quinta-feira, novembro 20, 2008

Será que os animais vão para o céu?

Irmão Sol. Irmã Lua. Irmã árvore. Irmão pintassilgo. Irmão cão. Faz sentido gostar do que Deus criou, como faz muito sentido gostar e tratar bem dos animais. Um amigo meu gosta do que habitualmente dizemos ser o melhor amigo do homem, os cães. Digo-o sem segundos sentidos. Relaciona-se bem com eles. Eu também me relaciono bem com eles, mas apenas quando estão presos. Fora disso é só uma espécie de respeito. Eu gosto de lhe chamar respeito. Porém, o meu amigo gosta tanto deles que um dia, numa conversa daquelas em que costumamos reflectir assuntos ou passar algum tempo à procura de assuntos para reflectir, saiu-se com esta. Será que os animais vão para o céu? Fiquei de pernas e mãos atadas no sentido mais intelectual da expressão. Nunca se me havia deparado semelhante questão. Não imaginei sequer que um dia pudesse ser questão. Comecei por dizer aquilo que era mais fácil, o Olha pró que te deu. Não me podia desarmar e por isso passei para o Ora bem, eu penso que. E depois de pedir ajuda a Deus, se é que Ele pudesse estar interessado em ajudar-me, fui raciocinando em voz alta. Ora bem, eu penso que eles são capazes de se relacionar, mas não são capazes de amar no verdadeiro sentido da palavra, porque amar é algo gratuito, desinteressado. Os animais amam quando recebem algo, quando se habituam. Há pessoas assim, mas isso não interessa para esta nossa discussão, disse para amenizar ou aliviar o diálogo. Por este motivo não devem conseguir estabelecer relação de amor com Deus, não achas? Ora bem, eu penso que se não estabelecem relação de amor com Deus, não tem sentido pensar que eles possam ir para o céu. Disse mais umas três ou quatro vezes palavras parecidas com pensar e possam e ora bem eu penso que, porque não sabia o que dizer mais. Mas para mim o céu, apesar dessa ideia fenomenal de ser um paraíso, não precisa de tanta criatura bela. Só de imaginar que podia haver cães no céu à solta…

sábado, novembro 15, 2008

O meu retiro

Estava no meu décimo segundo ano, prestes a ingressar em teologia. Um passo decisivo. Éramos mais que dez, mas não lembro o número ao certo. Não foi isso que me marcou. O nosso Director Espiritual agendara um retiro a que chamava de decisivo. A entrada em teologia era um passo importante. Modelo de Santo Inácio. Pequena introdução à reflexão com os passos a seguir. Depois uma hora de meditação individual. Foi uma semana de grande silêncio. Ainda recordo o tinir dos pratos às refeições e o chilreio dos pássaros. Passei uma tarde sentado no monte, apenas com Deus, uma sandes e uma maçã. Conversei muito com Ele e comigo. Às tantas o padre pregador ensina uma técnica. Desenhem numa folha duas colunas. Na primeira enumerem as razões pelas quais devem ir para padre. Na segunda as razões para não irem. Foi um grande debate interior. Enchi a folha, tanto de um lado como do outro. Penso agora que escrevi mais na primeira que na segunda. Mas às tantas, parei bruscamente. Assaltou-me um pensamento. Melhor, um sentimento. Deus ama-me tanto! E repetia-o. A repetição não saía de dentro de mim. Recordo que estava na Capela, sozinho, a um canto. Era um final de tarde. O lusco-fusco salientava a luz que alumiava o Santíssimo. Atirei a folha ao chão. Não havia necessidade dela. O amor de Deus bastava. Fiquei a olhar a luz que pousava na folha. Era a luz que vinha do sacrário. Deus ama-me tanto! Uns anos mais tarde, antes da minha ordenação, ainda sentia esta repetição. Hoje ainda vou buscar forças a este retiro, a esta repetição. Engraçado como não foi amor a Deus que me tornou sacerdote, mas o amor de Deus.

