segunda-feira, outubro 28, 2013

A irmã Graça

A irmã Graça tem o tamanho que tem. É a irmã mais baixa da comunidade religiosa que a minha paróquia tem. Há dias uma outra irmã da comunidade completou mais um aniversário. Teve direito a surpresas quanto baste. Esta não cabia em si de alegria. Porém, ao olhar para a irmã Graça, o seu rosto de alegria parecia ainda maior. Muito maior que o seu tamanho. Se a irmã aniversariante não cabia em si de alegria, a alegria da irmã Graça não cabia no tamanho da irmã aniversariante. Estava feliz com a felicidade da irmã que, na mesma comunidade, fazia anos. Regressei a casa, encantado pelo tamanho da irmã, tão grande. Assim acontecesse na comunidade cristã com a alegria e o sucesso dos outros cristãos. Assim acontecesse entre o clero, com a alegria e o sucesso dos colegas. E fiquei a meditar com o testemunho cristão da irmã Graça, que de pequena, só deve ter o tamanho.

terça-feira, outubro 22, 2013

Os diáconos

Uns domingos atrás, um colega levou um diácono, homem casado, às três missas que tinha nas três terras em que as tinha marcado. Decidiu apresentar o diácono e explicar às pessoas este ministério. Embora não querendo entrar na cabeça do meu colega e muito menos ajuizar, ocorreu-me que as estava a preparar para Celebrações Dominicais na Ausência do Presbítero presididas pelo diácono. Não sei bem como foi. O colega não se alongou na história. O remate que lhe queria dar é que tinha importância. E contou que no final de uma das missas um senhor os havia esperado para dizer que estava feliz, porque agora já sabia que a Igreja não ia acabar. O meu colega não adiantou mais palavras à conversa, porque não tinha palavras que resumissem os seus pensamentos. Entendi. Entendi que para muita gente os diáconos, que são assim uns quase padres mas não são ainda, poderão ser a solução de uma Igreja que vê diminuir em crescendo o número de padres. Como se o diácono fosse um prolongamento ou um substituto dos padres. Como se um homem casado que pode fazer quase igual aos padres fosse a solução fácil para o celibato dos padres. Não. O padre não disse, mas eu grito que não. Não quero crer, pois o diácono é um ministério que vale por si e não vale pelo sacerdócio. Não quero crer que a nossa Igreja possa confundir o papel dos diáconos. Não quero, pior ainda, acreditar que haja cristãos que ousam pensar que a Igreja pode acabar. Restou-me um pensamento positivo, pois, por mal ou por bem, no meio de tanta gente que nem sabe o que são os diáconos ou não sabe da sua necessidade intrínseca na Igreja, também há quem se deixe regozijar pelos e com os diáconos.

quinta-feira, outubro 17, 2013

És de opinião que a Catequese da Infância e Adolescência em Portugal tem funcionado bem?

A última sondagem proposta questionava-nos sobre a forma como cada um se relacionava com o seu pároco. Incrivelmente algumas pessoas nem sabiam que figura era essa. Mas, se acaso o número de pessoas que responderam que não conviviam com ele, ou só conviviam quando precisavam, ou não o conheciam, ou nunca falaram com ele, somava uma percentagem de 36%, o número daqueles que o têm como muito próximo ou que é mesmo como se fosse da família somava um total de 42%.
Hoje surge nova sondagem, numa época em que se reinicia a Catequese de Infância e Adolescência, para auscultar se acaso esta catequese tem funcionado ou não. Agradeço que justifiquem as vossas opções para se fazer uma boa reflexão com esta sondagem.
És de opinião que a Catequese da Infância e Adolescência em Portugal tem funcionado bem?

quinta-feira, outubro 10, 2013

Deus quer que a vida nunca pare

Não se entende como o tempo passa e nos acomodamos à vida que nos surge. Nada aqui neste mundo é eterno. Deus fê-lo tão bem feito que hoje aquilo que nos parece sem sentido, ou acaba por fazer sentido ou aceitamo-lo porque não admitimos não aceitar ou aceitamos que a vida é assim. É interessante esta forma de viver. Difícil de entender, mas maravilhosa ao mesmo tempo. Há doze anos caiu tudo por terra e parecia que nada mais havia naquele momento. A minha mãe partira para o Pai. Convencera-me que aquela marca iria tornar escuro o resto dos meus dias. Mas não. Acreditava já, com todas as forças, na Ressurreição. Sabia que a minha mãe terminara a sua missão aqui na terra. Porém, o mundo desabara em mim e pesava. Fui marcado com a graça de Deus nesse dia. No meio das lágrimas havia sorrisos. A minha mãe era a minha mãe. Não há ser mais unido a nós que a nossa mãe. Já lá vão doze anos. Não é como se fosse hoje. Às vezes parece, mas não é. Não fiquei parado no tempo e na vida com a vida dela. Por isso hoje estou tranquilo. Algo dentro de mim me traz melancolia. Não se explica. Sente-se. Mas não vou chorar. Não quero. Não sei se me apetece, ou não sei o que me apetece. Estou apenas tranquilo. Deus quer que a vida nunca pare. Nem quando morremos.
 
