Esta história dos pecados deixa qualquer um congelado, mesmo que se pense numa fogueira eterna. Não é com medo, mas estático, sem saber que dizer para ser conforme aos pensamentos de Deus. Fantasiamos um final do mundo todo calamitoso. Deus com uma vara de muitos quilómetros a apontar destinos, a vergastar os mais distraídos. Não me parece.
Assim ela veio ter comigo com o rosto macerado. Repito macerado, porque as marcas não eram visíveis, mas perceptíveis nos olhares, no seu fechar constante e tremeliquente, nos gestos, nos tiques, na forma de abrir a boca, como se esta não se pudesse abrir muito porque podia sofrer as consequências. Perguntei da sua aflição. Ela falou que já não era aflição. Era a sua vida. Vivia com isso desde pouco tempo depois de casar. Tivera filhos. Adorava-os, mas preferia que tivesse sido com outro. Intriguei-me. Continuou. Padre, ele não sabe dar amor. Todos os dias deixa de ser ele próprio para ser o álcool. Até tenho medo de sair, de ir à missa. Já levei muitas, mas o pior foram as que se evitaram porque o estado moral estava já bem tratadinho. Como aguenta, perguntei-me. O peso da moral impedia-me de lhe perguntar. Os divórcios não foram feitos por Deus, penso. E embora estejam previstas as anulações, não são fáceis, como convém para que o matrimónio seja um dos maiores dons de Deus. A forma mais intensa do amor. Porém, apetecia-me perguntar. Mas a resposta veio na sua afirmação seguinte. Se não fosse pecado, deixava-o. Olhei-a com ar maternal zangado. O de uma mãe que quer repreender a atitude ou a postura ou a posição, mas que continua a amar o seu rebento porque ele precisa de sentir o seu amor. Afinal, de quem é o pecado? Esta saiu-me só para mim. Nesta conversa com ela conversei muito comigo. Para ela apenas o olhar maternal zangado. Esperei que ela entendesse que eu não conseguia dizer mais nada, mas que queria dizer tudo, esta tensão entre aquilo que é correcto e aquilo que é necessário, entre aquilo que é amar e aquilo que é sofrer, entre aquilo que é viver e aquilo que é deixar-se viver, entre aquilo que é sacrifício por amor aos homens e aquilo que é sofrer por amor a Deus, entre aquilo que os outros nos ensinam e aquilo que a vida nos ensina, entre aquilo que Deus quer e aquilo que Deus não quer, entre aquilo que é pecado e aquilo que é mal, entre o que aprendemos na catequese e o que aprendemos com o Evangelho, entre o que o senso do religioso nos diz e o que o senso da fé nos diz, entre a formação cristã convergente e a formação cristã divergente. Falei. Falei para mim, calado. E como demorei, ela indagou. Não diz nada, senhor padre? Não sei se seria pecado, minha senhora. Não me parece. Mas tenho a certeza que a sua força é um dom de Deus.
