O tempo pára quando me ligam do lar. A única coisa que acelera é o coração. Quando na outra segunda-feira me ligaram para me dizer que algo de errado se passava com ele, que não conseguia deglutir, a esperança era de que a chamada fosse apenas para dizer que iam resolver tudo rapidamente e que era só para ter conhecimento da situação. Mas não foi. Teve de ser levado ao hospital, onde lhe detectaram uma infecção respiratória. Pelos vistos, uns dias antes, tivera uma queda sem explicação. Pelos menos ninguém ma deu. Confio em Deus, consciente – porque a gente vai sabendo destas coisas – que uma queda nestas idades é uma queda sem fim e que uma infecção respiratória é igualmente uma queda sem fim. Foi também isso que o médico, por outras palavras, informou. O meu pai é forte. Desde que, com os seus sete anos, ia ajudar o meu avô na pedreira, se fez um homem forte e resistente. É o que está a fazer valer neste momento. Respira com dificuldade. A saturação do oxigénio está sempre a querer baixar. Nem os litros do oxigénio chegam para tudo. As secreções acumuladas não deixam. A febre vai e vem. A morfina ajuda a dor. Mas ele é forte e resistente. Foi assim que Deus e a vida o fizeram. Logo no dia em que o médico falou o que é difícil ouvir, que os quatro filhos nos deslocámos para dizer tudo o que tínhamos para dizer. E dissemos a despedida, com as palavras emocionadas, mas verdadeiras, de quem tem tanto a agradecer a um pai como o nosso. Pai, amamos-te muito e gostaríamos de te ter eternamente connosco. Mas a eternidade não é aqui, e quando quiseres partir, que saibas que nós ficamos “bem mas bem”, expressão tão tua essa do “bem mas bem”. Dizem que os trânsitos destas horas são difíceis. Mas como pai e filhos acreditamos na ressurreição e no Amor infinito de Deus, as palavras saíram com mais facilidade. Eu estou tranquilo. Tenho imensa fé na ressurreição e por isso não estou assustado. Já o entreguei a Deus e faça-se segundo a sua vontade. Estou mesmo tranquilo. A verdadeira Esperança não engana. Isso não significa que não tenha o coração bastante apertado e que a espera não me canse. Aproveito para estar com uma mão agarrada à dele e com a outra a passar-lhe no rosto. Amo-o muito, e não me canso de lho repetir. Um dia de cada vez. Uma hora de cada vez. E a vida continua. Porque a vida vive-se tal como é.
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O tempo do meu pai"