segunda-feira, abril 21, 2025

Agradeçamos

"Abençoe-vos Deus Pai Todopoderoso: Pai, Filho e Espírito Santo". A conclusão ordinária de cada celebração ganhou ontem, na celebração de Domingo de Páscoa, em Roma, um alcance maior, porque foram as últimas palavras públicas que se escutaram da voz em dificuldade do Papa Francisco. Hoje o mundo, em geral, e a Igreja, em particular, acordaram com a notícia dolorosa da sua partida para a Casa do Pai. Curioso como Francisco parte na segunda-feira de Páscoa, depois de celebrarmos a Ressurreição do Senhor. A vida é um caminho peregrino para esta meta e, às vezes, o caminho culmina com um calvário. No caso do Papa, desde 14 de fevereiro que se foi avizinhando este momento que a grande maioria dos crentes não queria que chegasse por tanta coisa pendente que ele vinha fazendo desde 3013, desde o início do seu pontificado. Mas isso compete a Deus, porque a Igreja é sua e não dos Papas. Confiemos que os 135 cardeais eleitores façam a escolha do Espírito Santo para o Papa que a Igreja de hoje precisa. Entretanto, que a Igreja entre por inteiro em acção de graças pelo dom da vida e missão deste Francisco que nos trouxe de volta o Francisco que há 800 anos também operou uma revolução no íntimo da Igreja. 

Agradeçamos por Francisco ter sido o Papa que recusou a grandeza, escolheu a simplicidade, trocou o poder pela proximidade, preferiu não ser príncipe para ser servo e pastor, e por isso foi luz de um Deus que é sempre misericórdia. 
Agradeçamos por Francisco ter sido o Papa das periferias, dos pobres, dos recasados, dos abusados, dos esquecidos, dos últimos, de todos. 
Agradeçamos por Francisco ter sido o Papa da evangelização sempre nova e dos discípulos missionários, da Igreja em saída missionária e em estado de missão, da Igreja sinodal como Povo de Deus peregrino e da Igreja como hospital de campanha, de portas abertas. 
Agradeçamos por Francisco ter sido o Papa que resgatou o Concílio Vaticano II e que deu impulso a uma Igreja mais corresponsável, participativa, ministerial e sinodal. 
Agradeçamos por Francisco ter sido o Papa da reforma da Cúria, assim como da colegialidade e da descentralização. 
Agradeçamos por Francisco ter sido o Papa dos pastores com cheiro a ovelha e que caminham à frente, ao lado e atrás. 
Agradeçamos por Francisco ter sido o Papa que valorizou os leigos e as mulheres. 
Agradeçamos por Francisco ter sido o Papa da Casa comum que é urgente cuidar e da Fraternidade universal que não se pode esquecer. 
Agradeçamos pelo Francisco que Deus nos deu.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O Papa que faz hoje anos"

domingo, abril 20, 2025

Vivo em mim

Toco uma última vez o teu corpo inerte e frio. De tanto te agarrar na mão, ela começa a aquecer. Ou é ela que me traz a percepção do calor. Começo, na verdade, a sentir uma leve brisa de calor e de vida a acontecer. Sei que ainda faltam três dias para chegar a Ressurreição, mas eu já sinto o teu sangue a correr-me nas veias e a acalentar-me o coração. É tão estranho este sentir diante do teu corpo morto. Sinto que estás vivo em mim.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Não quero as tuas cruzes"

sábado, abril 19, 2025

Não menos que isso

O momento da tua crucifixão é inesquecível. Enquanto os soldados te iam cravando no madeiro, dizias: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. E não sabemos mesmo. Mas tu perdoas. Perdoas tantas vezes quantas as necessárias. Mesmo que te levemos ao matadouro. Mesmo que cuspamos no teu rosto ensanguentado. Mesmo que te batamos com um chicote para descarregar a raiva da nossa humanidade. Mesmo que te carreguemos com o peso do madeiro que é o peso das nossas vidas. Perdoas infinitamente porque só sabes amar infinitamente. Não menos que isso.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Ser padre como um Cireneu"

