quarta-feira, setembro 11, 2024

nós [poema 394]

não digo que te amo para não gastar a palavra 
ela tem vida própria e faz-se tua quando a digo 
quero, porém, que seja dos dois e fique no pensamento 
onde não me sai e continua a ser minha, mesmo 
sendo tua 
 
amo-te por dentro, que é o lugar onde acontece 
a verdade das coisas 
e guardo-te na palavra que significas tu 
ou melhor, nós 
 
amo-te por dentro porque é o lugar
onde tu aconteces
e somos nós

sábado, setembro 07, 2024

O milagre da morte

Ela queria um milagre. Diante do caixão com o filho de vinte e oito anos, ela repetia que esperava um milagre. O filho mais velho morrera há uns doze anos com sorte parecida, em idade mais jovem ainda. Este segundo filho estivera em sofrimento uns três anos e agora partira para o Senhor. Os pais não têm mais filhos para cuidar. Não têm mais filhos para esperar o seu futuro e sonhar com ele. Dá para imaginar o sofrimento, mas não dá para o medir. Era mais que visível, tanto no rosto pálido da mãe como no do pai, assim como nos seus corpos sem expressão, sem alento, sem força senão para estar ali e se puderem despedir do menino. Olha o teu pai e a tua mãe, dizia o pai. E a mãe desfalecia em gemidos. A Missa foi toda ela um gemido contido. A multidão dentro da Igreja era prolongada pela multidão fora dela. Não se cabia naquele sofrimento. A homilia foi pesada. Foi pesada no sentido de ser pesarosa, e foi pesada porque se pesou cada palavra. A certa altura, a mãe interveio, dizendo ao senhor padre que nunca perdera a esperança, porque esperava um milagre. Ainda bem, respondeu o senhor padre. Como dizia a primeira leitura que escutámos, “A esperança não engana porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações”. O padre cruzava os olhos com ela no primeiro banco da igreja, sofria com ela à sua maneira, e aproveitava as suas palavras para falar do verdadeiro milagre que estava a acontecer. Este mistério da morte, que é tão difícil, é, afinal, o maior milagre da vida. Morremos para vivermos eternamente, porque Deus nos ama para além da vida.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "As não respostas que são resposta"

terça-feira, setembro 03, 2024

descida na subida [poema 393]

subiu o degrau e eu baixei para a apanhar 
ainda no ar 

cada degrau é uma estrada, 
assim como cada muro é uma escada 

subiu e em cada subida eu desci para a apanhar 
no degrau