Assim ela veio ter comigo com o rosto macerado. Repito macerado, porque as marcas não eram visíveis, mas perceptíveis nos olhares, no seu fechar constante e tremeliquente, nos gestos, nos tiques, na forma de abrir a boca, como se esta não se pudesse abrir muito porque podia sofrer as consequências. Perguntei da sua aflição. Ela falou que já não era aflição. Era a sua vida. Vivia com isso desde pouco tempo depois de casar. Tivera filhos. Adorava-os, mas preferia que tivesse sido com outro. Intriguei-me. Continuou. Padre, ele não sabe dar amor. Todos os dias deixa de ser ele próprio para ser o álcool. Até tenho medo de sair, de ir à missa. Já levei muitas, mas o pior foram as que se evitaram porque o estado moral estava já bem tratadinho. Como aguenta, perguntei-me. O peso da moral impedia-me de lhe perguntar. Os divórcios não foram feitos por Deus, penso. E embora estejam previstas as anulações, não são fáceis, como convém para que o matrimónio seja um dos maiores dons de Deus. A forma mais intensa do amor. Porém, apetecia-me perguntar. Mas a resposta veio na sua afirmação seguinte. Se não fosse pecado, deixava-o. Olhei-a com ar maternal zangado. O de uma mãe que quer repreender a atitude ou a postura ou a posição, mas que continua a amar o seu rebento porque ele precisa de sentir o seu amor. Afinal, de quem é o pecado? Esta saiu-me só para mim. Nesta conversa com ela conversei muito comigo. Para ela apenas o olhar maternal zangado. Esperei que ela entendesse que eu não conseguia dizer mais nada, mas que queria dizer tudo, esta tensão entre aquilo que é correcto e aquilo que é necessário, entre aquilo que é amar e aquilo que é sofrer, entre aquilo que é viver e aquilo que é deixar-se viver, entre aquilo que é sacrifício por amor aos homens e aquilo que é sofrer por amor a Deus, entre aquilo que os outros nos ensinam e aquilo que a vida nos ensina, entre aquilo que Deus quer e aquilo que Deus não quer, entre aquilo que é pecado e aquilo que é mal, entre o que aprendemos na catequese e o que aprendemos com o Evangelho, entre o que o senso do religioso nos diz e o que o senso da fé nos diz, entre a formação cristã convergente e a formação cristã divergente. Falei. Falei para mim, calado. E como demorei, ela indagou. Não diz nada, senhor padre? Não sei se seria pecado, minha senhora. Não me parece. Mas tenho a certeza que a sua força é um dom de Deus.
33 comentários:
Ainda estava eu a meditar no post anterior e a pensar na relação entre fé e razão....
Declarar um casamento nulo não é fácil mas não é impossível.
Não valeria a pena investigar a vida desse casal antes do casamento para ver se haveria hipótese de declarar o casamento nulo?
Não valeria a pena conversar com alguém que estivesse num tribunal eclesiástico para ver se haveria alguma situação à priori do casamento que se enquadrasse nas previstas no direito canónico?
Bolas, Deus não nos cria com tanto amor para levarmos porrada!
Senhor Padre, já agora, qual é a definição exacta de Pecado?
"... também eu não te condeno."
...
Mas, com tantos séculos de subtilezas de interpretação da Lei, a Igreja nunca reparou que não é proibido à mulher repudiar o homem, mas apenas ao homem repudiar a mulher? :)
(brinquemos um pouco, enquanto o Vento não sopra...)
Abraço, Padre.
Maria, qualqer dia escrevo mais sobre isso... ou reescrevo. Mas se alguém quiser dar-te uma resposta...
Obrigada por este blog, e principalmente por estas palavras, fiquei tao tocada a ler... A relacao que tenho com Deus, que confesso que voltou depois de muitos anos de distancia, foi devido a alguem como voce. As suas palavras no final do post sao extraordinarias... Obrigada.
"...até que a morte os separe"
Será esta a única solução para casamentos assim?
Será pecado deixa-lo? Quantas vezes ela não terá desejado a morte?(a dela ou a dele). Esta mulher não vive, deixa-se viver.
Há dores que não valem um casamento.
É pecado deixa-lo? Também não sei, mas penso que Deus não quer que se sofra por sofrer, que se viva por viver. Deus criou o Homem para ser livre e feliz.E é esse Homem que tira a liberdade ao seu irmão de viver feliz.
Obrigada por tudo que partilha, gosto muito de passar por aqui, apesar de como hoje, me tenha tocado demais esta situação.
Há tanto disto por aí espalhado!
E as sevícias morais, as que se sentem mas não se vêm?
Dói tanto...
A indissolubilidade da casamento!?
Deve ser-se maltratado apenas porque... é pecado?
Beijos peregrinos
Amigo!!!
pecadoooooooooooooo??
mas qual pecado??????
então e o outro que anda á pancada á mulher é santo????
Olha!! desculpa!!! mas eu não suporto ,mesmo essas situações, ultrapassam-me, a sério!!!
E tenho a certeza que a Deus também!!
beijinhos!!!
:)))
mmtmtmtmtmtmtmt bonito tuiaginho
Uma definição simples de pecado seria: ofensa consciente feita a Deus, quando desobedecemos à sua lei!
