A mãe apanhou-a a tirar dois iogurtes do frigorífico. Era a pequenita que fazia o pequeno-almoço para a escola e o metia na mochila. A mãe andava a estranhar, porque os iogurtes desapareciam num instante. Nunca perguntou. Nunca procurou. Nunca se questionou. Mas há dias viu a sua pequenita ir discretamente ao frigorífico buscar dois iogurtes. Como o hábito antigo era levar apenas um, a mãe perguntou-lhe o motivo pelo qual levava dois e ainda por cima de forma sorrateira, para que ninguém desse conta. Primeiro, a pequenita corou. Depois, como se estivesse a fazer uma confissão, explicou que havia uma colega dela que não tinha nada para comer. Disse o nome da colega, o que agora não interessa para o caso, e pediu desculpa à mãe. Claro que a mãe ficou sem palavras e ela própria ajudou a filha a colocar os dois iogurtes na mochila acompanhados de um longo beijo na testa corada da pequenita. Não tem mal, filha. Podias ser tu a precisar de comer, e eu também ficaria feliz se alguém te levasse um iogurte para comeres.
A história, que me foi contada como verídica pelo pai, em quem confio, prendeu-me e rendeu-me à imagem daquela criança, pequenita, corada, com dois iogurtes na mão, qual Robin dos Bosques, para dar à amiga. Não acho que tirar aos ricos para dar aos pobres seja uma atitude muito cristã. Não deixaria de ser um tirar aos outros. A atitude mais cristã é a de tirar do nosso bolso para por no bolso dos outros, sobretudo dos que mais precisam. É a solidariedade cristã, que tão pouco se vê. Nós gostamos mais daquela solidariedade com a qual apontamos o dedo aos ricos para que eles partilhem com os pobres, sossegando assim a nossa consciência porque, afinal, nós temos a teoria certa. Só não damos conta é que o mais importante não é a teoria, mas a atitude certa. E esta é rara. A não ser naqueles que, como esta criança, teimam em ser livres e simples. A não ser como aqueles que vêm a beleza do mundo nos outros, porque o mundo não sou só eu, mas eu e os outros. A não ser naqueles que vivem a fé a pensar nos outros.
8 comentários:
"...tirar do nosso bolso para por no bolso dos outros..."
Uma história muito rica.
Acredito que como essa história há outras.
Aproximou-se da porta da vizinha o funcionário da empresa de electricidade, trazia instruções para cortar o fornecimento de energia por falta de pagamento.
Eu estava a varrer as escadas e por ali fiquei a varrer cinquenta vezes o mesmo local.
Tocou a campainha e ninguém atendeu.
Quando me certifiquei que não estava ninguém em casa, aproximei-me do funcionário e pedi-lhe para não levar a cabo a tarefa de que havia sido incumbido.
Como era a primeira vez e depois de eu lhe dar garantia de que a divida seria regularizada ele foi-se.
A seguir fui eu, peguei no carro que me acompanha há muitos anos a precisar de uma completa reparação exterior e interior e fui como se diz por estes lados à cidade pagar a conta da vizinha do lado que até tem dois filhos o marido bebe demais e ela apesar de trabalhar duramente não consegue esticar o dinheiro.
Não vou dizer que pelo caminho não se me levantaram mil e uma questões.
A precisar de um olhar mais atento era o carro era o sofá era a fechadura da porta que precisava ser substituída de quando em vez prega uma partida, algumas divisões da casa a precisar de uma pintura pois não escaparam ilesas a um inverno bastante húmido e algumas outras.
Todas estas vozes não foram fortes o suficiente para me fazer dar a volta.
Só eu e Deus soubemos da história provavelmente agora saberá quem entrar neste espaço.
Acredito que ninguém especialmente os pobres e as crianças que são os mais generosos, ficam indiferentes a situações de miséria que muitas vezes estão ao nosso redor.
" apontamos o dedo aos ricos para que eles partilhem com os pobres, sossegando assim a nossa consciência porque, afinal, nós temos a teoria certa " verdade é mais simples e cómodo apontar o dedo dar palpites elaborar discursos formais carregados de um milhão de boas intenções dirigidas ao bom coração dos outros, do que dar do que somos e "possuímos".
19 Março, 2014 09:00
Muito bonita a tua história. Agradeço muito a partilha.
Gostei! Caiu uma lágrima...ou duas ou três!
Ainda bem que ainda há pessoas assim...
Ainda fico impressionada com a pureza e o coração das crianças... Nada fica indiferente a eles. Não é à toa que nosso mestre Jesus diz que só quem tem esse coração entra no reino dos céus!
Bom dia e obrigada por mais esta partilha, o pensamento que mais me atormenta é pensar que poderá haver uma criança perto de mim e que tenha fome. É mesmo uma coisa que me causa um mal estar que nem sei explicar.
Queria pedir ao Pai, que faça com que eu nunca passe perto de uma dessas crianças e não consiga ver a necessidade dela, pois acho que ninguém, por mais "mau"que fosse conseguisse passar sem lhe matar essa fome.
Felizmente, ou infelizmente, não sei, já tive oportunidade de fazer esta boa ação, várias vezes e por isso agradeço ao Pai a ajuda que me deu, e espero que continue a dar, para continuar a contribuir com estes pequenos gestos (para nós) mas que tanto valor tem para quem os recebe.
"A atitude mais cristã é a de tirar do nosso bolso para por no bolso dos outros, sobretudo dos que mais precisam" Gostei muito. Pois por vezes esquecemo-nos que do pouco que temos o pouco que damos é muito. Apesar de tudo, não sei se viram o estudo que passou na televisão, os que mais dão, são os que menos têm...
Anónima 19 Março, 2014 09:00 impressionaste-me com a tua partilha.
Uma das declarações que mais simpatia me despertou em relação ao Papa Francisco foi aquela em que ele disse que os cristãos não se podem demitir da política. [E aqui entenda-se política não como profissão dos políticos, mas - como devia ser - como participação cívica que é responsabilidade de todos e todas.] Eu concordo que, face a uma situação de carência, nós cristãos devemos ser os primeiros a agir e a agir directamente seja dando alimentos, seja pagando contas, seja reconstruindo casas, etc. Agora esta primeira linha de acção não pode ser desligada daquilo que é a resolução da origem do problema. Porque de outra forma, estaremos eternamente a solucionar pequenos problemas e, assim, a aliviar a nossa consciência, enquanto mil outros problemas surgem. Por cada esmola que se dá a um sem-abrigo, há outro a precisar de ajuda ao virar da esquina. Por isso tirar do nosso bolso não chega. É preciso ir ao cerne da questão e esse mexe necessariamente com a existência de ricos e pobres, como o enorme fosso social que é fomentado por esta passividade, por este ir resolvendo probleminhas que nos deixa muito orgulhosos de nós próprios mas que não resolve a vida aos milhões de pessoas que passam fome todos os dias. É preciso cortar o mal pela raiz e o mal é sem dúvida alguma a riqueza. Conheço uma assistente social que costuma dizer: não é preciso erradicar a pobreza, é preciso erradicar a riqueza. E só no dia em que todos nós - independentemente dos gestos concretos do dia-a-dia - lutarmos por um mundo de igualdade é que viveremos afectivamente a mensagem de Deus.
Já agora... porque me acabo de cruzar com esta hermana e porque acho que ela explica melhor o que eu estava a tentar dizer: https://www.youtube.com/watch?v=sJ3ePHWbuSE&feature=share
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