domingo, abril 27, 2014

O padre que morava sozinho

Este padre já faleceu. Já lá vão uns dez anos e faleceu com mais de setenta. Mas contaram-me esta história que me apeteceu contar também. Era um padre simples de uma paróquia simples. Morava, como quase todos os padres, sozinho. Morava numa casa com três quartos, mas apenas ocupava um. Era um bom padre e não tinha dificuldade aparente em morar sozinho. Levava essa forma de viver como a forma normal de viver de um padre. Como a forma de viver com Deus. Segundo me contaram, não o encarava com desgosto, tristeza ou solidão. Ia partilhando a vida com aqueles que faziam parte da sua simples paróquia. Era uma paróquia simples, mas tinha uma catequese com muitas crianças e adolescentes. Um deles era um acólito assíduo. Tinha feito a primeira comunhão havia pouco tempo e entusiasmara-se no serviço de ajuda à Missa. Numa dessas ocasiões, o padre achou oportuno lançar-lhe a proposta de ser padre. Olha lá, já alguma vez pensaste em ser padre? A resposta não se fez esperar e, na simplicidade de quem não media as palavras, ele respondeu que não. Nem pensar. Que não queria ficar sozinho como o senhor padre. Nem pensar. Não queria viver a vida sozinho. Contaram-me que o padre ficara sem palavras. Imagino que ficara com imensos pensamentos. Os mesmos de quem me contou a história. O padre morava sozinho e provavelmente foi assim que morreu. Sozinho.
Quero fazer votos de que na nossa vida de padres, embora morando sozinhos, nunca nos sintamos sós.

10 comentários:

Anónimo disse...

Imagino que esse adolescente eras tu Padre! E imagino também que a solidão que faz também parte da tua vida por vezes asfixia a tua vida de homem porque antes de Padre és um homem total!

Anónimo disse...

O padre que morava sozinho e que provavelmente morreu sozinho não estaria com certeza sozinho.
Há tanta gente que mora com outras pessoas mas que está sozinho.

Acho que a solidão é uma questão interior, diria mesmo que é uma questão Espiritual e não uma questão de companhia física.

Particularmente não gosto de estar só, mas também não abdico dos momentos de silêncio muitas vezes forjados nessa solidão triste de ter companhia mas estar realmente só...
Atrever-me-ia a dizer que é nessa solidão "tumular" que se dá o ENCONTRO.

Anónimo disse...

Boa tarde,
esse padre que morava sozinho, e como diz "não tinha dificuldade aparente em morar sozinho", provavelmente morava sozinho, mas com certeza não estava sozinho, pois os seus dias deviam ser preenchidos pelos amigos, pelos paroquianos, e quando ia para casa aproveitava para por as suas coisas em dia, e até com Deus, pois durante o dia,com os seus afazeres não teria o tempo suficiente, ou talvez um local tão intimo para falar com Ele.

se calhar ele morando sozinho não se sentia só.
Situações dessas, se calhar acontecem mais com outras pessoas, que mesmo tendo família (filhos...)
esses sim vivem mesmo sozinhos e sós.
Não se preocupe Sr Padre, que tenho a certeza que nunca se vai sentir só, pois além da companhia sempre presente Dele, por tudo o que conhecemos, e nos transmite através destes textos, o seu coração e a sua maneira de ser, "NUNCA VAI PERMITIR QUE O SR PADRE SE SINTA SOZINHO OU SÓ"
BJS

Anónimo disse...

O Padre que morava sozinho, seria uma imagem da tua pessoa padre? Será que Deus nos quer na solidão,para O amar melhor? Acredito que a solidão abre espaços para o infinito.
Jesus esteve quarenta dias no deserto. Não me parece que Ele vivesse aí uma solidão. No entanto Deus criou-nos para viver em grupos, em comunidades, em paróquias bem estruturadas. Se esse padre viveu e morreu sozinho, na aparencia porque Deus devia estar sempre ao seu lado. Mas compreendo, o Padre precisa de alguém para o ajudar... Para se encontrar com Deus e com os irmãos.
Padre confessionário não te isoles. Reparte com os outros a tua alegria, a tua felicidade. Ajuda os que por vezes estão fechados em si mesmos.
boa tarde.
bjs.

Anónimo disse...

