sexta-feira, setembro 14, 2012

Promessa é promessa

Param a procissão com uma conversa de meia idade que começa numa discussão e acaba em berros. Não conheço as senhoras nem propriamente a procissão. Contaram-me que o peso do andor ronda várias toneladas carregadas por quatro homens possantes que a procissão é longa e o peso pesa. As senhoras fazem parte de um grupo de cerca de dez que fizeram promessa de carregar o andor. Não são possantes, mas fizeram promessa. São mais que quatro, mas fizeram promessa. E não há quem as demova. O padre que lá está há vários anos já nem liga. Promessa é promessa. E as senhoras berravam uma com a outra parando a procissão. Porque eu fiz uma promessa. E eu também. Mas eu fiz já lá vão dez anos. E eu já lá vão uns vinte. Só faltou a estalada. Uma puxa pela ponta do andor. A outra puxa pela manga do casaco da outra. Tudo a olhar como se o espetáculo aprimorasse a procissão. Quer-me parecer que a promessa é mais uma forma de as pessoas se mostrarem devotas do que por serem devotas. Quer-me parecer que a promessa é mais para os outros verem do que para ser vivida. Mas quando é que esta gente promete ser boa e fazer o bem?

6 comentários:

Ana Melo disse...

(Várias toneladas!!! O percurso é grande!)

Foi muma destas promessas/procissões! Tinha para aí 11/12 anos! A minha mãe tinha prometido eu ir de anjo! (nunca soube, não quero saber “são aflições sempre!” qual era a promessa, mas devia ser qualquer coisa boa, que eu estou prá qui feliz, bonita e agradecendo diariamente a generosidade de Deus comigo)

Já lhe falei deste meu pecado, muito recorrente -a lingua destravou nesta altura!! a “coitada” da minha mãe começou a ter noção, em relação a mim, do quanto eu sabia utilizar alguns palavrões e o quanto as palavras ferem! (tendo em conta os mandamentos, tenho outros pecados!! sei quando começaram, sei quando acabaram, mas como conversão é caminho, “ainda” estou em duvida no arrependimento!)

Bom!! eu fui de “anjo” mas não sem rogar 300mil pragas às promessas da minha mãe…

Costumamos arranjar desculpas, nos outros, para as nossas ações, “muitas” das minhas desculpas em relação à minha aproximação ou afastamento da missa, da comunhão, começam +/- aqui, nas procissões/promessas!!

Mas! promessa é promessa! tudo isto nos ensina principalmente a humildade, ainda hoje respeitando, porque em altura de aflição se apela a tudo, (se fossem só as procissões já não era mau!) - na generalidade das pessoas, confio nisso, promessas são para se cumprirem… e quanto mais se adiam …

Anónimo disse...

Padre,
Fico sempre consternada com estas historias de promessas; como e possivel acontecerem factos como estes em pleno sec. XXI?
Compreendo, sem duvida que ha situacoes limite em que a resolucao humana e, ou quase, impossivel e e natural que em situacao de completo desespero se implore de Deus, Na. Sra., ou qualquer Santo,essa graca, estabelecendo como que um "contrato"- se me concederes "x" eu prometo "y"; mas se a graca se opera ha uma reviravolta - ai e tomada consciencia da impossibilidade dessse cumprimento.
Ora isto nao e fe: se calhar, na possivel resolucao do problema inicial ja entraram videntes, bruxas, etc. Nao compreendo, tambem, como e que ainda ha paroquias que organizam peregrinacoes a pe, com todos os riscos que implica o andar a pe em estradas, confrontando-se com automobilistas cada vez menos cuidadosos, pelo que, por vezes, atingem a eternidade sem cumprirem a promessa: de notar que na maioria,os peregrinos sao idosos.
E natural que as pessoas que ficam com promessas por cumprir, por vezes durante anos,comecem a ficar preocupadas a medida que a esperanca de vida comeca a diminuir.
Parece-me que, nestes casos, deveria haver um aconselhamento e uma mutacao da promessa.O que acha? Nao sei se estou a ser demasiado racional, mas acho que ate na fe devera haver um minimo de racionalidade.
Anonimo

Mar disse...

Muito complicado o manifesto sobre o tema ,porque à situações de desespero em que a pessoa acaba por não avaliar bem o que promete,se envolve segundas pessoas e se as podemos cumprir .
Quanto a mim nalgumas encontram-se pouca fé ,mas cabe a cada um pensar exatamente o motivo.
À muitas formas de chegar a Deus ,ELE está em nós, é a entrega,o recolhimento,a Fé ,a certeza de que nos escuta e principalmente a humildade que nos leva a Jesus,como me diz o meu ex Prior Pe. António que tanta Saudade nos deixou.
Caminhar, Peregrinar para mim é Louvar,agradecer,é sentir a cruz que ELE carregou por todos nós.

JS disse...

Olá, Confessionário!

Alguns pontos:
Num tempo em que já ninguém acredita em promessas, e em que a honra da palavra dada anda pelas ruas da amargura, deves resistir à tentação de desvalorizar ou erodir o significado deste tipo de promessas aos santinhos. Compreendo, bem demais, a tua posição; mas olha que o verdadeiro perigo está do outro lado: as pessoas habituarem-se a brincar com estas coisas, e tornar-se-lhes indiferente o cumprimento das promessas feitas num contexto de fé.

O que faz falta é formação. É preciso explicar às pessoas que sejam prudentes na hora de fazer promessas, sobretudo quando acabam por envolver outras pessoas ou estão condicionadas por circunstâncias que nao controlam pessoalmente. Nesses casos, as pessoas não se devem sentir obrigadas ao cumprimento, podendo alterá-las ou comutá-las, a conselho de algum sacerdote.

É preciso pedir às pessoas que sejam capazes de avaliar da recta intenção das suas promessas, para evitarem cair na vaidade, ou entrarem numa relação “comercial” com Deus. E que favoreçam sempre a opção da caridade, que é a mais valiosa aos olhos de Deus. Mesmo quando resulta numa promessa mais escondida e mais complicada de realizar. Deus vê no segredo...

E é preciso pedir às pessoas que aceitem algum tipo de organização e de normas para evitar confusões e atropelos, desnecessários e que acabam por ser um contra­testemunho. No caso relatado, bastaria que alguém, da comissão de festas, ou da fabriqueira, assumisse o encargo de elaborar um rol ou lista com o nome das pessoas que têm promessas relativamente a este ou aquele andor (enfeitar com flores, acolher em casa, transportar...), lista essa que estabeleceria a ordem do cumprimento e que seria cuidadosamente guardada de ano para ano. Ou então, o remédio santo: a partir do próximo ano, àquele andor só pegam homens, que o lugar das mulheres é na cozinha.

Idalina disse...

"...o lugar das mulheres é na cozinha."... ó JS, com um comentário destes o melhor é começar a fugir, está a arriscar-se a uma "tareia virtual"!!

Anónimo disse...

Já há algum tempo que não visitava o confessionário. Inspirador como sempre! :)