sábado, fevereiro 24, 2024

A nossa língua

Num encontro de padres de diferentes idades e proveniências, antes da refeição comunitária, em bom modo eclesial, rezou-se para pedir a bênção dos alimentos. Qual não é o meu espanto quando o padre convidado para presidir à breve oração o fez em latim. Assim que terminou de rezar, naturalmente a uma só voz, a dele, eu intervim, em tom de brincadeira, para sugerir. Vá, agora, rezemos como deve ser. Alguns esboçaram um sorriso. Insisti, no mesmo tom, perguntando porque rezara em latim e, para aumentar o meu espanto, ele respondeu que era a ‘nossa língua’. Não tenho a certeza se ele entendeu o que disse ou se fui eu que não entendi. Falava seguramente do latim como a língua própria do clero, que o define e o delimita. E esta coisa da ‘nossa língua’ deixou-me inquieto. Durante a refeição pouco mais fiz do que alimentar maus pensamentos para com a ideia de uma certa casta especial que, dentro da Igreja, utiliza uma linguagem ou língua que ninguém entende, muitas vezes, nem os que a usam. Respeito que o colega diga o que pensa e faça como acha que deve fazer, assim como respeito as roupas ou gestos que utiliza e me parecem excessivamente clericais. Respeito a sua postura, porque faço esforço por respeitar as posturas que diferem da minha. Mas não gosto de ouvir expressões que parecem fazer de nós, os padres, gente especial.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O colarinho branco"

9 comentários:

Anónimo disse...

Os conservadores fazem falta. A História é o que é, goste-se ou não. Se o seu colega se sente bem, e sabe, rezar em Latim não vem daí mal nenhum. Respeito as diferenças

Confessionário disse...

24 fevereiro, 2024 16:18,
Eu tb respeito. Não tem mal nenhum rezar em latim. O que importa é rezar.
Mas a questão que me levou a reflectir e a escrever este texto tem mais a ver com a sua resposta, ao dizer que era a "nossa língua".

Anónimo disse...

Percebo o seu reparo acerca da "nossa língua " até porque podia ir ainda mais atrás ao aramaico. Gosto de lê-lo e partilho os seus textos com os meus filhos. Continue a escrever. Um Santo Domingo.

Anónimo disse...

Ahg, Dega l'a 30 e 3

Ailime disse...

Bom dia Senhor Padre,
Também não compeendo, porque se insiste com o latim que praticamente ninguém conhece.
E se é para ser diferente, ainda se compreende menos.
O povo em geral necessita ser esclarecido e também não entendo, porque em certas celebrações o latim seja usado.
É a Igreja conservadora que ainda persiste e que em vez de congregar, afasta.
Ailime

Anónimo disse...

essa é uma língua morta!

Anónimo disse...

Um linguajar defasado pelo tempo, temos que acompanhar a evolução...

Anónimo disse...

"Não tem mal nenhum rezar em latim. O que importa é rezar."

Ora um bom titulo para um post no seu blog.

JS disse...

"Era a 'nossa língua'".
Talvez fosse mais justo entender a frase como afirmação de que o latim é, de facto, a língua de referência da Igreja católica. E, actualmente, é provável que já sejam em maior número os leigos que têm conhecimentos do latim do que os clérigos.

Rejeitar o latim por ser uma língua morta é uma pescadinha de rabo na boca: não se usa por estar morta; e está morta porque não se usa.
Ignorar o latim é perder o acesso a um tesouro milenar da Igreja, litúrgico, musical, literário, jurídico, histórico. E não apenas da Igreja, mas também dos povos herdeiros do Império Romano. Como dominar, por exemplo, a língua portuguesa sem ter umas bases de latim?

Há que recuperar um mínimo de familiaridade com o latim. Atrevo-me até a sugerir que, num domingo ao ano, em cada paróquia, se celebre a eucaristia em latim. Algo que, de certa forma, experimentam os que participam nas missas das peregrinações aniversárias em Fátima. Que não haja vergonha de se cantar também em latim nas nossas assembleias, seja do repertório gregoriano, seja do polifónico. Não o fizeram os jovens na JMJ de Lisboa? Não o fazem em Taizé? Que haja alguém capaz de explicar aos visitantes o significado das inscrições latinas gravadas nas pedras de muitas das nossas igrejas.