sexta-feira, abril 18, 2025

O teu corpo não mexe

O teu corpo não mexe, Senhor. Estás morto? Precisamos de ti vivo! Toco-te e não tenho muitas palavras para descrever a sensação do teu corpo frio. Choro. São lágrimas de amor que fazem o caminho até chegarem ao peito, o lugar onde o amor acontece. Choro porque não entendo a morte, esse mistério que ultrapassa os mortais. Porque não te levantas? Porque não te ergues e ergues contigo o mundo sofrido, o mundo que precisa tanto da esperança? Eu sei que morreste com os braços abertos para amar. Sei que nesse abraço te uniste a todos os que sofrem e os abraçaste. Mas nós precisamos de ti vivo. Precisamos de ti vivo naqueles que amaste até ao fim. Porque te deixaste morrer como um criminoso? Como é que tu, sendo Deus, te humilhaste a esse ponto? Eu também fui daqueles que bateram as palmas quando te aclamaram como Rei. Também levei meu ramo para que o benzesses e, nele, me benzesses a mim. A tua coroa, porém, não era de ouro. Era de espinhos. O teu trono não era uma poltrona. Era uma cruz. As tuas vestes não eram de linho e seda. Eras somente tu num corpo desnudado. E assim se começou a construir um reinado sem fim.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Amontoado de cruzes"


sábado, abril 12, 2025

3 horas da tarde [poema 397]

não sei a medida daquela tarde. 
só sei que às três horas o relógio parou. 
ouviu-se um suspiro como uma aspiração da vida para fora 
lembrei aquela vez em que ele soprou sobre alguém, e acordou 
vieram à memória os mais de muitos passos que dei de um lado para o outro, 
mesmo quando gatinhava ou me deixava guiar pelas mãos no escuro 

não sei a medida daquela tarde. 
só sei que o meu relógio parou.

segunda-feira, abril 07, 2025

verdade [poema 396]

acho que se fosse verdade, o tempo estaria mais claro 
as noites seriam como os dias, e a escuridão seria apenas 
mais uma cor 
 
elevo as mãos e pergunto onde estavas naquele dia.
aponto cada dedo na tua direcção, faço o sinal da cruz 
com a mão aberta, à espera 
 
não escondo que me apetece atirar a pedra 
atirá-la para longe da vista, se ela fosse a verdade 
 
com a mão fechada, lançava-a e dizia adeus 
para depois abrir-se durante a noite quando tem 
mais cor

quarta-feira, abril 02, 2025

O disfarce

Este padre já tem uma idade valente. Tem idade para ter muitos sobrinhos directos e sobrinhos netos. Não os vai visitar muitas vezes, que a vida e a idade não permitem. Mas há dias foi visitar uns sobrinhos directos com uns filhos pequenos, um deles de uns quatro ou cinco anos. Foi uma animação em casa, com os pequenos a querer saber coisas do tio-avô. Para se começar bem a semana, logo no primeiro dia da visita foi toda a gente à missa e o padre foi concelebrar, vestindo, por esse motivo, alva e estola. Uns dias depois, a família voltou novamente à missa, porém, desta vez, porque haviam chegado em cima da hora, o padre decidiu não concelebrar. Ficaram todos no mesmo banco da igreja e o petiz ao lado direito do padre. Ainda a missa pouco avançara quando o pequeno, em voz suficientemente audível, se voltou para o tio e perguntou: então, mas hoje não pões o disfarce? 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Senhor padre, estou sempre a pensar em Deus"

