quarta-feira, março 12, 2025

A Primeira Comunhão sem catequese

A filha anda no terceiro ano da catequese e vai fazer a primeira comunhão. É de uma terra vizinha. Mas, como não há ali catequese, a mãe não se importa de fazer três quilómetros para que a filha participe na catequese e cresça na fé. Por estas bandas a única catequese de infância e adolescência organizada é aqui. Vêm várias crianças de muitas lados em redor. Algumas fazem dezenas de quilómetros. Muitas delas não são minhas paroquianas, mas vêm à procura da catequese onde ela existe. Mal ou bem, com boa intenção ou não, os pais destas crianças sacrificam-se para elas poderem fazer a catequese. Esta mãe, em concreto, não é minha paroquiana. Nem ela nem a filha, naturalmente. Na sua paróquia que, recordo mais uma vez, dista apenas três quilómetros daqui, o pároco, pelos vistos, decidiu aceder ao pedido de duas mães para que as filhas respectivas, que têm a mesma idade que a sua, fizessem agora a Primeira Comunhão na referida paróquia. Nunca tiveram catequese. Nunca quiseram ter catequese. O pároco também não se preocupou muito com isso. E agora vão fazer uma linda festa, dizem. Eu não quero discutir se é bem se é mal, se a opção pastoral é correcta ou incorrecta. Mas então não é que uma dessas duas mães foi ter com a mãe daquela criança que anda na catequese há três anos, dizendo-lhe que era uma burra, ipsis verbis, porque se preocupava para que a sua filha andasse na catequese, quando as delas nunca tiveram e agora iam fazer na mesma a festa da Primeira Comunhão. Aquela mãe ficou triste porque fazia sacrifício para que a sua filha andasse na catequese e agora, como se não bastasse cometer-se esta injustiça, ainda gozavam com ela. Assim vai a nossa Igreja. 
 

sábado, março 08, 2025

O retiro Effetá do jovem Joaquim

Os retiros “Effetá” estão de moda, ao menos na vizinha Espanha. Trata-se de um retiro católico para jovens, cujo objetivo é experimentar um encontro pessoal com Deus. Faz-se com algum secretismo, mas isso só lhe adensa o mistério e alimenta o encanto. Para outras faixas etárias, existem retiros semelhantes: “Emaús” para maiores de 30 anos, “Bartimeu” para jovens dos 16 aos 18 anos e “Samuel” para adolescentes. 
Como desconheço o modelo deste tipo de retiros, sinto-me à vontade para contar o que se passou com o Joaquim, nome fictício de um jovem que participou num destes retiros. Saíra de lá encantado, como é costume ocorrer à maioria dos participantes, mas agora chegara à conclusão de que estava a perder a fé porque estava a perder o entusiasmo. Foi esse o motivo que o levou a procurar o padre na paróquia. Mas quando este lhe perguntou o que lhe causara impacto por parte de Jesus nesse encontro que, supostamente, tivera com Ele, o Joaquim não soube responder. Na verdade, o Joaquim, mais do que encontrar-se com Jesus, encontrara-se com a sua emoção. Agora, como a emoção se estava a ir abaixo, ele também se estava a ir abaixo. O encontro com Cristo é muito mais do que uma emoção ou uma experiência. É muito mais do que um momento de encanto. O encontro com Cristo transforma as vidas e transforma o modo de viver.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A geração digital e a fé sem interesse"

segunda-feira, março 03, 2025

Às vezes não sei quem é que anda mais doente

O Papa está doente. A aspiração que lhe fazem de vez em quando por causa do muco acumulado e que causa insuficiência respiratória transporta-me para os dias em que assistia o meu pai, os dias em que o aspiravam pelo mesmo motivo. Fico duplamente triste porque me traz à memória a dor de meu pai que se prolongava na minha e porque desejo no mais íntimo da minha fé que o Papa se aguente o tempo suficiente para alguns passos que tem dado e me parecem pendentes. Deus é que sabe tudo e também é Ele que sabe se há ou não assuntos pendentes, é certo, mas toda esta situação me faz rezar. E faz rezar o mundo ou parte dele. Faz rezar a Igreja ou parte dela. Infelizmente, nem toda a Igreja reza pelo Papa. Ainda hoje me contaram de alguns colegas que não conheço e que manifestaram publicamente que não rezavam pelo Papa porque, diziam, ele era comunista. Ele há cada uma! Só faltava rezarem para que ele vá depressa ver o Pai. Às vezes não sei quem é que anda mais doente. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O Papa que faz hoje anos"

