Uma daquelas senhoras lamentadeiras. Devia dizer lamenta-doras. Mas quero referir-me a um estado quase de profissão. Lamentava-se da vida. Ai ora eu, ora eu. E voltava-se para mim e dizia: O senhor padre ainda é novo. Depois repetia. Fazia um coro: ai ora eu ora eu o senhor padre ainda é novo. O ritmo era quase certinho. Não percebo muito, mas acho. Assim fiquei com ele a martelar na minha cabeça, certinho. Mais certo que o da lamentadeira. Claro que o novo é sempre relativo. E aqui paro para me tentar justificar, que a idade vai passando. O velho é que não é tão relativo. Foram estes os meus pensamentos durante uma boa hora e meia. Como será quando for velho?! Uma coisa é certa. De tão rabugento que irei ser… Estas coisas crescem. Já me entendem! De tão rabugento que irei ser, quem me vai aturar? Quem estará disposto e disponível para aturar um velho rezingão, habituado a viver sozinho, a viver com os seus pensamentos e botões? Quem terá coração para ainda amar um homem assim? Houve um pensamento que me respondeu Todos. Não quis acreditar. Bem vejo a diferença de um funeral com família ou de um funeral sem família. Os teus amigos, acrescentou outro pensamento. Não acreditei. A maior parte deles estará também a precisar e os restantes devem ter mais com que se ocupar. Um terceiro pensamento, o mais chato de todos, teve a brilhante ideia de falar num lar. Neste momento, nem fui capaz de responder. Nem de fazer abordagens de fé. Se tiver que ser, que seja. Não seria o primeiro. E muitos inclusive com família. Porém, assaltou-me outra questão. E quem me visitava? A família? Qual? Aquela que está interessada na herança? Por isso é que eu vou gastar o dinheiro enquanto puder. Não amealho senão para o essencial. E dar enquanto puder ver a quem dou. Ainda me imaginei a celebrar caquéctico de todo, sentado, com alguém a segurar-me nos livros, e nas mãos, e na cabeça que está pendente para o lado direito. Vá-se lá saber porquê! E nas palavras. Também me seguram nas palavras. Não partilho Cristo na Comunhão porque não consigo segurá-Lo. Já não consigo segurar nada. Pelo menos há uma coisa melhor. Já não me deito sozinho. Deitam-me.
E com todos estes pensamentos, decidi ser sempre um padre novo!
E com todos estes pensamentos, decidi ser sempre um padre novo!
31 comentários:
Ó padredo confessionário!!!
Temos muito tempo de pensar na velhice, se ela chegar.
Agora esforcemo-nos por viver o dia a dia com as alegrias e dores que aparecem.
E ajudemos os outros a ter esperança em dias melhores...
Sei que fazes assim, mas há sempre horas de alguma inquietação.
Um abraço amigo
Ó Padre do confessionário!... Deixemos as amarguras para quando elas vierem.
Agora vivamos na esperança e alegria pascal.
Sei que vives assim, mas há horas menos boas. Também as tenho.
Um abraço amigo.
O Micróbio faz hoje anos... :-)
Que pensamentos tão esquisitos, padre! Eu ainda não me dei ao trabalho de ter pensamentos desses. Mas posso dizer-lhe que, seguramente, não vai estar sozinho, nem mesmo na velhice. Por mais rezingão que possa vir a ser (e conheço bastantes padres rezingões) os padres têm a capacidade, apesar de tudo, de atrair sempre muita gente (para o bem e para o mal, apesar de tudo). Enfim, até me estou a rir com esta mensagem porque tenho uma pessoa de família que é exactamente a descrição da mulher deste texto. Sempre a queixar-se da vida, e o pior de tudo é que anda sempre à volta do padre, que por sinal, é bastante rezingão (já tem uma certa idade). Estou mesmo a ver o que é que aquele padre deve pensar dela. Tem de aturá-la mas aturar a ele ninguém quer, não é? :)
Qual é o critério da velhice? Não é a idade, mas a maneira (de novidade ou de lamentação) com se que se vive a idade que se tem.
Há gente nova com pensamentos enrodilhados e homens velhos com uma voz de esperança.
No BI nao vem a idade interior, talvez fosse interessasse saber.
Alguém estará sempre contigo, todos os dias até o consumar dos séculos...ainda que o homem envelheça por fora, o interior renova-se. :)))
Isto de pensar na velhice parece de velhos.
Deixemos isso para quando lá chegarmos. Depois algum remédio há-de haver.
Bjs
Sandra
Gostei do blog voltarei a ler te.
O confessionário é um sitio assustador assemelha se a nossa alma e ao recanto onde não nos atrevemos a entrar. Não me lembro s ealgum dia l´´a entrei.
Um dia todos nós envelhecemos
Amigo!
Com um coração assim, um dia que chegue a velhice...todos quererão estar do teu lado !
