sábado, julho 20, 2024

Uma Igreja que se quer sinodal, mas na mesma

Vou lendo aos poucos o Instrumentum Laboris para a segunda sessão da XVI assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos a ocorrer no próximo mês de outubro, e vou lendo também as opiniões e os comentários de alguns observadores. Não me reconheço abalizado para fazer parte deste grupo de pessoas, mas tenho as minhas opiniões, que são, acima de tudo, formas de sentir. Neste sentido, devo referir que também eu não tenho soluções fáceis ou óbvias que transformem a estrutura institucional pesada e milenar da Igreja Católica. Contudo, leio e vejo tantas palavras que me parecem só palavras, que fico algo constrangido. Tenho receio que as palavras vençam, mais uma vez, as acções, atitudes e mentalidades. Tenho receio que não se passe das palavras às práticas. Tenho receio que este sínodo sobre a sinodalidade não consiga acabar com o modelo clerical hierárquico, autoritário e patriarcal. É certo que muitos dos temas importantes não estão contidos de forma clara no Instrumentum Laboris porque foram entregues a dezasseis grupos de estudos especiais, mas, por sinal, constituídos por 74% de clérigos. Não faz sentido querer uma Igreja sinodal e manter uma Igreja clericalizada, autoritária e patriarcal. Tenho receio que este sínodo seja como muitos dos anos especiais disto e daquilo, dos sínodos dos bispos para isto e para aquilo que, depois, na prática, mantêm quase tudo igual. A Igreja não pode continuar a repetir palavras sem alma e sem vida.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Igreja clericalizada"

Pode ler AQUI na íntegra o Instrumentum Laboris.

18 comentários:

Confessionário disse...

Peço desculpa por não associar uma imagem, mas ao momento a plataforma não me está a deixar!

Anónimo disse...

Nossa! Estava a ler o post acima, senti no teu lugar confessionário, disse a pura verdade, essa em poucas palavras mas raras mentes são capazes de descrever o legado imposto por estar a vir este sinodal. Parece obscuro o que poderá ser feito para continuar e como os templos à acolherá os fiéis

Anónimo disse...

Também tenho semelhantes receios, padre.

Anónimo disse...

"Não faz sentido querer uma Igreja sinodal e manter uma Igreja clericalizada, autoritária e patriarcal"
Que visão a sua da Igreja...nem se percebe como ela ainda sobrevive e produziu tantos santos...

Confessionário disse...

23 julho, 2024 23:02,
Os santos não são fruto de uma Igreja impecável, isto é, que não peca!
Aliás, as épocas onde surgiram mais santos reconhecidos foram épocas bem difíceis da Igreja. Cito, a título de exemplo, S. Francisco de Assis, que recebeu a missão de "renovar" a Igreja.

Quanto à minha visão da Igreja, trata-se de uma visão muito próxima daquilo que foram os inícios do cristianismo. Entendo que a Igreja é hierárquica, mas não tem de ser tão clericalizada (versus comunhão), tão autoritária (versus autoridade), tão patriarcal (versus matriarcal).

Anónimo disse...

A Igreja não peca, para começar. São os seus membros que pecam.
O discurso que procura desresponsabilizar os pecados dos membros, e sobretudo da hierarquia, é justamente esse que está constantemente a pôr em causa a "estrutura". Ora, pretensas reformas, anúncios de reforma, sínodos, conselhos, mudanças, novidade, etc. são o que não faltou nas últimas décadas e, no entanto, parece que o problema não é resolvido. O que é que os Santos procuraram renovar na Igreja? Foi, sobretudo, as "estruturas" ou as pessoas?

Uma visão da Igreja que opõe Igreja primitiva a, bom, nem sem bem a quê, ignora a Tradição da Igreja, que, a par com a Sagrada Ecritura, constitui a Revelação Divina.

E dizer que a Igreja, 50 anos depois do CVII é autoritária, patriarcal e clericalizada é um pouco cómico...

Confessionário disse...

25 julho, 2024 15:32
Claro que a Igreja peca, porque a Igreja são os membros que a constituem. A Igreja não é propriamente a estrutura a que costumamos chamar de Igreja. A Igreja é, portanto, feita de santos e pecadores, e peregrina conjuntamente como Povo de Deus.

A Igreja precisa naturalmente de uma organização. Mas convém recordar que a organização não é tudo! e que às vezes, para se defender a organização, se esquece o Evangelho.

De certo modo, parece que estamos de acordo em querer algo que ainda não se conseguiu com as "pretensas reformas, anúncios de reforma, sínodos, conselhos, mudanças, novidade, etc. são o que não faltou nas últimas décadas".

Eu não defendo propriamente uma Igreja Primitiva em oposição ao que quer que seja, até porque seria impossível vivermos hoje como se vivia na Igreja Primitiva. Vivemos em contextos completamente diferentes. Diria que na altura era um contexto pré-cristão e agora um contexto pós-cristão.

