Estava de cama. Bastante mal. Muito sofrimento. Um sofrimento que eu chamaria de calado. Porque não se transformava em queixas. Só se percebia nas expressões do rosto que, mesmo assim, continuava a sorrir. O meu velhinho predilecto. Ainda por cima sem família. Ele e a irmã. Os dois com muita idade. E um dia, conta alguém que o visitou, pois que merecia muita atenção dos amigos, ele estava de olhos fechados. Parecia dormir. O amigo chamou: Ti Zé-é. Nada. Olhos fechados. De novo Ti Zé-é. Nada. Ainda se pensou o pior. Passados uns cinco longos minutos, abriu os olhos. E a boca: desculpa, mas estava a rezar. Boca aberta do amigo também.
Mas não é só esta. Outra foi comigo. Já não conseguia rezar. Não tinha forças para passar as contas do terço. Pediu-me para ajudar. Eu disse para pensar em Deus, que era uma bonita, uma outra forma, de rezar. Mas que isso fazia e queria mais. Terço na mão. Muito concentrado. Umas cinco ou seis vezes caiu o terço das mãos. Ai que tenho de começar do início. Não tinha forças para segurar o terço. Mas insistia. Eu olhava estarrecido. Às tantas, para o sossegar, peguei no terço caído e emendei: Já vai aqui nas últimas ave-marias. Eu vi. Não tinha visto, mas disse-lhe que sim. Rezamos os dois. Ele sorriu. Se o Senhor padre diz!
Parecem pequenas coisas. Mas para mim foram e são grandes. Mais ainda neste momento, pois daqui a nada vou ajudar a levá-lo para Deus. O funeral do meu velhinho predilecto é daqui a nada. Estou um pouco sem saber como. Vai ser bonita a missa, como todas as outras. Ou melhor que estas. Um sacristão que serviu durante 53 anos a Igreja merece. Um indivíduo que se dedicou a Deus merece.
Isto anda complicado. Na semana passada foram quatro. Nesta já tenho dois marcados. No Sábado foi o funeral da velhinha que pedia para lá voltar. Custa tanto ser padre nestas ocasiões…
Mas não é só esta. Outra foi comigo. Já não conseguia rezar. Não tinha forças para passar as contas do terço. Pediu-me para ajudar. Eu disse para pensar em Deus, que era uma bonita, uma outra forma, de rezar. Mas que isso fazia e queria mais. Terço na mão. Muito concentrado. Umas cinco ou seis vezes caiu o terço das mãos. Ai que tenho de começar do início. Não tinha forças para segurar o terço. Mas insistia. Eu olhava estarrecido. Às tantas, para o sossegar, peguei no terço caído e emendei: Já vai aqui nas últimas ave-marias. Eu vi. Não tinha visto, mas disse-lhe que sim. Rezamos os dois. Ele sorriu. Se o Senhor padre diz!
Parecem pequenas coisas. Mas para mim foram e são grandes. Mais ainda neste momento, pois daqui a nada vou ajudar a levá-lo para Deus. O funeral do meu velhinho predilecto é daqui a nada. Estou um pouco sem saber como. Vai ser bonita a missa, como todas as outras. Ou melhor que estas. Um sacristão que serviu durante 53 anos a Igreja merece. Um indivíduo que se dedicou a Deus merece.
Isto anda complicado. Na semana passada foram quatro. Nesta já tenho dois marcados. No Sábado foi o funeral da velhinha que pedia para lá voltar. Custa tanto ser padre nestas ocasiões…
adenda:
"...agora que terminou o funeral: Aprendi que, apesar da nossa fragilidade, da nossa forma simples e discreta de ser, podemos entregar-nos completamente a Deus. Foi isso que aprendi com este homem, com este amigo que se entregou discretamente a Deus em toda a sua vida!"
21 comentários:
:-(
Custa tanto ser gente nestas ocasiões...
Cada pessoa que se cruza no nosso caminho e com quem privamos, transforma-nos naquilo que somos... uns mais, outros menos, mas temos um pedacinho de cada um. Nestas alturas resta-nos olhar e ver qual a herança que deixou em nós... e, estar presente é agradecer, é mostrar que, de outra forma, continuará a viver...
Acredito amigo!