Essa "lamentadeira"...ui que melga!
Amigo...conheço uma lamentadeira assim ;O)...
Bjs
Carla
Olha que não és só tu que pensas assim. Já conheci um padre que já faleceu e que, apesar dos amigos o visitarem muito durante a sua longa doença, porque não tinha cá família, sentia que essa situação do celibato não era justa, pois tinha-lhe retirado a possibilidade de ter uma familia directa, a vida toda. É na velhice que essas coisas se sentem mais porque ficamos mais fragilizados. Enfim... as opções de vida são assim! Mas não deviam ser! Não é justo! Eu acho que o que pensaste, mesmo que o teu post tenha sido ficção, é um assunto que deve preocupar muitos, mas muitos dos teus colegas, alguns até sem familia próximo. E lá voltamos sempre ao mesmo ponto destas injustiças que foram decretadas em Concílio e que poderiam ser mudadas em Concílio para maior felicidade e amor da Sociedade.
Mas eles é que sabem...
E não me venham cá com essa da dedicação total porque esse argumento não colhe! O que aconteceria às Igrejas da Reforma onde os padres são casados e têm filhos?
Bjs
Gostei da parte final: "… decidi ser sempre um padre novo". Acho que faz bem reflectir as coisas da vida, também a velhice que se aproxima, inexoravelmente, em cada dia. Encarar a realidade não significa ficar deprimido mas aproveitar a frescura actual dos neurónios para ir arrumando ideias, de modo a que, quando os problemas surgirem, a casa esteja pronta para os desmontar e encarar sem dramas. Assim não há depressões, mas qualidade de vida e é tão importante esta atitude preventiva de nos levantar-mos! Quanto ao futuro a confiança no Senhor é o nosso alento… Ele providenciará e não deixará sem recompensa aquele que por causa d'Ele tanto amou e se entregou! O segredo – também o segredo de continuar a ser um padre novo, um homem novo, uma pessoa nova – está nesta abertura contínua à novidade de Jesus que nos fala duma fantasia da caridade… Ainda que eu seja novo, se não tiver amor… de nada me aproveita!
E...acho que fazes mto bem!
A idade está na nossa cabeça, por isso não envelheças por aí...sê sempre um jovem, mesmo tendo os sulcos no rosto...
mostrando que sempre lutaste por ser aquilo que vais sendo...ao longo da caminhada.
O nosso futuro...é sempre o hoje, por isso n te inquietes, vive alegre e feliz...e serás sempre um padre novo!!!
Beijo
A Lamentadeira deixou-o pessimista padre! Eu compreendo porque também tenho horas assim. Mas nas horas optimistas penso que a vida sempre nos trás surpresas. Como dizia o poeta, é sempre mais ou menos do que o que nós queremos. Tento acreditar nisso, e que é possível chegar a velho com uma luz de jovem nos olhos. Uma luz mais dependente do que irradia de dentro de nós do que daquilo que os outros nos dão. Será utopia? Há tão poucos velhos assim...
Dizia alguém assim:
"Eu quero morrer jovem, numa idade avançada!"
ahahah... vou contar um pequeno segredo sem valor (mas serve para explicar o que senti hoje):
Este texto escrevi-o há duas semanas atrás (costumo fazer assim, de vez em quando, por causa de em certos períodos estar mais ocupado e porque me sinto mais inspirado em alguns momentos!)e ocorreu mais ou menos assim.
Mas hoje, ao lê-lo, deu-me uma vontade enorme de rir. Continuoa pensar o mesmo ou a sentir, mas o meu estado de espirito é outro. E tudo muda.
Gostei muito do que o Paulo de Tarso falou. É mesmo isso, amigo. Ainda não tinha visto as coisas assim. Mas reconheço que os meus pensamentos por aqui espalhados são essa forma de encarar a realidade e ir arrumando ideias, o que traz alguma paz...
mata hari... bemvindo
Luz dourada, exactamente por saber que muitos padres de idade avançada sentem isto é que eu penso que tb posso vir a sentir! Sei lá, espero que não!
ó pá, queria responder a todos, mas isto anda mal de tempo...
Por isso agradeço sobretudo aos que vêm de novo.
E prometo em breve arranjar mais tempo.
Gosto tanto de vós. Já não passo sem vos escutar nas palavras que escreveis. pena que não possa tanto passear com frequência por alguns blogs tão interessantes que sois vós...
Neste período da Quaresma, peço perdão...
Tem sido complicado mesmo, entre tantas tarefas, confissões, programas de actividades, cartas, oração, celebrações, funerais a "dar com um pau", já nem sei que lembrar mais... ahh, e ainda por cima hoje fiz um exame médico bem complicadito (já passoi, ufa...).
Beijinhos e abraços a todos.