segunda-feira, novembro 10, 2008

Nem pensar

O Tiago é um miúdo esperto. Tem treze anos. Vai sempre à missa. É meu acolito. Tem um sorriso do tamanho de Deus. Enquanto segura na vela junto ao Evangelho, espreita para acompanhar a sua leitura. Penso que é um miúdo que Deus já tocou de maneira especial. Por isso penso também que poderia ser chamado de forma especial para o sacerdócio. De vez em quando insisto qualquer coisa como Bem poderias ir para padre. Davas um bom padre. Já te imaginaste meu colega? Desde pequenito que insisto. Hoje deu-me para falar de novo. A mãe estava presente. Ela ficaria contente, de certeza. Estavam mais duas pessoas na sacristia. A missa terminara, e eu insisti. Bem que podias ir para padre. Nem pensar, respondeu convicto. Um dos presentes lembrou que assim não podia casar. Todos os presentes pensámos no celibato e no casamento. Mas o Tiago acrescentou. Não tem nada a ver com isso. Então, porque não hás-de ir para padre, perguntei. Nem pensar. Já viu o que os padres passam, o que os padres têm de aturar?! Nem pensar.
Calou-me a insistência. Calou o palpite dos presentes. Calou aqueles que procuram respostas quase científicas para a falta de vocações consagradas. Falou daquilo que muitos sentem, partindo daquilo que vêm e ouvem, quando lhes é feito o convite.

sexta-feira, outubro 31, 2008

As paróquias que estão a morrer

A conversa não aconteceu no café, mas foi uma conversa de café. Conversa de café de padres. Falávamos das nossas vidas, das nossas canseiras, das nossas paróquias. À medida que cada um falava, eu anotava no meu semblante conclusões para o futuro da nossa Igreja. Ouvi mais que falei. Falei mais com expressões do rosto que com as palavras a sair da boca. Reconheço que estava mais interessado em tirar conclusões. E hoje, quase a entrarmos em Novembro, mês em que as folhas caem mais sem pedir ajuda, e em que o tempo nos faz ver tudo mais escuro, recordo o que um deles disse a determinada altura acerca de uma paróquia onde entrara há uns meses. Sabiam que não tenho lá primeira comunhão faz já uns quinze anos? Perante tamanha afirmação feita como pergunta, não fui apenas eu que esbocei um rosto de admiração. Todos imaginámos que o trabalho do pároco anterior não tinha sido cuidado e que agora o nosso colega teria de colocar toda aquela gente a fazer a primeira comunhão. Julgámos errado. Bem costumo dizer que não devemos ser juízes dos outros e que apenas Deus verdadeiramente pode exercer esse acto de julgar. E só o pode fazer Ele, porque o faz sempre numa perspectiva de amor para com quem exerce o julgamento. Julgámos errado e o colega explicou. Não tinha havido primeiras comunhões porque durante estes anos não tinha havido crianças naquela paróquia. Mais admirados ficámos. Um outro colega, rindo despregadamente, insinuou que assim não teria tanto trabalho nem preocupações. Todos nos juntámos à risada. Mas o nosso colega confidenciou. Mais uma vez julgastes errado, porque isto constitui maior preocupação. É que as nossas paróquias estão a morrer.

sexta-feira, outubro 24, 2008

sondagem_ “Como classificas os católicos hoje em Portugal?”

Passado que vai mais de meio ano da última sondagem e 549 votos, chegou a hora (parecia que nunca mais chegava!!!) de avaliar a sondagem que estava no lado esquerdo, no sidebar. A questão era:
“Como classificas os católicos hoje em Portugal?””

E os resultados são:
1. sem formação _27%
2. indiferentes _19%
3. tradicionalistas _16%
4. não praticantes _10%
5. gente de fé _ 9%
6. simpatizantes _8%
7. supersticiosos _5%
8. anti-clericais _4%
9. praticantes _1%
10. responsáveis _1%
_________________________________
pequenas considerações:

Não podemos esquecer que o fazer uma classificação, por si, é sempre um acto que depende da perspectiva de vida de quem vota. Por este motivo, esta sondagem pode ser apenas um mero barómetro para auscultar aquilo que pensa um grupo de pessoas. De facto não podemos nunca classificar ninguém nem medir de forma exacta a sua fé. No entanto, podemos aproveitar estes resultados para pensar.

