sexta-feira, outubro 01, 2010

A minha tarefa

(IN)COMPLETA 1
autoria Alexandra
Bateu à porta dez vezes seguidas. Ou por falta de respeito, ou por pressa, ou por acumulação de nervos. Abri a porta de rompante. Não conhecia o rapaz. Teria os seus dezoito anos. Cabelo desgrenhado, à moda. Calças rasgadas no joelho, à moda. Piercing na sobrancelha, à moda. O suor aparentava a corrida. Preciso falar, padre. Preciso que alguém me ouça. Ao primeiro olhar, apeteceu-me dizer que estava ocupado. Não era pela apresentação, mas pelo tom da voz. E foi o mesmo tom que o deixou entrar para o escritório. Imaginei tudo e mais alguma coisa. Álcool. Droga. Sexo. Fuga de casa. Falta de dinheiro. Mas o tom da voz fez-me pensar naquele Cristo que nós queremos ser. Entra em minha casa. Procurai e abrir-se-vos-á. Sentou-se logo, sem pedir licença. Sentei-me também. E disse para mim. Confia em Deus. Disse-lhe o mesmo. Confia em Deus. Sabe, vim agora de estar com outro padre que me fechou a porta. Não me deixou entrar em sua casa. Quis esquecer o tom de voz, mas ela ecoava nos meus ouvidos. Por momentos fechei os olhos... Pensei no outro. Na porta fechada. Estremeci e abri os olhos. Continuava ali sentado. O seu rosto tornava-se inexpressivo. Apenas umas lágrimas silenciosas iam caindo. Olhei-o sem o ver. Hesitei e duvidei. Fiquei parado, impotente. Aquela expressão de infinita solidão, de abandono, fez-me lembrar Ele. Lentamente levantei-me. Ele assustou-se. Não me mande embora. Não, só te quero abraçar. Estendi os meus braços fortes para aquele corpo frágil. Compreendi que aquela também era a minha tarefa: a mesma que escolheste para Ti. Dar a vida pelos outros. Os minutos passaram. Não ouve palavras... fiquei ali parado simplesmente a abraça-lo. Fiquei no mesmo lugar depois de ele sair. As minhas pernas quebraram, lentamente os meus joelhos tocaram o chão. Uma lágrima desceu pelo meu rosto. Uma lágrima de gratidão. Obrigado por me fazeres semelhante a Ti.
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E aqui está a minha escolha. Foi difícil efectuá-la, dada a diversidade de assuntos, conlusões, reflexões e escritas que aqui colocastes. Escolhi a da Alexandra (A Minha Tarefa) pela identidade e personalidade do confessionário captadas. Gostei que me colocasse assim. Tomara ter sido verdade.
Gostaria de mencionar honrosamente a TiAna (Corda Bamba) e a Joana (Nossa Igreja). Não escolhi a Joana porque assumi que apenas escolheria um texto. Não escolhi a TiAna por uma questão de escrita, pois eu não costumo usar muitas reticências. Além disso falta um final que seja resposta.
Acrescento ainda que alguns dos textos necessitariam, a meu ver, deste tipo de final que fosse resposta ou que obrigasse a uma reflexão mais profunda ainda. Porém, gostei muito do que li. Espero que o resto dos meus "penitentes" também tenha gostado. Há por aí muita gente a pensar parecido comigo, a sentir parecido comigo, a escrever parecido comigo. E foi muito interessante perceber como é possível conduzir um texto para muitos sentidos e sensações. Obrigado a todos. Qualquer dia repetimos a experiência.
Abraço amigo a todos os que contribuiram para a (In)completa 1

