O padre gesticulava. Ainda lembro. Eu era seminarista. Acolitava. Tratava-se da grande festa lá da terra. Era um padre convidado. Gestos e mais gestos. Nunca gostei muito destas homilias ou sermões. Gritava. Esbaforia. Depois admoestava. Silenciava as palavras. Falava em tom grave. Usava a voz da cabeça, do diafragma e da garganta. Sabia usar as técnicas todas. Chama-se a isto a retórica homilética. Se não chama, crio-lhe o nome. Eu ria por entre os dentes. Mas havia quem chorasse. E S. qualquercoisa, com o peito cravado de sangue, suava horrores vermelhos de sofrimento. Como o sangue de nosso senhor Jesus Cristo derramado no altar da sagrada eucaristia, o sacrifício do eterno Pai. No meio de tantas palavras, a gente tentava descobrir a Palavra de Deus. Tentava, pois. E continuava a tentar porque não se conseguia. Mas havia quem arregalasse os olhos. Grande espectáculo. Isto é que é sermão. E ainda tinha que dizer várias vezes o nome de S. qualquercoisa para merecer os tostões. Tipo, quarenta e cinco minutos de palavras no mínimo. Pois que, como num espectáculo, a gente não paga para ver dez minutos de conversa.
Mas o melhor veio no final. Após a demorada missa, saímos, ou entrámos para a sacristia. Desparamentação. Vem uma velhinha ao nosso encontro. Ao encontro do padre. Muito curvada. Muito risonha. Senhor padre, o senhor falou tão bem. Parabéns. O caro padre, inchado, perguntou então. Gostou, foi, minha linda? Ao que ouviu a resposta: ai, senhor padre, desculpe, pode falar mais alto, que sou um bocadito surda!!
Mas o melhor veio no final. Após a demorada missa, saímos, ou entrámos para a sacristia. Desparamentação. Vem uma velhinha ao nosso encontro. Ao encontro do padre. Muito curvada. Muito risonha. Senhor padre, o senhor falou tão bem. Parabéns. O caro padre, inchado, perguntou então. Gostou, foi, minha linda? Ao que ouviu a resposta: ai, senhor padre, desculpe, pode falar mais alto, que sou um bocadito surda!!
12 comentários:
eheheheh.
por acaso na minha infancia, lidei com um padre que sabia como fazer passar a mensagem, qualquer que fosse a plateia. sabia adequar o discurso a cada situação. e ainda mandava umas bocas pelo meio, para por toda a gente a rir, com a ironia que lhe era costume. e nunca se esquecia do mais importante,no meu entender: fé.
"Paris vale bem uma missa" :)
Obrigado pela visita "Confessionário"!
E obrigado também pelo comentário.
Ainda bem que existe mais alguém que pensa dessa maneira em relação ao caminho de cada um.
Um abraço
Ao confessionário tão bem disposto:
Um sorriso num abraço!
Ou..
Um abraço num soriso!
Olá amigo
Eu também sorri!
É que na minha terra isso também acontecia...e eu também ás vezes sentia que era um exagero aquelas homilias forçadas...
Obrigada por partilhares conosco estas passagens!
Bjs
CArla
Também já assisti a missas assim! Realmente há quem fique extasiado com tanta eloquência ("Isto é que é sermão!"); e há quem ache um exagero. Costumo dizer que nem sempre quem fala mais alto é quem tem razão, e por vezes fica aquela sensação que estamos mais perante uma representação do que uma homilia. Mas o importante é que a mensagem chegue e ainda bem que chegou à velhinha!
Obrigada por este momento tão alegre!
eheheh!
Essa é muito boa!
Ás vezes a surdez ajuda muito...
Quando as homilias se tornam "sermões", nem sempre me sinto muito bem na missa. Já ouvi algumas homilias que me lembram esta, se bem que sem os gestos, mas com o tom e as palavras como desecreve. Quando não se tem a lucidez de distinguir o exagero, podem-nos fazer sentir bastante mal. Discordando da velhinha, ainda bem que nem todas são assim.
Sonhadora, achas que a mensagem chegou à velhinha?!
Confessionário:
Pois, é verdade... nem a ela nem a ninguém na missa!
Caros.
Eh eh eh eh!
Pois, a malta quer é distrair-se de si e da reflexão e contemplação… Pois… Seja como for, as técnicas e ímpetos “teatrais” não são por si “desviantes”. Têm é que ser orientados pelo amor e pela “apostolice”, e não pela vaidade e pela busca de aprovação e aplausos – como aliás, todo o resto. Quanto às homilias, como é evidente e penso eu.
Isto também me remete para a espectacularidade que a Igreja muitas vezes assume, tanto em procissões como nos meios desta esplendorosa época de mediações e representações tecnológicas e outras…
Mas isto sou eu, que também sou um pouco surdo...
Eh eh eh eh! Ganda post!
Abraços.
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