Não vou fazer muitas considerações. Vou deixá-las para cada um as realizar. Mas não posso deixar de realçar:

  1. que 72 % das respostas evidenciam um total afastamento, uma inadequada formação ou a total ausência dela;
  2. que a anterior conclusão traz consigo uma grave constatação: que aqueles que habitualmente chamamos de católicos portugueses não são verdadeiros católicos;
  3. que “gente de fé”, “responsáveis” e “praticantes” apenas contabilizam 11 %;
  4. que não parece haver um grande espírito anti-clerical;
  5. que o mais votado se prende com a falta de formação, o que indicia uma fé por “arrasto” e a urgência de contrariar esta situação;
  6. que a vida dos padres ou agentes de pastoral fica complicada, dado que o seu trabalho vai ser nos próximos tempos algo próximo da “manutenção”, porque é o que as pessoas vão pedir; próximo da “tradição” porque é o que as pessoas querem; votado à formação, o que exige tempo e dedicação, coisa que menos abunda;

    Que considerações farias tu?

Hoje surge nova sondagem, enquadrada nas novidades (seria novidade?!) ou preocupações que têm surgido do Sínodo dos Bispos sobre a “Palavra de Deus na vida e missão da Igreja”. Também podes explicar os motivos da tua opção. A pergunta é:

Como classificas de uma forma geral as homilias que tens ouvido?

quinta-feira, outubro 16, 2008

É dentro de nós que a vida se resolve.

O Guilherme tem dezanove anos. Bateu à porta com o rosto curvado. Com o corpo curvado pela vida e não pela idade. Faz parte desta geração que consome as coisas, a escola, os amigos, os prazeres, o tempo, a estrada, a vida. Faz parte da nossa geração, daqueles que tendo vinte, trinta, quarenta, cinquenta, sessenta ou setenta anos, vivemos consumindo o que a vida nos dá sem que o sabor dela se entranhe no nosso corpo e na nossa mente. Vivemos mais numa e para uma sociedade que nos define, do que nos definimos perante e para uma sociedade. Por isso hoje o mundo passa depressa e se ontem tínhamos um bibe no corpo e uma chupeta na boca, hoje temos os cabelos grisalhos. Tudo não passa de uma noite mal dormida e quando acordamos estamos a uma grande distância daquilo que éramos.
Por isso hoje queria dizer-vos aquilo que disse ao Guilherme por causa da imensidão de problemas que ele mencionou na sua vida. Queria dizer-vos que nós resolvemos a vida desde dentro. Não resolvemos os nossos problemas com a mudança das situações, com a mudança das coisas à nossa volta, com a mudança dos outros. Tentamos esquecer. Tentamos mudar de lugar, de habitação, de curso, de carro. Tentamos mudar de amigos, procurar amigos, mudar os seus comportamentos e atitudes. Impingimos a nossa forma de sentir e pensar. Mas é dentro de nós que a vida se resolve.

segunda-feira, agosto 04, 2008

Um olá bem grande

Olá, amigos.
Devo-vos uma explicação e faço-a agora neste breve texto.
Estive imensamente ocupado, o que me impediu de escrever com a regularidade que pretendia e que, alguns pelo menos, têm pedido. Neste momento, e apesar de ainda não estar em férias, encontro-me em tentativas de descansar um pouco. Por isso e apesar de ter alguma disponibilidade, não tenho nem a inspiração nem a vontade necessárias para fazer partilhas escritas. Também não tenho visto com regularidade o email e respondido às dúvidas, dificuldades, inquietações que por lá abundam. Peço imensas desculpas pelo facto. Espero fazê-lo quando algumas condições se reunirem.
Não. O Confessionário não vai desaparecer. Mas nas próximas semanas vai continuar a ser difícil vir aqui, escrever aqui, sentir-vos aqui, amar-vos aqui...
Desejo-vos umas boas férias (para quem as tem). Mas não esqueçam que de Deus não se faz férias! Até breve.

