A discussão fora acesa por alguém que dizia Não, desfavorável a alguém que dizia Sim, numa reunião de gente nomeada para decidir alguns rumos da paróquia. Várias vezes deitei água na fervura, pois ambos tinham a sua razão, que não estava longe do equilíbrio da minha. Mas às páginas tantas, um deles fala que nós, a paróquia, precisávamos de todas as instituições, em especial da Câmara, que era a entidade máxima da terra. Não querendo retirar qualquer mérito à observação da necessidade em si, nem à entidade referida, pois que lhe reconheço um papel enorme na terra, não hesitei, nem um mero segundo, e disse nuns decibéis acima do normal, mas sem exagero. Para fazer uma afirmação clara. Eu não me subjugo nem me subjugarei a nenhuma entidade, a não ser a máxima entidade que conheço e que é Deus. Todos precisamos uns dos outros, umas entidades das outras, e precisamos aprender a fazer comunidades integradas, se assim lhe quiserem chamar. Mas Deus é que é a minha entidade máxima desta terra. E de todas as terras. E da Terra
quarta-feira, fevereiro 29, 2012
quarta-feira, fevereiro 22, 2012
Não há engano que pague a nossa generosidade
A senhora entrou pela porta da sacristia adentro com uma criança pela mão. As crianças dão credibilidade às conversas. Precisava falar consigo em particular. Não a conhecia. Mas também não conheço a maior parte dos meus paroquianos. Aconteceu-me um desaire. Disse. Somos lá de cima do Norte, embora não tivesse especificado o norte exacto. Em tempos o meu marido tirou muitas fotografias aqui. Viemos de passeio. Aconteceu que ao colocar nosso cartão multibanco na máquina, ela ficou com ele. Não temos dinheiro para o gasóleo. Podia emprestar-nos, pelo menos, cinquenta euros? Tenho aqui os meus documentos que posso mostrar-lhe. Não mostrou. Sou professora. Não mostrou. Apontou a morada da paróquia para me reembolsar. À pressa. Meti a mão ao bolso. Todo o dinheiro que tinha eram quarenta e cinco euros. É o que tenho. Não fiquei nem com cinco euros para o café. Desde o princípio me pareceu uma história estranha. A máquina comer o cartão? Uma família moderna ter um só cartão? Os padres são potencialmente alvos fáceis. A pressa de ir para outro lado não me dava tempo para pensar. As crianças dão credibilidade aos pedidos. Não eram propriamente necessários cinquenta euros para o depósito chegar ao norte. Mas o dinheiro que tinha no bolso foi-se todo. Mal virei costas disse convicto para mim mesmo que tinha sido enganado. Mas também se não fui, a situação era por demais constrangedora para ambos. Eu costumo dizer aos pedintes que tenho muita gente para ajudar e ajudo. Desta vez desculpei-me dizendo que era mais importante a minha generosidade que o suposto engano da senhora. Não há engano que pague a nossa generosidade. A ver vamos.
sexta-feira, fevereiro 17, 2012
A minha Maria
Andava quase duas horas para chegar à missa. As pernas não ajudavam, mas a vontade conseguia. A minha Maria ia sempre que podia à missa. Muitas vezes esperava-me ao fundo do adro só para me dar um beijinho. Outras vezes esperava-me com um saco na mão. Um bolo. Um requeijão. Uma garrafa das caras. Um queijo. Pois gostava muito do senhor padre. Subíamos a ladeira do adro mão na mão ou mão no braço. Colocava-se sempre na ponta do banco da frente virada para a coxia, à espera que olhasse para ela. Que passasse perto e lhe tocasse a face. Que lhe enviasse do altar um sorriso. Que ao comungar nos olhássemos, cúmplices. Muitas vezes eu comentava com os mais próximos que parecia que ia à missa em busca de encontrar o padre a sorrir ou a dar-lhe atenção. Muitas vezes a ia levar a casa para encurtar a distância, o tempo e as dores nas pernas. Abria-lhe a porta do carro. Quase pegava nela. Ela fazia questão que lhe abrisse a porta de casa com a sua chave. Que entrasse. No dia em que informei que, consoante vontade do senhor bispo, teria de ir para outra paróquia, ela encheu a sacristia de lágrimas. Recordo como se fosse hoje que repetia, e repetia, agarrada a mim. Eu morro. Eu beijava-lhe a fronte. Chorava também. Tiveram de quase a arrastar para sair. Começou a faltar à missa. Um dia perguntei se ela andaria doente e contaram-me que um filho, em tom de brincadeira, dissera que estava doente por causa do padre. O padre que lhe dava um pouco do seu tempo e da sua atenção, muito embora a custo, mas com muita vontade de amar a minha Mariazinha. Já tinha perguntado ao telefone por ela. Haviam-me dito que já ia à missa e que o novo padre também a levava a casa. A minha Maria, que tinha mais de oitenta anos, faleceu hoje, passados uns quatro meses desde que a deixei de ver. Desde que nos deixámos de ver. Desde aquele dia na sacristia. Ligou-me gente da terra. Ligou-me uma filha. Disse-me que a sua mãe gostava que eu lhe fizesse o funeral. Estarei ocupado. Ocupado a pensar que não quero tão cedo incomodar o novo padre com as minhas vontades ou as vontades daqueles que gostariam que eu voltasse por lá. Que estranha forma de sentir-me longe. Que estranha forma de dizer adeus à minha Maria. Ainda a estou a ver. E a sentir. Hoje sinto-me mais longe. Hoje a minha missa será por ela e espero assim encurtar-lhe a distância, o tempo e as dores nas pernas.
