Óculos fundo de garrafa. Cabelos desgrenhados. Pode parecer que já estou a induzir numa imagem. Mas foi-me trazida desta forma ao fundo do adro. Simplicidade ou desalinho. Também não interessa propriamente porque todos são filhos de Deus e eu vejo-os como tal. Estava a sair do carro. Meio fora meio dentro. Uma mão a segurar a porta. Outra, a segurar-me a mim. Senhor padre. Nem me deixava sair do carro. Desliguei o som do cd para ouvir melhor. Levantei-me. Ficámos separados pela porta. Olhe, sabe, a minha filha... aquela... vai para fora do país. O senhor já sabe. Ela casou pelo civil. Ainda temos de baptizar a menina. Eu recordo o caso vagamente. Casar à pressa. Afirmei que sim, que a baptizávamos. Mas que poderíamos falar primeiro sobre o casamento religioso, por exemplo. Não que eu quisesse obrigar a decisões mais precipitadas ainda. Mas podíamos conversar. Até porque querer um sacramento e não querer outro parece um contra-senso. É contra-senso. E estava a explicar-lhe isto, questionando-a porque não tinha vindo a própria, a filha, quando explicou. Sabe, padre, não queria que ela fosse para o estrangeiro sem benzer as alianças. Eu abri bem os olhos. Desenhei algumas rugas na testa. E perguntei: Como?! E porque não casar? Ela não quer, pelo menos para já. E acrescentou, na sua inocência, que era mesmo só benzê-las. Não era preciso nenhuma cerimónia. Que em qualquer altura eles apareciam para eu o fazer. Ela até se dispunha a trazer as alianças. Eu afirmei. Se é contra-senso querer um sacramento e não querer outro, não lhe parece mais contra-senso pedir uma bênção e não querer o sacramento que abençoa as alianças?! Ahh, mas não pode fazer esse favor, padre? Fechei a porta e comecei a andar, respondendo-lhe como quem não tem tempo para mais perda de tempo: vamos primeiro falar sobre o casamento. Fale com ela sobre isso. A bênção fácil não resolve nada. Nem superstições. Ela pense no que quer de Deus. Depois falamos. E ainda não falámos. Quando me ajoelhei na Igreja, rezei por ela, por eles, os três. Os quatro. Ainda me veio à ideia uma questão económica. Não sei. Podia ser. Mas ainda não falámos.
29 comentários:
este texto me fez lembrar de um que li certa vez, sobre 'self religion', falando da mentalidade que nos faz buscar só o que nos interessa na igreja, assim como entramos no super mercado e vamos até determinada prateleira para pegar apenas 'pizza' congelada, assim fazemos com as coisas de igreja, queremos apenas um pedaço, uma prateleira só no super mercado da fé. Mas o q me deixa mais 'invocada' é que isso não é pontual, acontece em todas as dimensões... queremos só o que é bom no outro, só o que me interessa... é... geração individualista nós somos...
Uma qestão concerteza dificil de resolver senhor padre... Tão perdidos e tão iludidos no vazio andam os cristãos... Bem temos que rezar uns pelos outros e que Deus perdoe estes...
Abraço
Será possível atender este tipo de pedidos sem caucionar a sua vertente mágica, sem comprometer as exigências sacramentais, sem lançar a confusão nos membros da comunidade?
Será possível fazer de tais solicitações um momento propedéutico numa linha de pedagogia de fé que possibilite a reorientação das motivações e a sua integração institucional?
Será possível acolher a diversidade de formas de pertença eclesial, sem renunciar à excelência de um modelo iniciático?
Sobre o caso concreto, convém ter em conta que o carácter sacramental do matrimónio reside essencialmente no consentimento validamente expresso entre duas pessoas baptizadas. Teoricamente, poderia haver matrimónio cristão sem troca de alianças e sem bênção nupcial. Sendo, logicamente, verdade o contrário.
Segundo julgo saber, o Ritual do Matrimónio prevê/propõe uma pequena celebração de bênção dos noivos que, devidamente adaptada, poderia servir de orientação para casos como o descrito no post.
Entretanto, creio ser muito mais urgente encontrar formas de dar resposta aos divorciados que pretendem recasar e que solicitam à Igreja que os acompanhe por meio de um tempo de oração. Trata-se de um assunto extremamente melindroso; mas a actual situação (de quase total demissão) já brada aos céus...
JS
"...E se alguém tiver nove defeitos e uma virtude, devemos olhar e incentivar essa virtude e esquecer os defeitos..." - Bahá'u'lláh
Lá complicado é. Mas não deixa de ser curioso como muitas vezes nos deixamos levar por superstições. Ao mesmo tempo, sem diminuir mais nada, creio que a resposta que lhes der os vai aproximar ou afastar da Igreja. São situações melindrosas. Claro que deveriam casar e baptizar a criança. Mas se querem baptizar, porque não aproveitar? E depois talvez se possam colocar perante o problema do casamento sem tantas reticências. É que se trata de um caminho de vida. Quantas vezes não temos a certeza desses caminhos que queremos seguir. No entanto sabemos o que é melhor... e já que saltaram o passo de esperar pelo casamento para terem filhos, porque não baptizar a criança primeiro e depois sim, pensar no casamento dos pais?
