Ele já tinha ligado uma vez ou duas. A insistência da chamada dizia-me algo. O acaso de Deus faz o resto. Estava de passagem. Aproveitei para visitar os meus doentinhos. Os das minhas paróquias. O hospital é enorme. Coimbra, a cidade dos estudos e das camas. Montes de camas com gente assustada. Isso assustou-me. Fui direito aos assuntos. Uma primeira visita, e depois uma outra. O José. De cara lavada. Sabia que eu tinha intenção de o visitar. Desfizera a barba nesse dia. Notava-se porque estava escanhoada, e porque perguntei. A visita devia ser importante. Não por mim, mas pela visita. Uma visita. Uma, no meio de muito poucas em três semanas. Que aquele hospital fica longe do mundo. Conversámos sobre o tempo, as dores, os exames, a vida. O sorriso nos lábios, no corpo todo, era visível. Demais, para minha alegria. Eu estava, imaginem, bem. Sentia-me a usufruir do momento. Um momento de partilha. Ele estava, como hei-de dizer, bem com a visita, mas nada bem. Só na despedida me apercebi verdadeiramente. Tenho de ir, Zé. Pois, senhor padre, tem de ser. E o rosto muda completamente. Então e a esposa, tem vindo? Não. Seco na palavra, mas molhado no olhar. Já tenho saudades de dar-lhe uns beijitos. Petrifiquei. É melhor para ela. Da última vez foi daqui pior que estragada. Não quero que me veja assim. Um colega de cama insistiu comigo. Olhe que este homem anda desanimado. Perguntei porquê. Isto dói, e a gente está para aqui. Não me sabem dizer o que tenho. Já fizeram tantos exames. Tenho medo. Quer dizer, tenho fé, mas também tenho medo. Esperava já estar em casa. Estou aqui sozinho. Foi assim um desfiar de frases. Quase soltas, que me deixaram com o corpo a sair dali, mas com os pensamentos e os sentimentos naquela cama, sentados ao seu redor, com ambas mãos a afagar. Afaguei mesmo o seu rosto. Pela primeira vez lhe afaguei o rosto. Lá na paróquia isso não tem jeito. Viva senhor padre, e apresenta-se uma mão para apertar. Não fica bem estender a mão para o rosto em vez de para a outra mão. Digo eu. Mas ali senti que ele precisava desse gesto, desse afago. As lágrimas eram seguradas a custo. As minhas cerradas bem cá dentro. Disse mais uma ou duas coisas para animar. Fiz umas graças. Prometi que lhe ligava e fiz-lhe prometer o mesmo. Cada vez que precisar de uma palavra. Era só isso que eu tinha para dar. Saí mesmo. Quase voltei costas a tudo. Fui todo o caminho a conversar comigo. A tentar perceber os desígnios de Deus. O que me pede, o que nos pede, o que o Zé precisa.
22 comentários:
A misericórdia de Deus na proximidade de um padre. Pequenos gestos, pequenos sinais repletos de Reino. A experiência do encontro com o doente; esxperiência de dor, de espera, de sentimentos, de sensações...
"Seco na palavra mas molhado na dor". Bonito!
"Há mais alegria em dar, do que em receber". Nem que seja só uma visita :o)
Bom domingo
Por vezes, uma visita no hospital pode ser muito mais do que uma simples visita. Quando partilhamos o amor de Deus na nossa vida o medo e o temor são lançados fora.
Que Deus abençoe os "Zés" que sofrem.
o caminho para chegar à fé, também passa pelo medo. aliás, passa por muitos sentimentos ambiguos e estranhos. E depois... cremos!
Já nem sei como distinguir a tua escrita do teu coração...
Não sei dizer onde acaba uma coisa e onde começa a outra..
Não identifico bem as fronteiras..
Terás mesmo fronteiras?! Entre o que sentes e o que escreves?
Parece-me a mim, que uma e outra se entrelaçam tão bem e tão harmoniosamente... que acabam é por ser uma só.
E a ser assim, vejamos então:
Tu escreves assim tão bem
porque tens um bom coração..
Ou..espera..ainda melhor:
Tu tens um coração tão forte
que não pulsa : escreve!
Escreve o amor !
Confessionário,
e
se acaso voltares a telefonar a esse teu amigo Zé, podes dizer-lhe que há mais uma pessoa a torcer por ele. !
Dizes?
Abraços aos dois.
Atenção que o Micróbio mudou de casa...
Agora está numa nova rua: http:\\o-microbioii.blogspot.com
Pois... Gostava de ajudar, pessoas assim. Tentei inclusive inscrever-me no voluntariado no hospital, mas depois lembrei-me que quase não tenho tempo para mim, nem para estudar, então teria muito menos para o voluntariado, mas um dia irei faze-lo! gosto tanto, dar uma palavrinha amidga para animar os doentes! Ás vezes é mesmo isso que lhes falta, uma palavra amiga! dizer-lhes que está alguém para passar 5minutos, 10, 15, 20, o que for com eles! E a alegria, o sorriso deles, tenho a certeza que enfeitiçava os outros doentes! Era bonito, mas não consigo!
Um dia conquistarei o sorriso de alguns doentes e tenho a certeza disso! Foi um gesto maravilhoso da sua parte! Gostava de ter estado la e sentido o mesmo!