escrito no dia 7 de Outubro de 2013, no 12º aniversário da morte de minha mãe

segunda-feira, outubro 07, 2013

A catequista e o menino

No grupo de catequistas da paróquia há uma catequista que prima pela discrição. Ouve atentamente tudo o que se passa à sua volta. Absorve o que se passa e usa poucas palavras para se fazer ouvir. Acho interessante esta forma de ser. Encontrámo-nos à saída do centro, quase tropeçámos um no outro e ela aproveitou o tropeço para me dizer que Já agora, estava capaz de lhe dizer uma coisa. Que no ano passado quase desistira de dar catequese. A vida familiar era-lhe exigente. Não era muito compreendida pelo marido. As crianças da catequese eram muito desordeiras. Estava cansada. Mas numa das últimas catequeses do ano, no dia exacto em que tomara por definitiva a decisão de não voltar a dar catequese, o Senhor a fizera de novo pensar. Há um menino no seu grupo, o mais miudinho deles todos, que está sempre a sorrir. Um sorriso que contagia. Já não era a primeira vez que, quando a semana estava a ser dura, o menino lhe enviava um sorriso que a fazia pensar no sorriso de Deus. Ora, no tal dia definitivo, os meninos do seu grupo, quase garantindo que fizera a decisão mais acertada, estavam por demais irrequietos, desordeiros, barulhentos. E enquanto tentava acalmá-los, uma pequenita mão acariciara o seu rosto. Quando abriu os olhos que se tinham fechado pela irritação, deu conta que era o tal menino do sorriso contagiante. No mesmo instante, viu-se a olhar para o menino Jesus a acariciar a sua mãe no meio da sua labuta diária, cansativa e penosa. O miúdo esticara-se para lhe dar um beijo, dizendo que gostava muito da catequista. Padre, naquele momento senti que o Senhor me trocara as voltas e me estava a dizer que ainda não chegara o momento para a decisão que programara. E aqui me tem, padre. Também me estiquei, embora menos que o menino, para lhe dar um beijo e não dizer mais nada que não tivesse sido já dito. O Senhor troca-nos muitas vezes as voltas.

quarta-feira, outubro 02, 2013

Casamento não tem custo

Noivo comum, jovem e mais ou menos despachado. Vive há uns dois anos com a futura esposa. Lugar-comum. Vai casar para lhe fazer a vontade. Trataram dos papéis, dos processos civil e religioso. Na hora das contas, revelou um jeito desconfiado. Há uma licença para pagar, informo. Ele responde que um amigo casou há pouco tempo e não pagou nada. Acho estranho e pergunto se ele casou realmente pela Igreja, pois não era possível casar sem a licença. Alguém lha deve ter pago, acrescento. Que era o correspondente ao processo civil que custou uns 150 euros e que esta licença religiosa era apenas uns 20 euros. Comparação feita, e ainda não estava desfeita a má ou pouca vontade do noivo. Expliquei que paguei do meu bolso por adiantado, evitando que tivessem de fazer uma deslocação a fim de tratarem do assunto na Curia, o equivalente à Conservatória do Civil. Repare-se que nem abordámos os possíveis, ou plausíveis, ou adequados, ou desejáveis pagamentos do trabalho da cerimónia. Ele achava que não devia pagar nada. E até certo ponto tinha razão, pois as coisas de Deus não deviam ter custos. Ou melhor, não têm custos. Porém, ninguém vive do ar. Pode viver da generosidade, mas não do ar. Além disso, uma coisa é presidir a um casamento de graça, e outra ter de pagar para o presidir. E às tantas acabei por lhe insinuar, com alguma maldade, reconheço, que iria fazer uma pergunta, mas que era melhor não me atrever a fazer, mas que acabei por fazer, perguntando sobre custos com flores, grupos corais a propósito ou despropósito, fotógrafos, boda e similares. É que às vezes parece que a cerimónia do casamento, que é o centro da festa, é apenas o irmão menor da mesma.
O jovem noivo acabou por perceber e pagou. Penso eu. De facto pagou. Mas para ser sincero, eu gostava de não ter tido aquele tipo de conversa. Não gostei de lhe pedir dinheiro. Não gostei de sentir a tal má vontade, que me pareceu desajustada. Não gostei de ter feito a insinuação que fiz. Gostava que o mundo, a Igreja e as pessoas fossem diferentes, e que estas coisas não fossem sequer assunto.