segunda-feira, junho 30, 2008

Todas as semanas têm um Domingo

Todas as semanas têm um Domingo. Óbvio. Isso significa levantar a trouxa e levar armas e bagagens pelas estradas da zona. Levantar cedito. O suficiente para uma boa higiene, que o dia merece, umas pequenas fatias de qualquer coisa, umas orações rápidas, uma vista de olhos pelo esquema da homilia. Sim, que preparo sempre a homilia. Faço um esquema bem completo. Para evitar fugir do assunto e para atingir bem os fins propostos. Propostos por mim e pelo Evangelho. Sempre com referência neste. Melhor, sempre a beber da fonte que este é. E toca a marchar. Cheio de sono. Olhos semi-abertos. Primeira estação. Já está tudo mais ou menos pronto. Tenho grupos corais muito bons. Por esta banda abundam bandas. E ajuda. Os acólitos. Os Ministros. Entro pelo fundo. Sorrio. É costume meu. Mesmo com sono, sorrio. Nem que seja para disfarçar as olheiras. Saudação. Se possível, faz-se com que todos se sintam bem. Final. Desejo bom Domingo. Segunda estação. Entrei, andei e saí do carro aceleradamente. O senhor padre anda sempre a correr, dizem. Quando há baptizados então. Sim. Só os celebramos na eucaristia, com a comunidade presente, com a comunidade a acolher, a receber. Nessas ocasiões, voo. A homilia já sai melhor. Se é incisiva, saio de encontro pelo meio da assembleia. As histórias só de vez em quando, para não gastar todos os trunfos. Quase não olho para o papel, mas está presente para alguma correcção. Há sempre um ou outro que boceja. Não dormiu bem, justifico para meu bem. Eucaristia arejada. Participação de muitos. De vez em quando os da catequese. Fazem-se sinais interessantes. Um dia destes, a propósito do evangelho da multiplicação, distribuímos um pedaço de pão que foi partilhado por uns e outros. Chegou e sobrou. Só falta a chouriça, disse alguém. O momento da consagração é muito especial para mim. O tom de voz muda. Sem hipocrisia. Muda porque assim o sinto. Não há como celebrar eucaristia! Terceira estação. Sai tudo muito melhor. Só que a intensidade da cerimónia começa a pesar. O pessoal diz que sorrio muito. Se não sorrio, alguma coisa está mal por dentro. De vez em quando o Pai-nosso reza-se de mãos dadas. Uh… que grande novidade. Todos o fazem. Se for necessário há palmas. Acólitos e acólitas. Ministros e Ministras. Leitores organizados. Temos Folha Paroquial em todas as paróquias. Lá estão todos os que têm serviços na semana seguinte. Contém todos os avisos e até as intenções de missa. Um texto de reflexão. Evito perder tempo no final com avisos.
De vez em quando há quarta estação. Um desvio no calvário. Alguma Procissão. Ou reunião. Ou encontro. Ou festa. Ou, sei lá. Geralmente termina ao findar do dia. Todo roto. Amanhã tenho mais ainda que fazer. Não é Domingo, mas é dia de trabalho. Porém celebrar a eucaristia com os meus é bom! Hoje estou aberto a sugestões. Como celebrar ainda melhor?! Quem dá sugestões!?

terça-feira, junho 10, 2008

Como se avalia um padre?