quarta-feira, fevereiro 15, 2012
Aproveite e reze pelos padres
Ainda recordo que estávamos a caminho do cemitério, a meio de um funeral das minhas antigas paróquias. Os homens caminhavam à frente. As mulheres atrás. Nunca percebi porque insistem em fazer esta separação. Tentei muitas vezes que entendessem que não devia ser assim entre nós. Mas, como se costuma dizer, devem ter feito orelhas moucas. Pelo menos a maioria. À minha esquerda vinha um homem de bigode branco que fazia menção de se aproximar. Olhava de soslaio e depois ia-se aproximando como quem não quer a coisa. Foram uns escassos passos e segundos para se encostar à minha orelha e me dizer. Padre, aproveite e reze pelos padres desta freguesia que já faleceram. Olhe que ninguém se lembra de rezar por eles. E se não forem os outros padres, quem será! Sorriu e voltou para o lugar da fila mais descansado. Eu nem respondi. Agradeci com um aceno, e logo depois rezei pelos padres que já passaram por esta nossa paróquia e já faleceram. A partir daquele dia tenho rezado em todos os funerais pelos padres que já passaram na paróquia e já faleceram. Faz-me bem pensar que um dia alguém se há-de lembrar de rezar por este padre que já passou pela paróquia e já faleceu.
quinta-feira, fevereiro 09, 2012
Sou do Benfica
O Benfica estava na televisão a jogar e a ganhar. Eu prestava uma atenção despretensiosa mas atenta. Sou do Benfica. Gosto que ganhe. Torço para que ganhe. Mas se perde, continuo a minha vida, porque o Benfica é-me apenas o clube de que mais gosto de gostar. Ainda há dias uma criança me perguntava, satisfeita, se era do Benfica. E quando respondi afirmativamente com a cabeça, parecia que a criança tinha ganho o dia. E assim voei do sofá da sala que está em frente ao televisor para a Igreja dos nossos cristãos que são como que adeptos de um clube de futebol. Até podem pagar as quotas. Vão aos jogos de vez em quando. Ficam tristes quando perdem. Mas poucas consequências na sua vida se retiram desta pertença. A Igreja pode estar fundada nos apóstolos que até são doze como numa equipa de futebol, mas não é um clube. É uma forma de viver. A Igreja não depende da satisfação de ganhar ou de perder, mas da satisfação de ser feliz. A Igreja é Jesus presente nos homens que os leva a viver uma vida com sentido em Deus. E de repente o Benfica marcou outro golo e eu dei um pulo de contente.
terça-feira, fevereiro 07, 2012
Que pensas sobre a atitude do pároco extorquido por prostitutas?
Ao ver as notícias de hoje, saltou-me à vista a notícia do padre que tinha sido extorquido por prostitutas com as quais teria mantido algum tipo de relacionamento sexual. Depressa a notícia me saltou ao pensamento. Como deve ter saltado a muitos dos nossos padres ou dos nossos leigos. É sempre uma notícia que vende. Achei, no entanto, que havia por detrás desta pequena história, que em nada deve abalar a nossa fé e o nosso amor a Deus, motivo de reflexão. Por isso surgiu esta sondagem. Não quero que a usemos para fazer um qualquer tipo de julgamento do padre em causa, mas uma reflexão sobre a atitude e sobre o caso em si. Peço o favor de não pensarem no padre tal, mas no caso. Peço o favor de não utilizarem o caso senão para reflectirmos e meditarmos estes assuntos tão melindrosos.
Como seria difícil escolher apenas uma opção, nesta sonsagem é permitido escolher mais que uma.
Podem, como é hábito, expor aqui, nos comentários, a vossa opinião.
Como seria difícil escolher apenas uma opção, nesta sonsagem é permitido escolher mais que uma.