quinta-feira, setembro 26, 2013

Cristãos de funerais que não acreditam

Andavam na vindima, e nas vindimas há tempo para todas as conversas. Uma senhora querida, que vai sempre à missa e até faz parte do grupo dos cantores, aproveitou a ocasião para evangelizar, que é assim que os cristãos autênticos deveriam fazer. São palavras dela, que eu assumo, mas para as quais prefiro usar a expressão Testemunhar a Fé. Mas foi em vão, contou-me ela. Só faltou enxovalharem-me. Estava lá um senhor de bigode, aqui da terra, que nunca vem à missa, e que me disse assim. Vossemecê julga que por ir à missa e cantar na missa vai para o céu? Vai tanto como eu, porque não há céu. E ela que lhe respondeu com outra pergunta. Então se não há céu, que foste fazer à missa do funeral do teu irmão? E o senhor, com uma mão nos cachos e outra a alisar o bigode, não tardou com a resposta na ponta da língua. Tem razão, e olhe que não fui lá fazer nada. E depois é o que se vê, senhor padre, disse-me ela no final da missa. Eu contei as pessoas que cá vieram, e só estávamos oito pessoas na missa.

sexta-feira, setembro 20, 2013

As três formas de lidar com ela, a morte

A morte batera-lhe à porta, prematura, por entre um cancro. Não chegara ainda aos quarenta anos e deixara uma esposa com uma barriga do tamanho de uma criança. O tamanho de uma vida por outra. A vida que passa por nós e nos afronta quando deixa de passar.
A esposa e a barriga encontravam-se ao ombro de um padre amigo que não eu. De pouco serviriam as palavras, que nestes momentos só ouvimos a saudade. Porém, voltado o seu rosto para o lado onde me encontrou, sorri e disse-lhe. Perante a morte, temos três formas de lhe espreitar a porta.
Ou deixamos que a revolta se apodere de nós, azedando aquilo que é a beleza da nossa vida que permanece. Ou usamos de indiferença, como se nada tivesse acontecido, apagando da memória tudo o que a beleza da vida que parte e a beleza da vida que permanece nos trouxe, tornando-nos sombra da nossa própria vida. Ou encaramos a força do caminho de rosto descoberto, com a naturalidade que brota da fé, e que nos faz viver ainda mais a beleza desta vida que passa e desta vida que permanece.
A esposa abriu os olhos e esboçou uma lágrima. Logo vi que, mais que para ela, estava a falar para mim. E apanhei-lhe a lágrima com o dedo, como se fosse a única palavra que ela me conseguia responder.

Escrevi este texto por uma situação de há uns meses, mas hoje partilho-a, juntamente com uma pequenina lágrima, para a oferecer a uma outra família amiga que, hoje mesmo,  de novo nas minhas paróquias, está a passar por provação idêntica.

quinta-feira, setembro 12, 2013

Lá mais para a Páscoa

A comunidade é pequenina, é certo. Tem poucas mais pessoas que os dedos das mãos. Vou lá poucas vezes por ano, mais ou menos as mesmas que os dedos das mãos. Vou, mas vejo-me lá numa confusão interior de tamanho que não tenho palavras para dizer, dado que ninguém comunga naquela missa, porque, dizem, é melhor só la para a Páscoa. Havia pouca gente, é certo. Mas fazemos um banquete com o Senhor e dizem-nos Lá para a Páscoa, senhor padre. Como se Deus tivesse querido que só uma vez houvesse Páscoa. Como se o sacrifício que é a Eucaristia acontecesse só na Páscoa. Eu bem lhes perguntei como ficariam se, convidado para as suas casas numa festa, onde, como é tradição em Portugal, há sempre uma boa mesa, repleta, um bom presunto, um bom queijo e um bom naco de pão, e eu dissesse que só comeria na Páscoa. Encolheram os ombros e repetiram Lá para a Páscoa, senhor padre. Sabe, não estamos confessados. Então vamos lá confessar-nos. Dispus-me a fazê-lo logo ali e no momento. Porém, insistiram Lá mais para a Páscoa, senhor padre. Passei toda a celebração a pensar que só devia voltar àquela terra para a Páscoa.

sexta-feira, setembro 06, 2013

pequenina oração

Faltava uma hora para o dia dar lugar a outro dia quando me sentei nos bancos do santuário, do lado oposto à vitrina onde a imagem de Nossa Senhora se destaca. Olhei ao meu redor e contei doze pessoas espalhadas, cada uma por si e em seu canto, tantas quantas o número dos apóstolos. Curioso, disse para os meus botões. O silêncio da noite, iluminado por uns quantos focos, contrastava com o ruído do dia e o vai e vem dos peregrinos, uns a pé e outros de joelhos ou de vela na mão. Permaneci naquele banco cerca de meia hora e meia. Havia terços que eram quase devorados pelas mãos dos doze peregrinos. Iam desaparecendo e tornavam a aparecer por entre os seus dedos. Uma conta atrás de outra nas mãos e nos dedos em ritmo certo, mas calmo, como se um metrónomo estivesse na oração daquele gente. Dei por mim a rezar com a forma de estar daquelas pessoas. Contemplando-as, encantado pelas que não temiam rezar de joelhos. Mulheres e homens, sem distinção.
No banco fui arrastado pela sensação de pequenez diante dos outros doze. Pequenino padre. Pequenina oração. Não há hora melhor para se estar nos bancos daquele capelinha, em Fátima.