sexta-feira, janeiro 04, 2013

A dona Olímpia e o menino Jesus da cabeleira

A dona Olímpia é tão boa, tão boa, que vê bem em tudo, porque vê com o coração dela que é bom. Já tinha reparado, mas há dias desfizeram-se-me todas as dúvidas. O que vou contar aconteceu numa destas tardes de inverno, depois de ter passado aqui pela paróquia um senhor especialista que veio investigar umas imagens de vestir que andam, ou melhor, estão aqui pelas capelas da paróquia. Uma dessas imagens era um menino Jesus que o meu sacristão deixou de cima de uma arca. Tratava-se de um menino Jesus com roupinha feita pelas senhoras da terra e uma cabeleira comprida, que ele merece. Aliás, não se põe cabelo ao menino se não for para se ver bem ao longe. Por isso que seja comprido. Era uma cabeleira que eu diria mais apropriada para um Senhor Jesus de barba rija, com carreiro ao meio e tudo. Mas pronto. Era, enfim, uma senhora cabeleira. Ora o malvado do padre, que sou eu, resolveu brincar com a cabeleira revirando ou remexendo o cabelo para o lado, isto é, deixando o carreiro ao lado, e fazendo com que a imagem parecesse mais um roqueiro dos modernos que outra coisa. E assim cada vez que alguém passava, o padre perguntava o que achava daquele Jesus moderno. As senhoras com a boca a tapar o riso, compunham de novo a cabeleira. Só que o padre teimava na brincadeira, até que apareceu a dona Olímpia. Vinha para me dar um pequeno recado, mas não se livrou da malvadez do padre e da cabeleira ao lado. Dona Olímpia, como vai a senhora, perguntou o padre sem a deixar dar o recado. E ainda sem receber a resposta foi logo indagando. O que acha deste menino Jesus com este penteado moderno, dona Olímpia. E a dona Olímpia foi logo dizendo. Ai tão lindo que ele está. Foi o senhor padre. Só podia. O senhor padre só faz coisas lindas. Disse-o de forma convicta, que eu sei e já falámos disso. Deu o recado. Saiu. E eu, envergonhado, compus a cabeleira, e pensei para comigo. Aqueles que tudo vêm com um coração sem maldade, não vêm a maldade das coisas.

10 comentários:

Anónimo disse...

ahahahah... grande gargalhada e grande ensinamento!

Anónimo disse...

Gostei imenso da frase: "Aqueles que tudo vêm com um coração sem maldade, não vêm a maldade das coisas."

Adalberto Macedo disse...

Para todos um Bom Ano Novo
Eu não conheço a D. Olimpia, e não sei se ela é assim tão boa, tão boa …. Mas sei que há boa gente para quem : Padre locuta est - causa finita est.

luisemila disse...

Fantástico... Luís Lopes

Peregrino disse...

“Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes.” (1 Coríntios 1,27)

Bons momentos que me proporcionastes com este episódio que nos traz mais um pouco de luz ao caminho… grato..

Um bom ano …

Anónimo disse...

Boa noite!
"...o malvado do padre..."
:)
Gostei muito desta expressão.

Eu teria dito algo semelhante a: muito bom quem sabe desta forma trazemos alguns até à igreja e afugentamos outros...

Valeu... e valeu tb o sorriso de orelha a orelha ao imaginar esta cena acontecer na paróquia onde moro...
:) :) :)

Ana Melo disse...

Sim padre! Temos as “nossas igrejas” cheias demais! de altares, toalhas bordadas e arranjos florais! Sim padre! São coisas demais a distrair-nos nas “nossas igrejas”!

Eu tinha pedido descanso, mas Deus não me quer descansada!!!! Que a PALAVRA falada, lida, e experimentada, me esteja sempre á mão. Que a verdade, e o desprendimento, com que tento viver, não deixem aproximar de mim coisas que distraiam (caminho duro!!!).Que não me abandone o "esforço do amor” (sou pouco beijoqueira na rua!!!), pelos que comigo se vão cruzando.

A dona Olimpia disse sobre si uma frase giríssima! deve-o ter deixado todo! a sorrir!

Eu adoro! quando alguém diz, sobre mim, uma frase do género“ a Ana Maria é meia estranha!!! Aí! eu também sorrio toda.

Unknown disse...

Pois,Padre,acho que a D.Olimpia podera ter um coracao sem maldade mas, parece-me mais uma atitude propria do seculo passado, eivada de servilismo perante alguem considerado um ser superior (o padre)e que existia particularmente na provincia. Seria que, no fundo do seu coracao, sentia, de facto, tudo o que dizia ou seria adulacao, ainda que de forma ingenua?
Tambem, muitas vezes,os coracoes
demasiado simles nao sao os mais sinceros.
Beijinhos
Ruth

Anónimo disse...

E também tem pessoas que veem sim a maldade das coisas, porém por respeito ou para evitar discussões acham melhor se calar, e fingir.

Anónimo disse...

Eu devo ser como a D. Olímpia… de férias fomos ontem jantar fora. Hoje alguém comia o que trouxe a mais porque estamos em tempo de poupar. Dizia alguém: ah vê ontem teve de pagar hoje é de graça. E o trabalho que deu? Eu enquanto lavava a loiça digo para comigo, é mesmo boa está a pensar no trabalho que teve a cozinheira para fazer estas costeletas enormes e nem comentou o preço… então acrescentou: O trabalho que isto deu a comer! :P