Neste caso, penso que quem está em pecado e dos mais graves que possa existir é o marido.
E concordo contigo Maria...
Na verdade há coisas que nos deixam sem palavras!!!
E será que não se pode fazer nada pelo senhor?... Bem sei que nestas situações é muito fácil falar e mais difícil fazer, mas será que este homem é um caso perdido?... Não poderá haver ainda uma esperança que as coisas mudem para ele, e, consequentemente para a família?
Um grande abraço
Não me parece, Sonhadora. Houve já várias tentativas. sabes que nestas coisa, tudo depende da pessoa... e essa geralmente não vê problema algum!
Goldmundo, a Fá tem umas palaras para ti num texto anterior.
Carissimo Padre
Porque é um assunto que me toca e conheço na minha vida, (não a violência conjugal, mas a separação, o divórcio, a nulidade, etc), gostaria de lhe deixar uma achega, sem querer de modo algum "ensinar o Padre Nosso ao Vigário".
Porque já me foram colocados casos parecidos e me lembrava de ter lido sobre o assunto, fui procurar.Diz-nos um documento chamado "Pastoral dos Divorciados Novamente Casados" o seguinte no seu ponto 42,43,44 e 45 para além de muitos outros:
cito apenas alguns excertos
"Mas a vida concreta dos casais pode chegar a situações tais..., que pode tornar legitima a «separação».
"A separação deveria constituir um remédio extremo...."
"Para receberem os sacramentos, os separados, (entende-se vivendo sozinhos), são convidados a, para além de cumprirem os deveres gerais da vida cristã, manterem viva a exigência do perdão pr´pria do amor e a estarem sinceramente dispostos a interrogar-se, para agirem consequentemente, sobre a oportunidade ou não de retomerem a vida conjugal"
Também a Familiaris Consortio fala no assunto no ponto 83.
No Compêndio do Catecismo, no ponto 348, diz claramente que a Igreja admite a separação fisica dos esposos, sob determinadas condições, onde me parece essa estará sem dúvidas incluida.
Há ainda a possibilidade de estudo da nulidade do Matrimónio.
espero ter ajudado alguma coisa.
Abraço em Cristo
Também eu já sofri, tinha dois filhos a testemunhar, acabei por pedir o divórcio, acho que não é pecado, desde que nos mantenhamos fiéis a esse casamento, ou seja vivamos sem cometer adultério. Pois perante DEUS continuo casada com o meu marido, mas deixei de levar pancada.
Beijinhos para todos
Carissimo Padre
Permita-me que acrescente mais uma informação sobre o assunto.
O Cânone 1153 do Código de Direito Canónico fala precisamente na legitimidade da separação em caso de "ataque" à integridade espiritual e corporal de um dos conjugues.
Parece-me haver aqui matéria para esta senhora se poder separar sem ficar "em rotura" com a Igreja.
Será assim?
Se entender que não deve colocar estes comentários, por qualquer razão, (não causar "confusão", sei lá), compreendo perfeitamente.
O meu mail está no meu blog, para qualquer outro contacto.
Espero ter sido útil.
Abraço em Cristo
Obrigado, Joaquim. Isso é um bom resumo das normas. Obrigado. Fui já ver o CDC c. 1153.Reparaste no §2? "Se cessar a causa da separação, deve restabelecer-se sempre a convivência conjugal, a não ser que a autoridade eclesiástica determine outra coisa"
Reparei no § 2 e dei-lhe uma interpretação positiva, ou seja, que a autoridade eclesiástica pode "julgar melhor", isto é, pode decidir que apesar de tudo será melhor não reatar a convivência conjugal.
Não é esta a interpretação que fazes?
Abraço em Cristo
Pois eu vi mais aquele lado do voltar a estar junto... Mas até que tem o seu sentido, pois se houver amor (ui ui), pode até ser que resulte. Isto remete-nos à misericórdia e ao perdão.
