Nos funerais há sempre histórias. Não sei bem porquê, mas há. Imagino que seja porque nessas horas as máscaras caem. Ficam as rugas, os sinais, as marcas, a verdade, visíveis. As pessoas próximas do falecido ou falecida ficam sem defesas. Os sentimentos apagam as defesas. Por isso sofremos muito quando sentimos, seja o que for. Porque caem as defesas. Foi assim. Funeral às 10.00 horas. Marcado quase na véspera da véspera, por causa dos filhos. Certo. Nada difícil. Segundo funeral. Mesma paróquia. Todos entendem. Já sabem que são dois em um. A paróquia toda entende. Menos a senhora do segundo defunto. Ela é que manda. Mas e se o padre tem missas a essa hora? Pergunta o cangalheiro. Ele vem para aqui mandar?! O padre pensa que manda, mas não manda. O homem é meu. Eu supus que ela devia estar descontrolada. Apesar do marido estar doente faz muito, estar a sofrer muito, não estava convencida desta hora final. Eu sei o que afirmo porque o visitei uma semana antes deste acontecimento. Quis crer que era uma questão de aproveitar todo o tempo que podia para estar mais tempo com o seu cadáver. Digo-o, porque a hora escolhida era desora. 19.00horas. Mas e o outro defunto? Pergunta o cangalheiro. Não obteve resposta. Naquele momento só interessa ela, a sua forma egoísta de amar, de sentir. Inconsciente, mas prejudicial. Lembro que telefonem aos filhos para a fazerem chegar à razão. Boa ideia, respondem-me. Pior. Parceria com a mãe, e até oferecem dinheiro. Pagam o que for preciso. Indigno-me. Pergunto-me se querem mesmo um padre no funeral! Mais tarde soube que a resposta a esta minha pergunta no silêncio tinha sido dada pela senhora. Se não for com este padre, até vai sem padre. Pior foi o que me contaram que a mãe da senhora, a sogra do defunto, gritara para quem quis ouvir na sala onde jazia o morto. Para a nossa terra só vem a pior merda. Digo a palavra porque não é minha nem a uso como minha. O cangalheiro sofria. Os meus nervos subiam. Não pretendia fazer sofrer mais os familiares do outro funeral. Que esses ainda não tinham perdido a cabeça. Decisão final. Dois funerais. O primeiro, à hora marcada, que não têm culpa de nada. Missa. O Segundo, às 19.00 horas, sem missa nem distribuição de Sagrada Comunhão. Não é permitido haver duas missas na mesma paróquia sem motivo de força maior. Esta era menor. Não é permitido distribuir a Comunhão fora da eucaristia depois de ter havido uma na paróquia. Ao fim e ao cabo, quem fez o segundo foi um colega amigo depois de ouvir o meu desabafo. Obrigado a este.
Hoje, olho a dita senhora e surgem-me dois pensamentos. Primeiro. Pena, porque, até pela fidelidade à Igreja demonstrada noutras ocasiões, argumento que ela se passou da cabeça. Digo fidelidade em vez de fé, pois tenho medo de a utilizar indevidamente. Segundo. Retracção, porque estou a tentar perdoar e ainda não consegui.
Hoje, olho a dita senhora e surgem-me dois pensamentos. Primeiro. Pena, porque, até pela fidelidade à Igreja demonstrada noutras ocasiões, argumento que ela se passou da cabeça. Digo fidelidade em vez de fé, pois tenho medo de a utilizar indevidamente. Segundo. Retracção, porque estou a tentar perdoar e ainda não consegui.