Podem, como é hábito, expor aqui, nos comentários, a vossa opinião.
quarta-feira, fevereiro 01, 2012
As asneiras dos cristãos ou apeteceu-me dizer uma asneira
Descobri há dias numa das minhas paróquias que muitos dos meus cristãos não comungam por causa das asneiras que dizem. Aquilo que de forma culta chamamos de palavrão e que brejeiramente chamamos de carvalhadas. Aquilo que nalgumas zonas do nosso país fazem tão parte do habitat como a comida que comem. São as asneiras que saem da boca num qualquer momento mais desavindo. São as palavras deslocadas que saem da nossa boca e que devemos evitar porque denotam uma educação menos acertada. Pergunto se o dizem para magoar alguém, e respondem que não. Pergunto se o dizem com intenção de maltratar Deus, e respondem que não. Mas mesmo assim deixam de comungar, porque os padres antigos carregavam nessa observação. E apesar de continuar a achar que não são as melhores palavras dos momentos desavindos, não entendo como se transformam em pecados tão graves que levam um cristão que se preze a desistir da comunhão. Maior asneira é deixar de aproveitar a partilha de Deus na eucaristia. Maior asneira é andar toda uma vida com uma fé que não deixa ver a simplicidade do Amor de Deus. Garanto-vos que me apeteceu dizer uma asneira.
sábado, janeiro 28, 2012
Nunca vos esqueçais de Deus que Ele também não se esquece de vós
A Capela fica no meio de uma terra que tem uns vinte habitantes, não muito mais. É uma capela simples. Tem uns bancos e um altar. Tem um retábulo que não parece antigo. Fui até lá celebrar a missa com aquela minha gentinha. A maioria de xaile preto aos ombros. Gente que está para ali e que trata dos rebanhos ou do quintal. Há um ou dois que vão à freguesia trabalhar. Esta terra é uma das minhas muitas anexas. Gosto da forma como as pessoas falam comigo dentro da igreja que à porta está frio. Gosto delas por serem como são. Mas não posso ir lá muitas vezes celebrar a missa. É impossível correr a todas e a toda a hora. A distância também não ajuda. E a maior parte mora ali e não tem transporte fácil para ir à missa da paróquia. Cantam como podem, ou deixam que eu cante. Cantam, arrastados, atrás de mim. Para ler as leituras tenho de insistir que, mesmo que leiam devagar, conseguimos perceber. No final da Eucaristia disse-lhes como Deus gostava deles. E que eu ia lá celebrar uma vez por mês num dia de semana. E mais disse assim. Nunca vos esqueçais de Deus que Ele também não se esquece de vós. Já sabem agora porque quero lá ir celebrar com eles.
terça-feira, janeiro 24, 2012
Aqui só comungam as mulheres
Finda a missa, corri em direcção à sacristia para me desparamentar. Vinha com os pensamentos na comunhão, pois só haviam comungado dois homens. Dois apenas. Foi fácil contá-los. Dois no meio de algumas dezenas de mulheres. Também não eram muitas. Mas como não as consegui contar, deduzo que era um número composto de senhoras comungantes. Para a sacristia vieram também meia dúzia de pessoas, entre homens e mulheres. Gente simpática. Parece-me gente boa. Cumprimentos para aqui e para acolá. As senhoras querem marcar missas ou perguntar coisas. E perguntam, pois na paróquia estamos na fase das perguntas. Por isso, perguntei também. E queixei-me com um ponto de exclamação. Na nossa paróquia comungam tão poucos homens! Um senhor mais expedito que me escutava atento, avançou a sorrir. Aqui só comungam as mulheres, senhor padre. Rasguei o olhar e nova pergunta com exclamação. E porquê?! Porque é costume, senhor padre. Sempre assim foi. A ocasião permitiu-me que explicasse umas coisas essenciais de fé àquela gente da sacristia. Mas não resisti a pensar coisas com tudo isto. E penso-as agora de novo no papel. E faço pontos de interrogação, mais que perguntas. Pergunto se a Igreja será só das mulheres e para as mulheres, ou mais delas e para elas. E se é, porque é que os padres são homens. E porque não poderão elas ordenar-se. E o que falta aos homens para perceberem como a comunhão dentro da Eucaristia é a plenitude da Eucaristia. É quando Deus se partilha connosco de forma física e visível. E porque é que a nossa Igreja tem de ser uma igreja que responde quase sempre com aquela do É costume, como se ser cristão fosse apenas um costume. Como se a razão da nossa fé fosse apenas um costume que um tal Jesus iniciou há uns anos...
quarta-feira, janeiro 18, 2012
Quem olha para dentro, desespera
A senhora Angelina é de uma das minhas novas paróquias. Tem ares de quem ficou presa ao passado, na saudade da sua infância e juventude, na força dos seus sonhos. E agora debruça-se sobre ela própria, sobre a doença que não a deixa andar e é sua. Usa muletas. No entanto o que a impede mais de andar não é a doença, mas a forma como olha para dentro, como se debruça sobre a dor que é sua. Tem uma filha que se fecha em casa com a mãe. É jovem, enquanto a idade o comprova. Já não estuda. Quando se aperalta, dá ares enormes de beleza. Ela não dá conta, porque não tem nem emprego nem namorado. E fecha-se em casa. Fecha-se em si mesmo. A mãe falava da filha, e aproveitava para se queixar da vida da mãe da sua filha. Que uma não encontra motivo para sorrir e a outra não sabe sorrir. Padre, não tenho muito tempo, porque não a quero deixar muito tempo sozinha em casa. Diga-me alguma coisinha que me ajude a pobre rapariga. E assim, na pressa, me lembrei de uma frase que em tempos li. Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desespera. Disse-lhes mais umas coisas que a pressa permitiu. Mas acho que esta chega. Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desespera.
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