Rb
JS, de facto tb acho mais preocupante o caso dos divorciados ou recasados. Aí, sim, pode pensar-se em algo com uma benção. De resto, acho um contracenso querer uma benção de Deus para dois aneis, apesar de simbolizarem o contrato de duas pessoas, e não quererem a benção de Deus para a união dos mesmos dois. No mínimo é estranho ou falta de formação.
Mas a minha resposta vai no sentido de conversar com eles, sem pressionar, sem exigir, com abertura e acolhimento, e explicar-lhes os sentidos das diferentes opções.
Não sei é se eles estarão interessados em conversar. Vou esperar.
Rb, baptizar e depois pensar no casamento não acho o mais conveniente. Para mim o melhor será pensar nas duas acções em simultâneo. Já conteceu bastas vezes comigo, e sempre foram bem sucedidas. O acolhimento é fundamental. Mas sem banalização e facilidade!
É a pompa e circunstância a imperar sobre a espiritualidade...
Bom fim de semana e abração,
Benzer as alianças sem haver matrimónio?... Confesso que é a primeira vez que ouço falar disso. Mas terá alguma lógica querer a benção para dois aros de metal e não para a união de duas pessoas, pelo matrimónio?... E se um deles perder a aliança?
Esta deixou-me confusa...
:)
No fim de semana passado, antes da eucaristia eu fui a sacristia. Chega lá uma jovem e pergunta-me se sei do sr. padre. disse-lhe que não. perguntou-me o que é que eu achava que o sr. padre iria dizer-lhe, dado que o marido perdeu a aliança no s. joão do ano passado. e agora tinha comprado outra. Mas tinha que a benzer senão não se sentia abençoado no casamento... sorri. questionei-me sobre como é que eles se sentiriam durante o ano em que ele não tinha aliança... enfim. pelos vistos ha quem dê mais importância a benção de dois aros do que a benção da união...
Que situação para um padre! Dificil de sair, mas a luz da Palavra de Deus fica diminuta a questão. Creio que o padre a usou.
Não posso pensar diferente porque fica complicado julgar as atitudes.
abraços do Brasil
estive a pensar nesta historia caricata e pensei que se calhar o casal tem mais que fazer do que pensar no assunto mas a mãe é que é supersticiosa e quer que as alianças sejam benzidas, como protecção contra algum mal, ou como uma forma involuntária (da parte do casal) de pôr Deus a intervir na relação...
sei lá, que situação de todo sinistra!
Acho que deviam aproveitar a benção de Deus para eles...os aneis são o menos!
Sentir a união abençoada é melhor que ter duas alianças benzidas!
Bjs
Carla
INFÂNCIA
Incendiaram-me a infância
Biblioteca de sonhos
Com gotas de orvalho
Violaram a Primavera
E eu cresci a crédito
No eco das noites brancas
A lembrar os "reis magos"...
PAULO
20/06/06
Desculpem meter-me na conversa, mas...E se a união entre eles é sincera e cheia de amor, não estará já abençoada por Deus?
No próximo mês vou ser testemunha dum casamento civil. Não podem casar pela Igreja, porque um deles já tem um casamento canónico. A união que eles vão celebrar, não irá ser abençoada por Deus?
Sei que não falei de alianças. Disso peço desculpa.
Creio que o casamento pela Igreja é algo que não se devia celebrar da maneira como o temos celebrado. E por que não uma benção, antes de celebrar o Sacramento?
Um abraço
Por vezes os ditos cristãos, têm dessas fraquezas. Acreditam que a simples benção das alianças são o bastante para serem "dignos" perante a igreja e terceiros. O acto em si, digo eu, não é o bastante para isso, acho eu. As palavras ditas na cerimónia também têm o seu efeito, também tocam e ajudam a valorizar o acto. Quanto aos divorciados...como alguém disse, é um caso pertinente. Porque não?
Muitas vezes este tipo de atitudes assenta num medo dum Deus "castigador", que não existe, pois Deus é amor.
Mas "vivendo" nesse medo, pensa-se que mais vale uma "benção", seja do que for, do não ter nenhuma.
Parece o "velho" problema da Igreja que não aceita o preservativo e muita gente se "revolta", curiosamente, normalmente gente que não pratica e que não "liga" a Deus ou à Igreja.
Mas se a igreja aceitasse, sempre se sentiam mais "descansados".
Com amor, com paciência, acolhendo, catequizando, testemunhando e orando, para que O Espírito Santo toque e faça luz.