sábado, setembro 04, 2010

(in)completa 1

Bateu à porta dez vezes seguidas. Ou por falta de respeito, ou por pressa, ou por acumulação de nervos. Abri a porta de rompante. Não conhecia o rapaz. Teria os seus dezoito anos. Cabelo desgrenhado, à moda. Calças rasgadas no joelho, à moda. Piercing na sobrancelha, à moda. O suor aparentava a corrida. Preciso falar, padre. Preciso que alguém me ouça. Ao primeiro olhar, apeteceu-me dizer que estava ocupado. Não era pela apresentação, mas pelo tom da voz. E foi o mesmo tom que o deixou entrar para o escritório. Imaginei tudo e mais alguma coisa. Álcool. Droga. Sexo. Fuga de casa. Falta de dinheiro. Mas o tom da voz fez-me pensar naquele Cristo que nós queremos ser. Entra em minha casa. Procurai e abrir-se-vos-á. Sentou-se logo, sem pedir licença. Sentei-me também. E disse para mim. Confia em Deus. Disse-lhe o mesmo. Confia em Deus. Sabe, vim agora de estar com outro padre que me fechou a porta. Não me deixou entrar em sua casa. Quis esquecer o tom de voz, mas (...)
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Se queres ser tu a decidir o rumo das histórias e textos deste "Confessionário", então o "(in)completa" é para ti. Terás oportunidade de imaginar o final do texto e seres o seu autor. Aliás, o melhor final será publicado como post. Considero que esta é uma nova etapa do Confessionário, pois o "(in)completa", como lhe vou chamar, pretende ser um novo espaço para uma participação mais activa de cada "penitente". Ao mesmo tempo, servirá as ocasiões ou épocas em que a minha disponibilidade for menor, como é agora o caso, dado que vou estar de férias.
As regras são simples:
  1. Para participar, deves enviar o teu texto como "coment"
  2. deves dar um nome ao texto (com maiúsculas)
  3. deves repetir a última frase na íntegra, retirando as reticências.
  4. deves assinar no final, mesmo que seja com pseudónimo
  5. deves esforçar-te por não alongar muito o texto (no máximo 600 caracteres, isto é, cerca de 125 palavras)
  6. deves respeitar o espírito e personalidade do "Confessionário dum Padre"
  7. se o texto for, de alguma forma, abusivo, não será publicado
  8. podes participar com o máximo de 3 textos

N.B. Também poderás comentar nos coments os textos dos participantes; se achares necessária mais alguma regra, informa-me!

Obrigado, amigos. E boas férias!

sábado, agosto 14, 2010

Que dizer quando apetece berrar ou calar?

Caminho a passos largos, desconcertados e rápidos. Vou ao confessionário falar com o padre. Entro e bato a porta. Não é com força, mas ouve-se bem a inquietação. Estou dum lado para falar. Estou do outro para ouvir. Dirijo-me a mim próprio e digo como é isso? Que dizer daqueles que vão acompanhar o falecido no funeral, mas que ficam do lado de fora da Igreja, acompanham o caminho até ao cemitério em amenas cavaqueiras com os parceiros que se colocarem ao lado e que precisam por as conversas em dia. Ou as mexeriquices. Chegam ao cemitério. Encostam às boxes. Do lado de fora do muro. Continuam a cavaqueira. Acabam as exéquias e regressam com a consciência tranquila para casa. Que dizer?! Que dizer daqueles que enchem as igrejas na bênção dos ramos, mas são capazes de sair após a bênção. Ou vão naquele dia e não aparecem em outro. Que dizer daqueles que querem e exigem baptizar os seus filhinhos queridos, de preferência quantos antes. O antes que aconteça algo. E não colocam sequer a hipótese de casar com a bênção matrimonial de Deus. Que dizer daqueles que enchem a praça para ver a procissão passar, porque tem de passar, e eu tenho de estar para ela passar. Tão só isto, que eu não preciso caminhar na procissão e muito menos ir à missa. Gosto mais dos santinhos a passear do que Deus lá na missa. Que dizer daqueles que batem no peito porque têm um peito do tamanho da religião, mas depois vivem apontando os dedos, atirando nos outros com os seus murmúrios e comentários?
Como é isso?! E como é aquilo?! E aqueloutro ou aqueloutra coisa?! Que cristãos são?! Que amigos são?! Que gente é?! Que respeito possuem?! Que rituais cumprem?! Que orações cumprem?! Que enganos professam? Que vida vivem?! Que fé é essa?!
Acho que a palavra Fé soou mais alto porque do lado de dentro dei um salto na cadeira. E, do lado de fora, esperei pela minha resposta. O que obtive? Um longo silêncio.

sexta-feira, agosto 06, 2010

Estou a ficar velho

Olho para o meu pai e penso. Estou a ficar velho. E depois penso na vida que não tem tempo. Ou tem um tempo que se vive, mas que não é a vida. Engraçado que fazemos tudo para medi-lo como se fosse a vida. Medimo-lo com segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, mas ele é sempre um algo que está a passar. Ainda agora era e já não é. Por isso apenas dou conta que deve existir um tempo, mas que a vida não anda com ele. A vida é mais do que o tempo. Está para além do tempo. Depende mais de nós do que do tempo. Depende mais de Deus do que do tempo. Depende mais da intensidade que da longevidade.
Estou a ficar velho. Aliás, estamos sempre a ficar velhos. E ponto final. Mas até aqui não pensava nisso e agora penso. Essa é que a é a diferença. Aqui há uns anos atrás, sentia que ainda tinha muito para viver e não pensava senão em viver. Ou melhor, nem pensava que tinha muito para viver. Simplesmente vivia. Agora começo a pensar que rapidamente a vida corre e nós somos apenas quem a vive neste tempo que, constantemente, ainda agora era e já não é.
Não tenho medo de morrer. Já há muito que tenho a certeza de que esse momento é a plenitude da vida e do amor. A plenitude do encontro com Deus. Mas existe algum temor dentro de mim perante aquilo que posso perder entretanto. As forças, as capacidades, as energias, a memória, a elegância, a sensatez. Resta-me a certeza de que as virtudes não se perdem. Porém, quando estiver reduzido às virtudes e àquilo que os outros podem fazer por mim, que será desta missão que Deus me entregou? Que será da minha vida? Como me poderei ainda gastar nela? Que me pedirá Ele que eu faça ou seja nessa ocasião? Que tempo será o meu?
Olho para mim e penso. Estou a ficar velho.