Olá Sr. Padre, sou dos Açores e gostei muito de visitar o seu blog. Parabéns! Aqui vai o meu comentário:
Há muitas maneiras de ver os outros e o mundo em que todos nós estamos inseridos. A óptica de um pode ser diferente do outro (quase sempre o é!). Todavia, o grande problema da humanidade é julgar os outros segundo a nossa própria óptica, como se a nossa fosse a melhor, é triste mas, pronto, é a vida...
Olá obrigada pela visita.
A foto de Eugénio de Andrade que está no poema, é tirada no parque dos poetas em Oeiras, deve ser, quando ele era mto mais novo,pois tenho outras com ele na idade em que partiu...mas gostei de colocar esta...um poema não tem idade...é eterno, por isso gostei mais de blogar aquela.
Eu também gosto mto dos poemas do Eugénio.
E porque não continuas a escrever poemas...eles lavam-nos a alma....
nem que seja só para nosso consumo....
Um abraço da sonhadora
Tenho quase a certeza que o Confessionário quando chegar a velhote, esteja ele num lar ou em casa, companhia não vai faltar, toda a gente gosta de boa companhia!
Estou a imaginar um daqueles velhotes simpáticos que nos estão sempre a "picar", e que nos deixam sem resposta... Tal como aqui neste blog...
permita-me um cliché:
"a idade é um estado de espírito"
por isso, se decidiu, está decidido!!!
Conheço, e penso que todos conhecemos, pessoas jovens que passam a vida a lamentar-se e a maldizer tudo e todos. Por outro lado, embora raros, também há pessoas mais velhas mas que mantêm uma boa disposição e optimismo de fazer inveja. Deve ser difícil, porque há poucos, mas é possível. Eu não sei se estou a conseguir manter essa disposição, mas ainda tenho esperança. É, o estado de espírito conta muito, por isso temos de cuidar dele.
Um abraço,
Olá, Confessionário.
Essa coisa da cabeça se pôr a pensar no que lhe dá na bolha, sem nos pedir licença... Que coisa... ;)
Uma vez um amigo disse-me: as almas não envelhecem.
E no entanto, tem sentido, uma alma velha, uma alma extenuada.
Também faz sentido alguém que diga: Nasci velho, um bebé velho, não tive infância.
Mas isso mostra, precisamente, que o desgaste da alma não decorre directamente da temporalidade. Decorre de si própria.
Uma alma que decide ser sempre nova – de imediato o é ;) É a vantagem e risco da alma – torna-se no que almeja.
Um abraço.
PS: E já agora, eu visitar-te-ia ;););) É só dizeres onde...
Um Padre novo!
Imagina-te assim, como és, aos 80 e tal anos... Será que o teu físico vai aguentar esse espírito que tens? Vai rebentar, de certeza! Eheheheh
Mas continua sempre assim. Creio que Ele te quer sempre assim. Certeza de padre!
Vítor, e eu que gostaria tanto da tua visita!!! E será preciso esperar pela velhice?!
Migalhas, já estou como o outro: se não se aguentar, que se lixe. Eu quero ter sempre este espírito!
:) Conheço tantos velhinhos que me fazem querer chegar à idade deles com aquele espírito...
...qdo lá chegares podes bem ser mais um!!! heheh
Que saudades que eu tinha...por culpa minha que andei "à deriva nos meus sentires"
Mas estou aqui...de novo!
Deixo um beijo...queres?
***BShell
Blue, quero...
Pois é! tenho estado a ler os comentários e quase toda a gente diz "vais ser sempre novo" "a velhice está no espírito" "deixemos isso para quando acontecer"etc...só que todos sabemos que a velhice vai chegar mesmo e a solidão normalmente á a companhia certa a desta idade. Muitas pessoas tornam-se amargas e tristes-è a realidade! Se não se tiver uma família próxima que acarinhe, compreenda e ajude, é um período difícil. Não deveria ser uma espera para a morte. Deveria ser um periodo de dulcificação para entrar na outra vida e às vezes não é pela solidão, pelo desamor.
Eu estou como o confessionário. A velhice é uma coisa que me assusta mesmo, confesso.
A vida está tão complicada para todos e as solicitações são tantas que os velhos ficam sempre um pouco em último lugar...
Gostaria de não ser pessimista, mas enfim, é o que vejo e pressinto.
Acho que a reflexão sobre o assunto é necessária e foi muito bem colocada.
Beijinho,
Dad, eu penso mais ou menos como tu. Nós temos todos uma tentação de fugir à realidade, de não aceitar as coisas como elas são ou vão ser. E depois inventamos subterfúgios. Essa é que é essa. E dizemos que vamos sempre ser novos, e que vamos ter espírito novo, e que vamos ter mil e uma pessoas ao nosso lado...
Enfim, não é mau acreditarmos assim. Faz bem não perder a esperança. E tb, quem sabe?!
"Por isso é que eu vou gastar o dinheiro enquanto puder"???
:)
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