Vivemos como se não morrêssemos, como se não tivéssemos de morrer. Num funeral é comum ouvir-se que todos temos de morrer. Mas são apenas palavras de quem sabe que é assim. Palavras que apenas têm significado por serem palavras ditas, mas que não se entendem na sua essência.
Só deveras pensamos nela quando nos toca perto, muito perto, num familiar directo que amamos, num amigo que nos faz falta para viver. Às vezes também ocorre numa pessoa de tenra idade que morre sem explicação ao nosso lado. E sempre numa dança que nos acorda e faz tremer.
Vivemos como se a morte fosse um dado adquirido, mas que pouco tem a ver connosco. A distância que vai entre ela e eu é a distância do não querer pensá-la na essência do que é. E como a morte é uma questão vital à fé, às vezes esta não acontece porque não acontece a morte, ou melhor, porque vivemos como se não morrêssemos.
21 comentários:
A morte, da impavidez ao sobressalto.
…
Fim
Se alguém diz, a “morte é por ali”, a reacção normal será inverter imediatamente o sentido de marcha. A morte costuma estar bem assinalada: “!PERIGO: RISCO DE MORTE”. Já a vida, esta sim perigosa, é um risco não sinalizado. Ninguém grita CUIDADO: “Risco de vida”. A questão vital é de sinalética. Ninguém se quer confrontar com a morte, porque ela, que não é nada perigosa, mais que medo, gera angústia. É o apego à vida que conhecemos que afecta o convívio com tão ilustre vizinhança. Há, de facto, uma grande falta de cordialidade com a morte, mas só por lhe ser dada mais importância que a devida. Não é na morte que devemos procurar a essência do que quer que seja. A morte não tem essência nem ciência nenhuma. A vida cuida-se, a morte enterra-se. Difícil é explicar a essência da vida e a morte nisso é coadjuvante. Claro que nessa explicação entra a luz da fé, porque sem ela a vida perde o seu sentido pleno. E vivermos como se não morrêssemos pode sair caro. Na verdade, a vida está pela hora da morte.
19 outubro, 2015 20:17
Gostei muito do que li...
Só discordo (mas atenção que é uma discordância muito, mas muito pequenina) naquilo da essencia da morte, pois ela tb tem uma essencia, que so se entende intimamente unida à Vida.
Mas gostei muito...
É a escuridão da morte que permite o salto de fé?
Gostei imenso do que li.
Gosto e admiro esta tua forma de nos interpelar.
A morte é um tema que me fascina, não por achar que não morrerei, mas porque a morte é a consequência da vida e vice versa.
Descuramos a vida e talvez por isso tememos a morte, referindo-nos a ela com "Palavras que apenas têm significado por serem palavras ditas, mas que não se entendem na sua essência."
Vem-me à lembrança uma frase que li não sei onde "viver é apenas começar a morrer" um processo que culmina quando deixamos de respirar, quando o físico começa a entrar em decomposição... é aqui que se encontra a essência da vida, é no momento de transição que a essência se revela mas só a quem por lá passa.
Enquanto cada um fala da morte com o que é.
"
Sinto os mortos no frio das violetas
E nesse grande vago que há na lua.
A terra fatalmente é um fantasma,
Ela que toda a morte em si embala.
Sei que canto à beira de um silêncio,
Sei que bailo em redor da suspensão,
E possuo em redor da impossessão.
Sei que passo em redor dos mortos mudos
E sei que trago em mim a minha morte.
Mas perdi o meu ser em tantos seres,
Tantas vezes morri a minha vida,
Tantas vezes beijei os meus fantasmas,
Tantas vezes não soube dos meus actos,
Que a morte será simples como ir
Do interior da cada para a rua.
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
"
20 outubro, 2015 10:42
Não é a escuridão da morte que permite o salto da fé. Mas é a claridade da morte que ilumina a fé.
Ainda bem que morremos! A nossa mortalidade dá sentido à vida e é o fundamento da nossa moralidade. O problema reside no facto de nos esquecermos disso a maior parte do tempo. E porque nos esquecemos, vamos "matando" a vida que vivemos... A morte deveria conferir um sentido especial à vida, mas andamos todos um bocadinho ocupados para pensar nisso... E um dia, num cruzamento, ou ao atravessar uma estrada, encontramo-la e é tarde demais...