sábado, julho 31, 2010

O caso descaso!

Dirijo-me à conservatória do registo civil. Vou apressado porque é o último dia para entregar a acta do casamento de sábado. Temos três dias úteis para o fazer. Esqueci de retirar os óculos de sol. Está um calor insuportável. Entro e tudo se faz escuro. Continua, porém o calor. Estavam várias pessoas na fila de espera. Os padres já são conhecidos por tantas actas que entregam. Apesar de ser uma entrega simples e rápida, não quis ultrapassar ninguém da fila. Porém, de entre o escuro reconheço uma paroquiana. Olhamos um para o outro. Por aqui, padre? E tu também por aqui, Sofia? São as perguntas óbvias, como se não tivéssemos percebido que estávamos lá. Eu tinha a desculpa dos óculos escuros. Ela tinha a desculpa de estar de costas. Mas fizemos a aproximação normal das pessoas que se conhecem bem. Então que faz? Perguntou. Trago uma acta de casamento. Por acaso é do casamento deste sábado na paróquia. E tu? Trabalha num escritório de advogados e trazia um pedido de divórcio. Fiquei incomodado. Mas está a tornar-se normal e, sem querer, tentamos que seja normal para nós. Conheço? Tornei. São o José e a São, padre. Os do supermercado. Os meus olhos estavam cobertos pelos óculos e foi o que valeu. Mas fez-se ainda mais escuro e mais calor. Enquanto acrescentava um casal ao número dos casados, na mesma hora ela acrescentava um casal ao número dos divorciados. Não era propriamente novidade que as coisas não andavam bem, pois já os tinha escutado a ambos. Mas não pensei que as minhas palavras e orações não tivessem o efeito desejado. O diálogo gerou-se a partir do caso e descaso das pessoas. O caso hoje e descaso amanhã. A admiração dos que duram mais de dez anos. A admiração pelos que duram dezenas de anos. O conservador explicava que ganhava mais com os divórcios. E eu disse que as famílias, os filhos, a sociedade perdiam. Olhe que se calhar temos mais divórcios por ano que casamentos, padre. Acrescentou. A conversa prolongou-se. Mas fugi dali assim que consegui. Pena que não deixei lá a conversa. Entrei no carro. Continuava muito escuro e muito calor.

sábado, julho 10, 2010

Cumpri tudo

O Afonso veio de fora. Veio para marcar o casamento com a Susana. Apresentaram-se-me os dois à porta de casa para por os pontos nos is, que é como quem diz, para acertar o que houver de acertar. Queriam casar e precisavam saber o que era preciso. Cumpri tudo, diz o noivo. Referia-se ao baptismo, à primeira comunhão, à profissão de fé, ao crisma. Escrevo com letra pequena porque me pareceu que ele falou com letra pequena. Fiz a catequese até ao décimo ano. Faz parte deste grupo que, cada vez, se torna mais minoritário. Por isso, sorria. Cumpri tudo, padre. Ao que eu perguntei se não faltava alguma coisa. E ao que ele respondeu que tinha razão. Faltava o casamento.
E com a resposta, com tudo o que cumpriu, e com o significado da palavra cumprir, fiquei sem saber se tinha aquilo que deve ter um cristão que decide realizar este sacramento do matrimónio, ou outro, com verdade.