Um dia estava a rezar!... Sózinho...
Olhei o céu, estava escuro. Voltei a olhar apareceram as estrelas. Horas depois, apareceu o sol vaidoso, com o seu brilho encantador.
Rezei, chorei, cantei...
Onde estás Tu ó meu Deus? Senti-me sozinho, abandonado, porém senti dentro de mim a voz daquele que enche a minha vida. Já não estou só.
Deus está comigo. No meu coração. Não tenho medo, quero viver só em Ti.
Um abraço.

Anónimo disse...

Não tenhamos grandes ilusões! Ninguém, nem mesmo um Deus próximo, preenche completamente todos os vazios da nossa alma. Moremos sozinhos ou acompanhados todos vivemos e convivemos com a solidão. O que não é mau de todo. A solidão até é uma boa professora. É a frustração da nossa ânsia de contacto, relação e partilha que nos dá a noção da nossa insuficiência e incompletude. Se não sentíssemos a solidão dentro de nós, se não lhe provássemos o amargo do sabor, provavelmente nunca nos aperceberíamos que a nossa felicidade se deve muito aos outros. A solidão tem o condão de nos fazer perceber que somos seres com diferentes sentimentos e emoções em busca da plenitude e que precisamos da imediação dos outros, nos seus diferentes papéis, para que a nossa vida seja vivida em todas as suas dimensões. Em certo sentido a partilha é uma forma egoística de tentar vencer a nossa própria solidão. Mas a constância da sua presença faz-nos perceber também que os outros não suprem todas as nossas necessidades, que não são feitos à exacta medida da nossa solidão, que precisamos de mais, contanto que às vezes nem saibamos bem o quê! E há momentos e momentos, todos os temos, em que não temos ninguém ao nosso lado e bem precisamos e merecemos ter. Olha Jesus no Monte das Oliveiras! O importante é que saibamos acolher a solidão nas nossas vidas, com freio curto, para que não se se torne numa daquelas solidões instaladas, monstruosas e impossíveis de domar, que são apenas fonte de sofrimento. Afinal a nossa atitude perante a vida diz muito acerca da nossa solidão e da de quem nos rodeia. Somos nós os principais responsáveis por ela. Não vale a pena é tentar encobri-la, nem mascará-la, porque ela vai estar sempre lá! E quando morremos, ao atravessar aquela porta, penso que ninguém vai acompanhado, o mais que pode acontece é encontrar logo companhia e da boa! E se assim não for, ninguém vai estar vivo para se desiludir (esta foi só para provocar um bocadinho)!

PR disse...

Bom dia,
Anónimo de 28 Abril, 2014 20:59
Que magnifica reflexão, fiquei rendida...
A forma como se expressou demonstra(na minha opinião) uma pessoa culta, inteligente com uma alma humilde, e um espírito nobre.
Obrigada!

Unknown disse...

Padre,
A solidão é,cada vez mais, um problema dos nossos dias.
Admito que há mais que uma vertente de solidão. Há os que vivem sòzinhos sem terem companhia nem amor por perto, muitas vezes também fruto da sua maneira de ser e estar e de difícil convivência, que acaba por se ir agravando com o tempo. Também há os que têm família mas que são ignorados por esta e aí a tristeza e a revolta serão maiores. Mas também há os que, estando numa ou noutra das situações, têm uma alegria interior que os leva a discernir e cultivar algo que os mantenha activos e ajude a ultrapassar a sua solidão que, não obstante, em algum momento irão sentir.Sou levada, pois, a pensar que a solidão, na sua inteira acepção, é
fundamentalmente um problema de ordem psicológica ou espiritual.
É evidente que, se houver um envolvimento religioso, será mais fácil ultrapassar a situação.
No entanto, acho ser um problema social que requer estruturas que possam suavizar uma situação que quase todos nós iremos viver algum dia.
Também penso que só muito amor a Deus e ao próximo poderão levar um jovem ao sacerdócio, pois desde logo está condenado a muitos momentos de solidão que, por vezes, serão difíceis de ultrapassar.
Beijinho
Ruth

Anónimo disse...

Nós estamos a por o acento no padre que morava sozinho, mas parece-me que o Conf estava a por o acento no miudo que não queria morar sozinho, isto é, o problema não será o dos padres que aguentam viver sozinhos, mas da falta de vocações porque este estilo de vida solitário não convence ninguém.
Certo, Conf?

Confessionário disse...

30 Abril, 2014 12:54
Não será tão declaradamente assim, mas de facto o acento, para mim, está no rapaz que não quer ser padre para viver sozinho!