Eu desejo uma Igreja muito mais missionária e muito mais comunional. Infelizmente, os passos que se almejaram com o Concílio Vaticano II ainda estão longe de se concretizarem. Mudou muita coisa? Sim, mudou. Mas ainda falta mudar muito mais.

Anónimo disse...

A Igreja é mais do que os seus membros. E mesmo em questão de membros, o Corpo Místico de Cristo que é a Igreja é composto também dos Santos do céu. A Comunhão dos Santos é intrínseca à natureza da Igreja. É, portanto, impróprio falar de pecados da Igreja, sem precisão.

Anónimo disse...

Sou religioso leigo estoy ... cansado dessa igreja que fica apenas dentro de templos. Exigindo altares com seis castiçais em capelas de palha... com falsos neo franciscanismo e carmelitanos.

Anónimo disse...

O Concílio Vaticano II tem as costas largas... o modelo dos últimos 50 anos falhou e querem ainda mais daquele "espírito do Concílio" de ruptura que o Papa Bento XVI denunciou. O rei vai nu.

Confessionário disse...

10 agosto, 2024 10:06,
Não me parece que o modelo esteja a falhar. O que está a falhar é o que medeia entre esse modelo e a sua implementação.

Por outro lado, não sei a que se refere ao afirmar que o Papa Bento XVI denunciou como sendo o "espírito do Concílio".

JS disse...

Calma, a revolução está em marcha.
A grande questão é: para se avançar, vale a pena sacrificar a unidade?

Anónimo disse...

"A hermenêutica da descontinuidade corre o risco de terminar numa ruptura entre a Igreja pré-conciliar e a Igreja pós-conciliar. Ela afirma que os textos do Concílio como tais ainda não seriam a verdadeira expressão do espírito do Concílio.

Seriam o resultado de compromissos em que, para alcançar a unanimidade, foi necessário arrastar atrás de si e confirmar muitas coisas antigas, já inúteis. Contudo, não é nestes compromissos que se revelaria o verdadeiro espírito do Concílio mas, ao contrário, nos impulsos rumo ao novo, subjacentes aos textos: somente eles representariam o verdadeiro espírito do Concílio, e partindo deles e em conformidade com eles, seria necessário progredir. Precisamente porque os textos reflectiriam apenas de modo imperfeito o verdadeiro espírito do Concílio e a sua novidade, seria preciso ir corajosamente para além dos textos, deixando espaço à novidade em que se expressaria a intenção mais profunda, embora ainda indistinta, do Concílio. Em síntese: seria necessário seguir não os textos do Concílio, mas o seu espírito. Deste modo, obviamente, permanece uma vasta margem para a pergunta sobre o modo como, então, se define este espírito e, por conseguinte, se concede espaço a toda a inconstância. Assim, porém, confunde-se na origem a natureza de um Concílio como tal. Deste modo, ele é considerado como uma espécie de Constituinte, que elimina uma constituição velha e cria outra nova. Mas a Constituinte tem necessidade de um mandante e, depois, de uma confirmação por parte do mandante, ou seja, do povo ao qual a constituição deve servir.

Os Padres não tinham tal mandato e ninguém lhos tinha dado; ninguém, afinal, podia dá-lo porque a constituição essencial da Igreja vem do Senhor e nos foi dada para que pudéssemos chegar à vida eterna e, partindo desta perspectiva, conseguimos iluminar também a vida no tempo e o próprio tempo" in DISCURSO DO PAPA BENTO XVI
AOS CARDEAIS, ARCEBISPOS E PRELADOS DA CÚRIA ROMANA NA APRESENTAÇÃO
DOS VOTOS DE NATAL, Quinta-feira, 22 de Dezembro de 2005


https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2005/december/documents/hf_ben_xvi_spe_20051222_roman-curia.html

Nunca leu?

Anónimo disse...

"Revolução"...? Isso não deveria fazer soar as sirenes de alarme?

JS disse...

"Nunca leu?"
Sim li. O discurso todo.
Deixe-se de hermenêuticas selectivas.

JS disse...

"Isso não deveria fazer soar as sirenes de alarme?"
Porquê? Isso escandaliza-o? Parece-lhe uma palavra dura? Também quer ir embora?

Anónimo disse...

Nenhuma das minhas publicações lhe era dirigida, JS. Era uma resposta ao autor do blog que parecia não estar familiarizado com a critica de Bento XVI ao "espírito do Concílio" (daí a citação "selectiva", se quiser).

Mas já agora, deixe-se de juizos temerários sobre as supostas "hermenêuticas" alheias. Paz e bem.

Anónimo disse...

Correção: Excepto, a última, evidentemente, em que refiro a "sua" revolução. Essa, naturalmente, é dirigida a quem a quiser ler.