Cmprimentos, Thinky ;)
Ainda bem que já está melhor. Devem ser momentos dolorosos, ficar sozinho num hospital e muitas vezes sem sequer saber o que se passa com a sua parte física; a parte emocional tende a ir abaixo. Foi muito bom esse contacto físico tão próximo da festinha na cara - a maioria das pessoas têm medo de gestos de carinho desse tipo - sobretudo entre homens! Ainda bem que o Zé está melhor e tomara que arribe depressa.
E que sobretudo tenha coragem e força para enfrentar o que quer que seja da malvada doença que o retem no hospital.
Engraçado como no blog, somos "desconhecidos" "conhecidos",pois até eu, que não o conheço, já o inclui nos meus pedidos de ajuda a Deus.
Beijinho Confessionário, gosto da maneira como és ser humano.
A sensibilidade move-me.
Obrigada pela visita, aquele homem podia ser o meu pai.
Realmente estas visitas a doentes deve ser uma estadia sincera com eles, porque muito precisam de companhia e é nesses actos que eles sentem a caridade gratuita. Tenho pena que a visita a doentes muitas vezes seja feita quase por obrigação e a correr...
POis é amigo...a visita de um amigo é sempre uma luz!
Estiveste em coimbra...tão perto da minha terra!
Bjs
Carla
Este post foi daqueles que deu mesmo que pensar. Não tenho jeito nenhum para reconfortar pessoas, acabo sempre por dizer as palavras erradas. Por isso admiro muito quem consegue dar uma nova vida a quem precisa, tal como fez e como tem feito. Uma pessoa assim faz mesmo a diferença!
Eu também... tenho fé, muita! Mas estar numa situação assim, só Deus que conhece a força interior de cada um sabe também até onde podemos suportar! E é reconfortante ter alguém que nos dê essa paz que precisamos nessas horas!
para ele foi mais que uma simples visita... ele adorou e usufruiu também cada minuto dela... a solidão agrava qualquer doença e esse homem tem a solidão gravada no peito... tenho certeza que ficou bem melhor depois dela... boa semana...
ola. gosto muito do seu blog. eu tambem vivi isso na pele durante
10 anos e quado la ia ver o meu pai o hospital "casa de sao joao de Deus" em barcelos,Ao olhar para o rostos daquelas pessoas e para o do meu pai. Sentia que ele queria estar mais perto do meu crescimento e da vida. e eu prometialhe que iria tomar conta dele. era horrivel ve lo assim. mas agora sei que DEUS me deu tudo
o que era possivel e eu sou uma mulher nova. mas por cobardia ou desapego a terra nunca mais fui capaz de ir a barcelos ver os locais onde vivi com ele. prefiro as recordaçoes do bem que fiz e da minha terra s.mamede de infesta. mas sou uma cidada feliz e agradeço a Deus de o ter levado deste inferno de vida para o ceu e por me ter permitido te-lo conhecido. porque ele era e sera para sempre o meu pai heroi que suopera a tudo e que me ensinou a superar. porque deus da nos a mao ate ao ceu. por muito que nao percebemos os outros que estam como o eu pai esteve conhecem e amam a deus acima de todas as coisas. acho que o ter fe so nos ajuda a ultrapassar os medos, mas e sempre bom ter alguem com quem caminhar. como ja disse ele morreu sem se despedir mas ele sempre disse eu vivo por ti so por eu lhe ser fiel e lhe dar tudo o que pudia e surrir quando nao a vontade disso e eu sempre lhe disse estarei aqui a tua espera. e o que eles precisam de ouvir por muito que nos custe dize lo e faze lo. mas como ja disse deus e tudo de bom. beijos da babi como ele me chamava e chama. digo que ele me proteje de tudo como uma estrela como eu era para ele. P.S Isto aqui e so uma passagem devemos viver felizes e fazer com que os outros o vivam tambem.
Procurava pelo medo porque ele procurou por mim e encontrei. Este medo que sinto, este empurra para ali e para ouro lado do meu caso das minhas dores também me assusta e muito. O que me assusta mais é não sentir em mim a força dos que amam, daqueles que amam a Deus e por Ele são capazes de suportar muito. É isso de que tenho mais medo. Penso que também estou para aqui, além de Deus e não sei como chegar a Ele. Penso como é isso possível e se isso O ofende ou o tenha ofendido. Penso que devo estar a fazer muitos erros para me sentir assim. E depois venho aqui partilhar o que sinto, porque sei que pelo menos uma pessoa vai ler e isso ainda não sei se me faz bem ou se me faz sentir mais só. Eu só queria saber como encontro Deus e como não sentir este medo grande da doença ou da morte ou da vida… este medo de não possuir a Deus ou d’Ele não me possuir a mim. O que é que posso fazer o padre sabe?
Já não é a primeira vez que lhe faço uma pergunta e ignora o que acho muito estranho, posso saber o motivo?
Pois, cara amiga, nem sempre é possível responder a tudo, e sobretudo a pots mais antigos, fica ainda mais para segundo plano, reconheço.
De qualqeur forma, o quer eu acho que podes fazer, é procurá-Lo... mas procurá-Lo mesmo... Não inventando desculpas para essa procura, procurando-O onde Ele se encontra e não no teu cantinho... Ir...
Força...
Para segundo plano não, para nenhum plano. Agradeço contudo a resposta a saca rolhas
Foi um pouquinho a saca rolhas, foi, mas espero ter ajudado.
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