Estou com vontade de dizer à senhora que deve ser feliz e que busque a felicidade!!!
olá a todos!
acabei de ler o post e os comments e a minha primeira reacção é dizer à senhora que se separe, divorcie, fuja, faça qualquer coisa para acabar com a porrada do marido!
ensinaram-me que pecado é "falta de amor"...
- ficar em casa a apanhar porrada dum homem não é "falta de amor próprio"?
- tentar ser feliz é pecado?
- afastarmo-nos daqueles que nos desrespeitam é pecado?
- e as crianças, que estão a crescer num ambiente onde o pai bate à mãe? qualquer dia as crianças também vão apanhar!
enfim, eu sei que há o sacramento do matrimónio a complicar estas respostas, mas estas situações revoltam-me... e "entre marido e mulher, ninguém mete a colher"...
Permite-me que te diga que se o caso é "sem esperanças", acho que essa decisão será a mais acertada, depois, logicamente, de um discernimento profundo de toda a situação.
Como vimos é uma situação prevista no CDC e ainda no Catecismo da Igreja Católica, nomeadamente: 1649,2383, 2386.
Mas tu é que és o Sacerdote, eu só quero ajudar.
Abraço em Cristo
Joaquim, não sei se é sem esperanças. Não sei mesmo. Porém agradeço-te. E não digas que sou eu o sacerdote. Parece que não fazemos parte da mesma Igreja. O teu contributo é muito grande. O emu até pode ser menor.
Fico feliz por ajudar.
Também alguém me ajudou quando precisei e andava perdido.
Quando me referi ao Sacerdote, referia-me à parte espiritual mais profunda, à Confissão, que só tu, como Sacerdote podes ouvir e discernir.
Graças a Deus pertencemos à mesma Igreja, sem dúvidas e todos temos de ajudar a construi-La.
Parafraseando o Vasco Santana num antigo filme português: «Cada um no seu mister.»
Abraço em Cristo
Mais uma vez um post seu me inquietou.
Felizmente tenho um casamento feliz de 36 anos, mas conheço demasiados casos em que tal não aconteceu.
E como, para mim, Deus não nos quer infelizes, acho que nada justifica que o casamento seja um inferno.
Quando a solução é mesmo a separação, e depois o divórcio, a situação de muitos católicos é geradora de muito sofrimento.
Como escrevia há dias um Padre meu amigo, "como encontrar o lugar na Igreja para tantas uniões conjugais em que o "verdadeiro" casamento é aquele que vivem há já tanto tempo, e nada os une a um primeiro compromisso? Como unir a exigência à misericórdia?"
Não posso estar mais de acordo com ele.
As princesas ou pessoas influentes como o Sr. Tallon, por exemplo, conseguem sempre a anulação. Mas os outros???????
Maria
Gosto acima de tudo da coragem do post.
Caro Padre
Ainda aqui volto, porque não coloquei o óbvio, que todos sabemos, mas nem sempre lembramos.
É preciso rezar, rezar por esta irmã em Cristo, o seu marido, a sua familia e por ti, para que o Senhor te ilumine no discernimento que estás a fazer da situação que te foi apresentada.
Todos os que aqui vêm, a começar por mim, e que querem ajudar nesta situação têm essa faculdade que o Senhor nos deu: rezar, interceder, em união de oração, por esta familia e por ti.
Abraço em Cristo
Ela que o deixe. Vivi nesse ambiente de violência doméstica. Não vale a pena. Custou-me que o meu pai tivesse saído de casa, mas ao mesmo tempo foi um enorme alívio. Finalmente acabava o inferno.
É pecado? Não acredito. Afinal, o 5º mandamento diz "Não matarás". Isso também se aplica a nós próprios. Esse homem não vai mudar. E se mudar, vai levar tempo. Até lá a mulher vai levar pancada, os filhos vão sofrer e sabemos lá se não pode haver uma agressão maior que lhe possa tirar a vida?
Deus quer sofrimento? Que eu saiba Ele prefere a misericórdia ao sacrifício.
beijos em Cristo
Se a mulher "repudiar" o marido e proteger os filhos não vejo nada de mal.
