

Penso que, tanto a sua oração, Padre, como a do outro e seu companheiro, agradaram igualmente a Deus.

Paulo disse...

Penso, salvo melhor opinião, que o que interessa a Deus é a convicção e a fé, e se é uma oração interior ou exteriorizada...isso pouco importa.

Ni disse...

Reze... e apenas que isso o faça sentir bem.
Seja como for, Ele está a ouvi-lo.
Os outros... enfim... espero que consigam fazer o mesmo e que respeitem o silêncio de algumas orações.

Catequista disse...

Por aqui o caminho é feito em silêncio, pelo menos exterior porque muitos levam o terço na mão e percebe-se que vão rezando.
Não entendo porque se deve rezar em megafone. Cada um entrega a sua oração pela alma daquele que partiu e Deus está atento a isso!

Um abraço
Bom fim de semana

A Flor disse...

Passei por aqui....

como já comentei... bem, vou deixar um pensamento que me agrada! :-)

"JULGA CADA M DOS TEUS DIAS PELAS SEMENTES QUE PLANTASTE E NÃO PELO QUE PODES COLHER.~"

Uma noite descansada, com um céu imensamente estrelado.. de onde sobressai ... uma bonita estrela cintilante! :D

Quando ao seu gosto pela escrita... olhe que talvez tivesse futuro.. que tal editar um livrinho de poesias de sua autoria?! cá para mim.. até que!!... eu cá comprava um eheheh

Flor

Anónimo disse...

Olá!!!

Penso que algumas pessoas não conseguem se expressar, soltar a voz, ainda mais nesse momento difícil...

Creio que é válido ouvir algumas palavras do Padre! Para o povo isso parece tão importante! Por que não utilizar este momento para umas palavras além do "Pai-Nosso"?

Sei que é difícil, diante da dor... Mas as pessoas fazem questão do padre nessa hora! Sinal de que estão pré-dispostas a qualquer palavra de consolo, não!?!

Paz & Bem!!!

Zé Luiz.
http://osperegrinos.blogspot.com/

Ver para crer disse...

Pessoalmente não gosto de rezar alto nos funerais. Há que dar também ocasião de as pessoas reflectirem. É que a vida é tão agitada que se calhar não sobra tempo para tal.

Unknown disse...

podemos trocar parcerias?

http://juemc.blogspot.com/

Anónimo disse...

Conheci o teu blogue através de um blogue de um amigo meu. Fico contente por saber que existe um espaço neste universo cada vez mais procurado onde podemos encontrar histórias do nosso dia-a-dia e que nos ajudam a pensar, reflectir! Só te posso dizer que é bom passar e ficar por aqui a sorver um pouco desta simplicidade e honestidade.
Um abraço
João

Confessionário disse...

Agradeço as palavras, João. Só tenho pena de não poder escrever mais e melhor.

Sou um padre com muito que fazer!

Anónimo disse...

Acho que não é no rezar alto nos funerais, o ir sistematicamente à missa só para parecer bem,... que estamos com Ele.

Acho que o rezar com sentimento para nós mesmos, o ir a uma igreja quando sentimos aquela necessidade de estar junto Dele, lembrarmo-nos Dele quando estamos por vezes a fazer as coisas mais banais é o mais importante.

Porque Ele sabe, e o que interessa é Ele e não as pessoas que nos rodeiam.

Anónimo disse...

quando morre alguem ficamos com raiva dai o pressuposto discurso / oraçao de raiva do amigo do falecido ou da falecida... além do mais se guardamos para nós o que sentimos cá dentro é pior. Digo isso porque guardei tudo para mim quando me faleceu uma amiga à 7 meses atras (de forma estupida) aos 21 anos de idade. A culpa nem foi dela mas do condutor que bebado acelerou e mandou-os aos 3 (a ele, à minha amiga e a outra pessoa) para um outro mundo.
Fiquei com uma raiva enorme... jurei vingança e culpei Deus... alias só entendi e "O perdoei" à pouco mais de 1 semana... e a minha amiga que era minha vizinha e amiga de infancia faleceu a 19 de novembro de 2006...
Só desabafava com o meu namorado e mesmo assim sei que ele nao compreendia muito bem a minha raiva interior porque Deus tambem lhe levou a prima de 16 anos que morreu atropelada à porta de casa ao descer do autocarro e ele não culpou Deus nem "ninguém"ok que ele nao acredita em "tretas de religioes" como ele diz mas pronto. Tudo isto porque acho que é normal a forma de reagir da pessoa em questao... a raiva dele... mas acho que escusava de ser mal-criado inda pra mais sendo voce 1 padre.

Fique bem

Anónimo disse...

Catarina, Minha Filha, foi isso que te ensinei qd eras "piquinina", perdoai-lhes Senhor que eles não sabem o que dizem.

PS: Ó Padre, não se desfaça da freguesia que tem ... é dose!

Bem haja

Unknown disse...

aceito e concordo com essa oração silenciosa. Afinal as conversas com Deus podem limitar-se a pensamentos comuns. Rezar é muito mais que desfiar ladaínhas tornadas quase obrigatórias no acto de tratar da alma. Rezar para mim, homem feito à Sua imagem, é apenas conversar com Ele franca e abertamente como quem fala com um pai, uma mãe ou um amigo.
Rezar é viver, cumprir os anos, arquitectando o plano do grande futuro numa conduta correcta.Rezar pode ser ainda dedicar grande afeição à Sua obra o prodígio imenso da Natureza. Rezar pode tambem ser a introspecção do ser que, mesmo nesse silêncio brutal, está com Deus em espírito...
Abraço

Débora Silva disse...

E, já agora, reparei que conhece Héber Marques! Brutal!

Anónimo disse...

Será que não poderia fazer a vontade ao homem e rezar? Será que isso até não poderia ser um sinal? Mas no entanto por vezes julga-se sem se saber o que o outro sente ou pensa...

Confessionário disse...

Podias pois, mas não era porque ele mo tivesse pedido da forma como pediu... e tb podia fazer tudo o que me pedem em circunstãncias identicas (e nao me refiro apenas às exéquias).