Eu gosto de bençãos. Nunca saio da Missa sem o 'vai em paz e que o Senhor te acompanhe'. 'Deus te abençoe', 'A paz esteja contigo', 'vamos em paz'. Gosto de dar e recebê-las e sinto falta até mesmo em casa. Foram com os avós e por isso até uso no blogue em vez de 'comentários'. Entre os objectos religiosos, que uso, prefiro os que foram benzidos. Esta será portanto uma benção diferente, especial? Que é afinal a benção? Amigo Confessionário, e porque forçar um casamento que ainda não está organizado na vontade do casal? Sei que vai decidir o melhor, por isso o à-vontade de tanta pergunta, desculpas e bençãos ;)
Só há uma solução, pode não ser a mais bem vista para um sacerdote (bem que eu não acha que um Padre tenha de concordar com tudo só para não se chatear!) mas é recusar! Ou as pessoas assumem com Fé aquilo que fazem ou então mais vale nada fazer, porque assim não passa de superstição!
Isto de conjugar a pastoral da autenticidade e a pastoral do acolhimento... é uma porra!...
este texto faz-me lembrar o pai da minha filha, que diz que me ama, há já 9 anos, que quer viver para sempre ao meu lado, que sabe que o meu maior sonho é ter esta benção (ou sacramento) e não casa comigo!
Se isto sr. Padre, lhe faz confusão, imagine a mim!
ó Marta, faço uma ideia!
Um tema interessante este e que me deu para reflectir um pouco. Acho que se aprende algumas coisinhas com o que escreves... e um pouco mais com os comentários de quem te lê e também tem uma opinião formada.
Cheira-me a superstições! Há muita gente que pensa que casar pela Igreja implica banquete, muitos convidados, muita despeza... será por aí!
a benção somente das as alianças cehira-me a superstições!
Será que o povo de hoje tem medo de assumir compromissos?
parece-me que sim!
Eu acredito muito no amor ... em todas as formas de amar! Eu acredito no amor entre um homem e uma mulher e fico a pensar ... Quantos casamentos já vi, já participei do lindo ritual religioso e até mesmo já fui madrinha de um que levou pouco tempo para acabar !! Quantos casamentos já participamos onde o lindo amor acabou-se nos primeiros anos de matrimonio ???? Quantos casais, uniram-se sem celebrações religiosas, simplesmente foram morar juntos até hoje estão juntos, casados, felizes, amando-se, respeitando-se, criando juntos os filhos??? Sei que não podemos generalizar, sei que a questão abordada aqui seja até mais profunda, mas será que uma simples benção de alinças seria um absurdo??? Fiquei pensando nisso ...
Que Jesus nos abençoe sempre e nos dê discernimento !!!
Fatima - Brasil
Tem a sua piada, realmente.. claro que não passa de uma superstição.. Se a filha deste homem agisse com boa fé.. tinha casado na igreja.
Mas hoje em dia, na maioria não acredita em casamentos..
Há que avaliar as situações antes de fazer juízos de valor. Tal como questiona o Sr. Padre talvez seja mesmo uma questão económica. Vou falar-vos do meu caso para o qual não encontro solução: estamos juntos, temos um filho, o pai gostaria de o baptizar ao que respondi que não faria sentido algum sem o sacramento do matrimónio, ele não concorda. Infelizmente por questões socioeconomicas não nos podemos casar em Portugal, se fosse mos espanhóis poderiamos casar apenas na igreja. O matrimónio católico aem Portugal exige que o civil o preceda. Temos 2 casas, 2 créditos à habitação com contratos de habitação própria permanente, não conseguimos vender na conjuntura actual, não podemos mudar a morada fiscal porque não temos condições económicas para suportar a subidas dos juros que esta mudança implicaria. Vivemos juntos mas continuo mãe solteira em IRS. Porqie é que a igreja não contempla estas dificuldades? Porque não posso ter uma benção religiosa para assim em conciência poder baptizar o meu filho?
anónima de 14 Outubro, 2014 11:05
é um caso e tanto, o que apresentas. Leva a pensar! Por isso esperamos ansiosamente pelo sínodo que está a decorrer.
Porém, ainda que julgue ser necessário considerar o teu caso por si mesmo, eu acho que não podemos fazer de conta! Uma bênção de alianças não pode ser um fazer de conta!
Uma parte do teu problema poderia resolver-se com uma cerimónia simples. Não são precisos muitos gastos.
A outra parte, essa sim, é complicada...
Mas, mesmo que custe, nunca te afastes das coisas autênticas nem procures uma fé light... Se não dá, vale mais sermos sinceros connosco próprios...
Que achas do que te disse?
Acho mesmo que reunindo todas as condições (cristãs) para nos podermos casar religiosamente as limitações socioeconómicas deveriam poder ser superadas.Por mim casava-me em Espanha mas para o meu companheiro não faz sentido porque quer partilhar o momento com a família e amigos.Não entendo porque podemos casar apenas pelo civil mas somente pela Igreja não.Obrigada pela atenciosa resposta.
esperamos juntos pelo final do sínodo... e tem esperança
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