Não nos esqueçamos que na época de Jesus as mulheres valiam muito pouco e eram repudiadas muitas vezes na velhice ao que Ele não permitiu a manutenção deste estado de coisas - é aquilo que penso.
Em relação ao "pecado",gostava também de transcrever o que dizia o Padre meu amigo: "Jesus nunca confundiu os pecadores com o seu próprio pecado, nunca os fechou dentro dele. Pelo contrário, sempre lhes abriu os caminhos do Reino a partir das suas capacidades de bondade e generosidade. Não é o amor magoado que precisa de médico? Haverá algo
que Jesus não possa curar?"
Maria
Meu Padre, pois... o Joaquim tem razão, e nao falei da separação, embora me tenha lembrado dessa extraordinária solução, porque me pareceu que o teu texto apontava - ou nos apontava - para outra direcção... engano-me?
Mas falou-se, ou falámos, e vou dizer o que penso.
O truque da nulidade do casamento, ressalvados casos limite, é isso mesmo: um truque, que é o mesmo que dizer uma subtileza legal inventada por aquilo que tem caracterizado a nossa Igreja, a latina, e a sua estranha mania de ser herdeira de César.
Tiremos casos limites, como a absoluta coacção no casamento (aliás não tão incomum assim nos tempos em que, com a benção da Igreja - ou do clero, para sermos mais piedosos, os casamentos eram exclusivamente arranjados pelos pais), a não consumação, e outras coisas do género. E fica o argumento final: a "falta de consciência" (não sei se em direito canónico se lhe dá esse nome).
Se a consciência significa "consciencia de que me estou a casar para a vida", nada feito. A vida é feita de constipações, de bolos de chocolate... e de porrada.
Se a consciência significa "consciência das caracteristicas da pessoa com que me estou a casar", ou seja, "casei porque pensei que ele/ela me amava como Cristo ama a sua Igreja"... que dizer?
Se a consciência significa "plena-consciência-desse-Mistério-tão-Grande-que-é-o-casamento,-mas-tão-grande-que-é-o-único-momento-em-que-nós-criaturas-reproduzimos-o-acto-essencial-de-Cristo-para-connosco"... algum casamento será válido?
O pior é que me parece que na retórica (sem ofensa nesta palavra) pastoral, o significado tende a variar conforme a oportunidade. E não gosto disso. Um pouco como os católicos que dizem "o aborto é crime mas ninguem deve ser preso". Sim sim, não não.
Talvez deva explicar melhor: tanto quanto sei, para fazer votos monásticos ou para receber a ordenação sacerdotal não basta dar na gana. É-se seminarista, ou noviço, ou outras coisas. Há um periodo de "teste". Para casar há, quando há, uns caricatos cursos de "preparação" (que me desculpem se alguem que me leia os fizer, como orientador, a "sério"...). Eu nem sequer o fiz, porque os meus sogros conheciam bem o bispo. Voilà. Mas se o tivesse feito - e isto foi-me contado por amigos que não tinham essas "cunhas" - tinha ouvido um discurso sobre a vantagem de dormir em camas separadas para não despertar a concupiscência.
Mas a Igreja, ou a sua hierarquia, está nos nossos dias presa numa terrível armadilha (propriamente, em minha opinião, satânica, e estou a medir as palavras que emprego). E a armadilha é esta: aterrorizada com o "declínio" da Família com F grande, convencida (como há poucos dias li num artigo de opinião claramente católico do Público) de que a "Europa" não tem jovens e de que a "natalidade" desapareceu, a Igreja quer, à viva força, "promover" o casamento, base natural da dita Familia.
E portanto não ousa, e a meu ver não ousará até que o Espírito queira soprar, dizer aquilo que TEM de ser dito, e que é o seguinte:
"Meus filhos: o casamento é uma coisa terrível. Belissima e terrível, como belissimas e terriveis são as coisas do Deus Vivo. Não se casem a não ser que irresistivelmente sejam levados a fazê-lo. Porque o casamento não é uma cerimónia nem uma festa nem um contrato nem um arranjo familiar: o Casamento é uma face do Mistério Maior. Não há manifestação do Deus-do-Silêncio que não seja o Sacrifício do Cordeiro, ou as Núpcias do Cordeiro.