sábado, março 29, 2025

Os padres impecáveis não existem

Os padres não têm de ser melhores que ninguém. Têm de, como todos os cristãos, tentar ser melhores. Claro que isso não justifica nem desculpa os erros dos padres. Não desculpa as suas más opções pastorais ou eclesiais. Não desculpa as vezes em que usam a sua vocação como um trampolim para os seus interesses pessoais ou gerem as paróquias e os sacramentos em discordância com as leis da Igreja ou o Evangelho. Não desculpa quando não se esforçam por serem melhores pastores. Mas os padres são, antes de mais, pessoas. E são pessoas com contextos, circunstâncias e vivências das quais não se conseguirão distanciar nunca, porque são também fruto disso. E se é certo que muitos padres se estão a marimbar para o que os outros pensam, também há quem sinta nos ombros um peso e uma pressão que superam as suas forças. O modelo de perfeição evangélica que é exigido aos padres, como se tivessem sempre de estar disponíveis, preparados e dedicados, acaba por afogar as suas vidas. O padre não pode deixar de viver a sua vida e de fazer a sua caminhada de fé para se tornar um funcionário das coisas de Deus ou da Igreja. O padre tem de viver em Deus como é, como tenta ser, como se esforça por ser, mas não como todo o mundo lhe exige ou espera que seja. Os padres impecáveis não existem. Existem apenas os esforçados e os que não se esforçam. Existem, quando muito, os que não ligam a nada e os que, porque ligam a tudo, vivem o ministério como um peso. Repito. Os padres impecáveis não existem.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Os padres impecáveis"

quarta-feira, março 19, 2025

Bom dia, pai. Conta-me o céu.

Bom dia, pai. Hoje acordei com vontade de saber como é o céu. Não o céu das nuvens, mas o céu de Deus. Não o céu de onde vem a chuva e o sol, mas o céu onde o mundo não acaba, onde o amor é o ar que se respira e a felicidade a única forma de viver. Diz-me, meu querido pai. Tu que já moras nesse coração de Deus, conta-me como é o céu. Diz-me de que é feito o céu. Diz-me se é feito de corações. Diz-me se tem areia que se pega nos calcanhares quando se caminha sem tocar o chão, ou se tem rios de águas cheios de flores. Diz-me se as palavras que se ouvem são músicas ou sorrisos com som. Diz-me, pai, como é o Pai. Se o vês de todo o lado ou por dentro. Diz-me se também Ele é feito de corações. Diz-me se têm portas as casas a céu aberto e se moras com a mãe bem juntinha a ti à espera dos filhos. À espera de mim. Tenho muitas saudades vossas. Estás a ver-me da janela do teu quarto do céu? Conta-me, pai. Conta-me o céu. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Feliz dia do pai"

quarta-feira, março 12, 2025

A Primeira Comunhão sem catequese

A filha anda no terceiro ano da catequese e vai fazer a primeira comunhão. É de uma terra vizinha. Mas, como não há ali catequese, a mãe não se importa de fazer três quilómetros para que a filha participe na catequese e cresça na fé. Por estas bandas a única catequese de infância e adolescência organizada é aqui. Vêm várias crianças de muitas lados em redor. Algumas fazem dezenas de quilómetros. Muitas delas não são minhas paroquianas, mas vêm à procura da catequese onde ela existe. Mal ou bem, com boa intenção ou não, os pais destas crianças sacrificam-se para elas poderem fazer a catequese. Esta mãe, em concreto, não é minha paroquiana. Nem ela nem a filha, naturalmente. Na sua paróquia que, recordo mais uma vez, dista apenas três quilómetros daqui, o pároco, pelos vistos, decidiu aceder ao pedido de duas mães para que as filhas respectivas, que têm a mesma idade que a sua, fizessem agora a Primeira Comunhão na referida paróquia. Nunca tiveram catequese. Nunca quiseram ter catequese. O pároco também não se preocupou muito com isso. E agora vão fazer uma linda festa, dizem. Eu não quero discutir se é bem se é mal, se a opção pastoral é correcta ou incorrecta. Mas então não é que uma dessas duas mães foi ter com a mãe daquela criança que anda na catequese há três anos, dizendo-lhe que era uma burra, ipsis verbis, porque se preocupava para que a sua filha andasse na catequese, quando as delas nunca tiveram e agora iam fazer na mesma a festa da Primeira Comunhão. Aquela mãe ficou triste porque fazia sacrifício para que a sua filha andasse na catequese e agora, como se não bastasse cometer-se esta injustiça, ainda gozavam com ela. Assim vai a nossa Igreja.