As religiões também são um bocadinho culpadas nesta questão de querer "matar" a vida e "enterrar a morte"... na verdade, ao apontarem-nos um caminho de eternidade estão, não só a negar a morte, como a valorizar mais a vida que há-de vir do que aquela que temos agora, ou a condicionar a de agora pela que podemos vir a ter...
Zu, mas o sentido da morte está exactamente nessa outra vida!...
Confessionário,
Agora excedeste-te. Foi mesmo brilhante a tua resposta.
Obrigada.
Sabemos que a vida vem inclinada, que a vida é sempre à beira da morte, que precisamos do eterno agora, mas não aprendemos a cair. Mais do que o confronto com a morte, se calhar a relutância está em confrontarmo-nos com a verdade. Já nem sei se com a verdade de Deus se com a nossa própria verdade.
"mas o sentido da morte está exactamente nessa outra vida!..."
Será que o sentido da morte não é igual ao vida?
Será que o sentido de ambas não é o de "renovar" o ser humano?
Paulina, o sentido da vida e da morte está nessa outra vida, digo eu. Vão aliadas... e se nao vao, ai está o problema maior de uma sociedade que se perde no agora!
20 outubro, 2015 14:29
Obrigada
Mas qual delas? Fiquei curioso
Com a resposta menos esperada.
Bom dia!
" o sentido da vida e da morte está nessa outra vida"
Como vês essa outra vida? De que forma?
Basicamente "penso" essa outra vida em dois planos, não encontrei ainda o elemento de ligação entre ambos.
Daí a minha questão.
Da junção de posições, um dia quem sabe, há-de "fazer-se luz".
Grata.
Paulina, pode ser muito simplista, mas vejo-a exactamente como essa Vida Eterna em Deus dada através da Ressurreição de Jesus.
Paulina
Não sei se isto te serve de ajuda, mas, para começar, tenta pensar na outra vida como a Resposta a todas as tuas questões.
21 outubro, 2015 15:02
Boa ideia
A essência da morte. A morte é essencial. A minha aproximação de Deus, não consegue ver o ato de nascer, sem ter um fim aqui na terra. Nascemos todos bons. Tornamo-nos tantos, tantos, tão maus. Mesmo dentro das nossas casas, núcleos tão pequenos, somos tão maus uns com os outros. Imagino o inferno aqui na terra se não morrêssemos. Graças a Deus, morremos.
Anónimo
21 outubro, 2015 15:02
Até parece que me conheces realmente.
A tua resposta encaixou tão bem, mas tão bem que nem palavras encontro para te agradecer.
É isso mesmo anónimo, a Resposta.
Obrigada!
Fica bem!
:(
Surgiu repentinamente, sem pré-aviso e sem ser esperada, a Resposta para a Senhora Emília.
Ultimamente não saia muito de casa.
Os seus dias eram preenchidos com a ida à missa a catequese e o cuidado constante à irmã gémea acamada há algum tempo.
Mas ontem, apesar da chuva intensa, sentiu necessidade de sair de casa para desentupir as levadas circundantes da casa.
Certamente não imaginava que seria colhida por uma enxurrada provocada pelo rebentamento de dois tanques de rega.
O seu corpo foi encontrado no final da tarde, sem vida.
Facilmente surgem as lágrimas nos olhos de quem a conhecia, era uma pessoa afável, alegre, de bom trato.
Neste momento apetece-me dizer que não foi justa a forma como ela se encontrou com a morte e com a outra vida.
Não é fácil sossegar esta emoção, pois quando pensamos a morte raramente a pensamos destas formas tão bruscas tão intensas tão dolorosas para quem vai e para quem fica.
Desejo com muita intensidade que a Senhora Emília tenha encontrado a alegria e a paz que vivia no seu dia a dia e que tenha encontrado realmente a Resposta a todas as suas questões pessoais.
Que o teu corpo se transforme, que a tua alma descanse em paz, que o teu Espírito encontre a Verdade de que falavas... Sorri como te era característico... (quero muito acreditar que) acabaste de nascer.
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