sábado, junho 26, 2010

Hoje entrou Deus em minha casa

Sacudi a lama das botas no tapete da entrada. E a porta abriu-se, apressada, para que eu entrasse. A filha mais velha de dez irmãos procurara-me na noite anterior para dar lá um salto a casa. O pai estava de cama, a última cama que o vai receber, de certeza, padre. Está deitado nos últimos lençóis que vai usar. Pressinto-o. Pode lá dar um salto? As palavras não eram directas, porque não queriam ser assumidas. Não queriam ser verdade no seu coração. Por isso dizia o que queria dizer sem que dissesse o que pensava dizer.
Seriam umas dez horas quando bati à porta. Sacudi a lama porque o tempo na rua nunca é igual ao tempo por dentro da nossa casa. Ela não tinha avisado o pai, para que ele não pensasse que ela pensava que ele precisava. Recordo que na rua estava frio e escuro. Nublado. Mas em casa havia um ambiente quente, claro, terno. Entrara noutra realidade. Olhe, pai. Disse a filha. Olhe quem o veio ver. Abriu os olhos, vivos, ao contrário de quase todo o corpo. Olhe. Olhou. Sorriu e disse Hoje entrou Deus em minha casa.
Não consigo descrever-vos o que senti, porque as emoções fortes, mais do que escrevê-las, vivem-se. Porém, posso garantir que naquele dia senti que valia a pena ser padre. Nem que só por uma vez na vida reconhecessem que nós éramos um caminho que Deus atravessa para chegar ao homem, já valia a pena. Não estava em causa ser confundido com Deus, porque de Deus não tenho senão o que Ele quis. Esteve em causa sentir que, independentemente do barro com que somos feitos, Deus usa-nos e molda-nos para se manifestar ao homem.

Na tua opinião, os padres são necesários?

Terminou o ano sacerdotal. Entre muitas perguntas e questões que se levantaram e levantam, achei oportuno fazer nova sondagem com a pergunta: Na tua opinião os padres são necessários para o mundo?

Para a maioria dos meus "penitentes", pelo menos 70%, a vinda do Papa a Portugal foi muito importante, como vimos em anterior sondagem. Ele é, portanto, muito importante para um país, para uma Igreja, para o mundo. Mas até que ponto os padres o são também, independentemente das suas fragilidades?

Fica a questão para reflectirmos.

Depois de responderes na sondagem do sidebar, podes deixar aqui mais clara a tua opinião.

quarta-feira, junho 09, 2010

A menina que era para ficar à porta

À hora marcada lá estavam. Ela de vestido bege, com alguns folhos mas simples, com um ramo de rosas na mão e uma fita na cabeça. Ele de fato e gravata azuis. Tinham decidido casar e baptizar a sua filha que, apesar de ir ao colo, já mexia e esbracejava. Como a circunstância era peculiar, a criança estava no colo da avó, a mãe da mãe. Poucos convidados. Muita simplicidade no acontecimento. Uma beleza de simplicidade que me agradou, e por isso, já paramentado, fui à porta recebê-los, conversar, combinar. A avó não saia do guarda-vento, a antessala da igreja, aquela parte da entrada da igreja que ainda parece ser fora da igreja. Pensei que queria acompanhar a filha e o genro. Entretanto, distraída por alguém que a chamava de dentro da igreja, a avó ia avançar em direcção ao altar quando a filha, portanto a mãe da criança, gesticula uma expressão de susto, de receio, de aflição, e quase grita para que a mãe não avance. Mãe, não passes daqui com a menina. A mãe, portanto a avó, pede desculpa e regressa ao lugar do guarda-vento. Percebi a aflição, o receio, o susto. Como percebo as confusões que muitos dos nossos ditos cristãos ainda têm na cabeça. Como percebo a mistura confusa que fazem de superstições, bruxarias, comezinhas, benzelhices e a fé, os sacramentos, a vida. Ou melhor, não percebo.
Perguntei à mãe da menina se queria ausentar a filha da sua cerimónia de casamento. Se iam separar-se naquele momento, pais e filha. Se não tinha mais sentido participar em tudo, já que era um dom de Deus. Depois expliquei que não é o lugar que faz a vida, mas o amor de Deus. Expliquei em palavras mais simples. E disse que Deus ama também os que ainda não estão baptizados ou que nunca se vão baptizar. E que o mal acontece no mundo independentemente de estarmos baptizados ou não. O que interessa é a fé com que fazemos as coisas, o amor com que celebramos os sacramentos. Expliquei em palavras mais simples para que entendessem. E entenderam.
Convidei-os então a subirmos ao altar e lá fomos os cinco, padre, pai, mãe, filha, avó e a menina que era para ficar à porta.

sábado, junho 05, 2010

Na tua opinião, o celibato dos padres...

Nova sondagem. Relacionado com o post anterior, surge a hipótese de continuarmos a reflexão, dando-lhe uma outra vertente. Será oportuno ou não o celibato dos padres? Será imprescindível ou não o celibato dos padres? Radicará ou não na sua vocação ministerial?

Podes comentar aqui as tuas respostas ou as votações que forem surgindo, depois de responderes na sondagem do sidebar!