Força...e fé!
Bjs
Carla
Pois é... agora que terminou o funeral, aprendi nova coisa: Aprendi que, apesar da nossa fragilidade, da nossa forma simples e discreta de ser, podemos entregar-nos completamente a Deus. Foi isso que aprendi com este homem.
Vu fazer uma adenda no post.
São tão dificeis estas ocasiões... que todas as palavras são poucas e pequenas para descrever o que vai na alma nestas alturas...
Beijinhos
Ana Isabel
Quando eu era pequenina e morria alguém lá da terra, a minha avó dizia sempre: "Não fiques triste. Ele(a) está melhor que nós, está com Deus."
E eu não ficava tão triste...
Gostei muito do post, muito sincero e sentido. Só não gostei da frase, quando dizes: "daqui a pouco vou levá-lo para Deus". Ninguém faz isso,nem um padre. A alma não se leva,só se entrega o corpo...concerteza quando escreveste isso a alma do bom vijante já vagava pelo caminho eterno, para Deus.
Beijinho,
É! Ainda há muita gente que reza. E não só quando estão "com a corda ao pescoço".
Eles são os nossos mestres...
custa tanto sentir, nestas ocasiões.
mas segundo me disseram, é uma forma de estar mais perto de Deus, porque nessas ocasiões ele apoia-nos, mesmo que não o saibamos.
disseram-me.
Arrepiante.
Há muito tempo que ando para vos perguntar! Alguém sabe alguma coisa do Pedro Malheiros? Ele desapareceu da blogosfera e os url dele não são encontrados...
Se alguém souber, diga, aqui ou no meu blog, ok?
Obrigada e beijinho,
Pois tens alguma razão, Luz. Eu não levei nem ajudei. Ele já lá estava porque Deus é que faz tudo. Foi mesmo uma expressão: A expressão de quem tem de obrigatoriamente presidir à cerimónia.
E quanto ao Pedro, ohhh, há quanto tempo!!! Nada.
Muito obrigado, padre.
Realmente nestes momentos ficamos sem palavras, sem reacção possivel. A fé ajuda a ultrapassar estes momentos. Sabemos que apesar de "fisicamente" deixarem o mundo dos vivos, eles continuarão sempre no nosso coração. Sabemos que um dia iremos encontrá-los de novo, junto ao Pai...
Mas que custa esta separação, isso custa.
Força, Confessionário!
Partilho a minha experiência. Custa-me dizer adeus a alguém de quem gosto, custa-me sentir a dor dos que estão de luto, custa-me encontrar palavras que tragam algum consolo sem serem traidoras do mistério; mas não me custa ser padre nesses momentos. Sinto uma grande honra em poder presidir ou acompanhar a última despedida a um irmão; em assinalar o fim de um percurso entre nós, mesmo breve que tenha sido, ou sofrido, ou marcado pelo pecado; em poder dar testemunho da fé cristã, segundo a qual aquele irmão vive, agora totalmente em verdade e paz, imerso em Deus; em poder interiorizar a seriedade da vida e a importância das relações que construimos, e que devemos valorizar enquanto é tempo... Perdoem-me (pois pode parecer chocante), mas a verdade é que os funerais têm-me mostrado muitas vezes que vale a pena ser padre...
Nestas ocasiões o silêncio é de ouro...
rezar é a melhor coisa do mundo!
presenças como a que o padre descreve no post devem ficar guardadas no nosso coração... são presentes de Deus...
Sim, � verdade... De uma forma ou de outra ao longo da vida vamos ficando privados das pessoas de quem gostamos.
No entanto, alguem dizia que essas pessoas n�o nos abandonam, mas sim deixaram de ser vistas temporariamente porque fizeram primeiro uma curva ao longe um pouco antes de n�s.
Eu gosto de pensar assim ...
Na teia dos desafios, fui desafiado e agora passo a desafiar-te . Alimentando o espírito voyeurista que há em nós, passa pelo meu blog e responde (Se quiseres obvio.) www.lacosazuis.blogs.sapo.pt
É verdade... e a Palavra de Deus em Eclesiastes já nos diz que é mais útil ir a funerais do que a festas de aniversário, porque devemos pensar no nosso destino enquanto é tempo.
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