Ambos - o Sacrifício e as Nupcias -se encontram naquela coisa a que chamamos missa: e que terrivel e belo é o papel do [aqui devia dizer "presidente", mas estou num momento reaccionário] Sacerdote.
E ambas - as Nupcias e o Sacrifício - se encontrarão, também, na vossa vida, em cada momento da vossa vida, se se unirem, se se quiserem unir, a outro filho de Deus: não apenas por forma a que duas carnes ejam uma só carne - porque isso, ensinou-nos São Paulo - dá-se até com a prostituta - mas por forma a que nenhum poder do mundo, nenhum sofrimento do mundo, nenhum desengano do mundo possam desatar. Terribilis est locus iste."
Mas a Igreja, ou a sua hierarquia, não quererá dizer estas coisas. E por isso inventa essa outra coisa extraordinária que é a "redução laical" dos Padres, deixando-os ir embora como quem sai do comboio numa estação - e milhares foram, nos anos do pós-Concílio... - e não tem nada a dizer aos casados a não ser o "põe uma distância prudente entre ti e aquele que casou contigo e agora te bate - afinal, devemos ser prudentes como a serpente - mas não te esqueças que aos olhos de Deus és tão casado como no primeiro dia."
P.S. Como agora se usa na política, aqui vai o meu registo de interesses nesta declaração, para ela ser avaliada pelo que vale: casei há muitos anos catolicamente. Se calhar não o devia ter feito, ou devia. Tive filhos. Separei-me. Senti-me pecador e culpadissimo. Vivo agora com uma pessoa com quem, finalmente, aprendi o que quer dizer "ser um só". Não quero mudar as coisas, muito menos as da Igreja. Aguardarei. Não voltarei atrás e não irei para lado nenhum. Não quero "ter direito" a ser ouvido em confissão ou a comungar. Às vezes assisto a uma missa. Às vezes rezo, como se medisse uma distância face ao Silêncio. Um dia Ele me dirá uma palavra, ou os anjos d'Ele ma dirão em Seu nome. Não sei que palavra será essa. tento não a temer, e não a esperar. Assim seja.
Deus te abençoe, Gold, como só Ele sabe.
Permita-me dizer-lhe:
A sua conclusão foi fenomenal... De certo não era o que a senhora queria ouvir, mas foi a forma mais sábia de lhe dizer que a sua opinião não estava acima da vontade de DEUS.
Parabéns, pelo blog
Por várias razões, li este post de de viés; como quem não quer, ou não pode, ou não consegue...
O meu querido Goldmundo, põe alguns pontos nos "is". Um beijo para ti, rapaz! :)
Eu acrescento que, ser mulher, casada, na Igreja Católica, às vezes, é um fardo que nos pomos e nos põem às costas que, ou se tem vocação para heroína, mártir, alienada... ou se é verdadeira consigo própria e se actua de forma libertadora. Mas não é a Igreja "instituição" que apoia e ajuda essa libertação.(Quase toda. Há, felizmente, excepções)
Para bons entendedores, o que escrevi basta. Para quem só ouve o que lhe convém e está habituado...ficará na mesma. Paciência!
Padre: Deus o abençoe por este blogue!
Deus abençoe esta mulher pela sua fidelidade a Deus, que a faz viver na Cruz um sacramento do qual esperamos - e legítimamente - uma boa dose de felicidade neste mundo...deixar o marido não é pecado, mas ela vai muito mais longe do que pôr-se ao abrigo do pecado: ela abraça a cruz!
Quantas vezes Deus nos pede coisas que sentimos que estão claramente acima das nossas forças! Quantas vezes nos pede que lhe ofereçamos o que temos de mais precioso (e isto é um recado para o Goldmundo...): o Reino de Deus é a tal pérola preciosa que leva o homem, quando a encontra, a desfazer-se de todos os seus bens para a comprar! Não há que ter medo - Ele assiste-nos com as graças necessárias... acredite, padre, que estou a falar com conhecimento de causa...
Anónima p.f.
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