As pessoas falam mal daquele, do outro e daqueloutro padre. Dizem bem deste, do outro e deste outro, pelo menos neste momento. Noutros momentos esquecerão o bem que haviam dito. Geralmente dizem melhor do outro que deste, pelo menos enquanto este estiver por perto. Quando este partir, ou para longe ou para sempre, era um bom padre. Usa-se mais o era que o é, o passado que o presente, para dizer bem de um padre.
Têm tendência a dizer bem dum padre novo, mas enquanto celebra de forma mais alegre ou aberta. Porque se acaso ousa dizer não posso, já não é assim tão bom. Se diz amén a tudo, não tem personalidade, é fraco. Precisamos um mais forte. Se alterar algum hábito, tira-nos a fé. Se apresentar ideia novas, qualquer dia os santos caem do altar. Se entrar num café é dos nossos. Se entrar habitualmente, deixa de ser nosso para ser como os outros. Se fala com as pessoas é simpático, mas anda mal acompanhado. Se passa muito tempo em casa, não faz nada. E se vai à Igreja menos vezes que o padre antigo, só cá está para levar o dinheiro.
Os padres velhos são geralmente bons padres no sentido mais solidário que existe. Uns pobres padres. Já não fazem nada. Estragam tudo. Têm vícios. Há quem os abomine. E há quem os desculpe.
Os padres de meia-idade nem são uma coisa nem são outra. Não costumam ouvir gracejos ou piropos, mas também ninguém lhes dá o benefício da dúvida. São aqueles que aparentam a maturidade que precisamos no nosso padre, mas que já não conseguem engraçar, façam o que fizerem. Já não têm ponta para admirar e começam a cansar. É melhor vir outro antes que este chegue a velho.
Mas o que é um bom padre? Como se avalia?
Avalia-se pela quantidade de coisas que consegue fazer? Pela quantidade de coisas que consegue que outros façam? Pela forma como reza? Pela forma como faz rezar? Pelas vezes que se vê na rua? Pelas vezes que está em casa? Pelas vezes que vai à igreja? Porque bebe connosco? Porque não bebe? Porque tem personalidade? Porque é simples e humilde? Porque é sábio? Porque é culto? Porque é organizado? Pelas palavras que diz? Pela sua voz? Pelos sorrisos que dá? Pela qualidade da missa? Porque demora muito? Porque demora pouco? Pela sua criatividade? Pelas festas que faz? Pelos pulos que dá? Porque veste bem? Porque é bonito? Porque diz palavras sábias? Porque fala bem? Porque escuta melhor? Porque é novo? Velho? De meia-idade? Ou porque já se foi?

quarta-feira, junho 04, 2008

Quem entrasse nos meus pensamentos, ouvia-me berrar

Tinha acabado de escutar uma senhora que ainda usa o véu, cumpre todos os preceitos e sabe todas as orações, mas que não conhece a verdade do amor de Deus. Segundo ela, o amor de Deus existe para se sentir, e não para que seja distribuído por quem não merece. O amor de Deus que eu conheço não é assim. E por mais que lhe explicasse que Jesus perdoou, inclusive, aos que o mataram, ela não quis saber. O senhor padre não percebe nada. Eles maltrataram-me. Perguntava-lhe sobre ela e ela respondia sobre os outros. Perguntava-lhe se no coração já os tinha perdoado e respondia-me que eles não eram bons. Perguntava-lhe se conseguia ter o coração disponível para eles e insistia que eles não eram bons. Informava-a que não precisava de confiar e ela dizia cruz credo. Mas que precisava de perdoar para se sentir bem consigo própria e repetia-me que eles é que não estavam bem. Tentava encontrar algo de bem nela que sobressaísse e a fizesse repensar a vida e ela persistia falando mal dos outros. Afirmei que o mal dos outros não devia fazer espelho em nós, mas ela repetia o palavreado. Ensinava-lhe que era mais fácil amar quem nos ama, mas que o cristão também ama quem nos magoa e ela virava a cara. Eu acrescentava e ela repetia. Acrescentava e ela repetia, até esbracejar por não me ouvir dizer o que desejava ouvir. E cansei. Cansei por ver nesta interminável conversa um coração cristão confundido. Cansei por rever nesta conversa milhares de corações cristãos confundidos. O senhor padre não sabe nada.
Por isso quem entrasse nos meus pensamentos, ouvia-me berrar. Um grito mudo, seco, que me fez cerrar os punhos por debaixo da casula antes de iniciar a eucaristia.
Porquê, meu Deus?! Porque é que as pessoas te confundem com as suas superstições?! Porque é que se dizem cristãos como forma de sossegar a consciência?! Porque não entendem a tua beleza?! Porque não te entendem?! Porque não amam como tu amas?! Porque não sabem perdoar?! Porque apontam o dedo umas às outras, esquecendo os seus próprios erros?! Porque é que juntam as mãos para rezar, mas não as juntam para amar?! Porque é que estendem a mão para receber, mas não a abrem para dar?! Porque é que a nossa forma de nos afirmarmos cristãos não nos faz melhores?