sexta-feira, fevereiro 21, 2025

Viver o hoje de Deus

Muito se tem especulado estes dias sobre a saúde do Papa, sobre a sua proximidade com a morte, sobre uma eventual renúncia e sobre a sua sucessão. Desde a sexta-feira passada, 14 de fevereiro, data em que o Papa Francisco foi internado com dificuldades respiratórias, que a comunicação social espera e desespera por novidades do hospital Gemelli. Sabe-se que entrou no hospital com uma bronquite causada por uma infecção polimicrobiana que resultou numa pneumonia bilateral. Pouco mais se sabe e quem sabe pouco acrescenta. No entanto, toda a praça pública sabe muita coisa. Os médicos falam, os políticos falam, os padres, os bispos e os cardeais falam. Falam sobretudo os jogadores de bancada que são sempre a maioria dos jogadores. Dizem que nos bastidores não param as movimentações. Dizem tudo e não dizem nada. Certo é que o Papa vai resistindo. Afinal, sempre foi um resistente! Também já pensei no assunto. Já o rezei. E tenho rezado pelas suas melhorias porque me parece que ainda há passos pendentes que ele está a dar e não gostaria que ficassem eternamente pendentes. Mas também confio que o mais importante é viver o hoje de Deus. Seja ele qual for, o hoje de Deus é que é o verdadeiro hoje.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A Igreja que não é de um Papa"

sábado, fevereiro 08, 2025

O empurrão

Desequilibrou-se, porque a doença que tem propicia desequilíbrios. Caiu e magoou-se. Não havia ninguém em casa, mas insiste que foi empurrada. Diz ela que foi empurrada por uma familiar que já faleceu há dezenas de anos. Era uma prima com quem se dava muto bem até passarem a dar-se muito mal. Estavam zangadas quando ela morreu. E como não fizeram as pazes, agora culpabiliza-a de tudo o que lhe acontece de mal. Caiu e magoou-se porque foi empurrada por ela e ponto final. Eu até posso compreender que a nossa cabeça possa ter deste tipo de associações. Afinal, sempre buscamos explicações para o que nos acontece. Mas o que a senhora Genoveva, que visitei há dias na sua casa de doente, não sabe, é que o problema está todo na sua cabeça e no seu coração. Como não resolveu esta situação em tempo útil e como ainda tem dentro dela esta mágoa, facilmente o seu pensamento vai para ali, para a relação sofrida que deixou por resolver há muito tempo. O empurrão que ela precisava era o empurrão do perdão.

A PROPÓPSITO OU A DESPROPÓSITO: "Sabe o que é que ela me fez, padre?"

terça-feira, fevereiro 04, 2025

Vive num lar

Tem oitenta e dois anos, quatro filhos, onze netos, três bisnetos e um quarto de 3 x 3 num lar onde o deixaram. Já não tem a sua casa nem as suas coisas, mas tem alguém que lhe arruma o quarto, faz a sua comida e a sua cama, mede-lhe a tensão. Alguns dos familiares vão visitá-lo a cada quinze dias. Outros, a cada três ou quatro meses. Outros nunca. Já não sabe onde fica o fogão da casa e como se faz comida. Ainda tem o passatempo do sudoku que permanece em cima da mesa do lar. Não sabe quanto tempo lhe resta, mas sabe que se tem de habituar a essa solidão, ou melhor, a essa companhia que parece solidão. Anda na terapia ocupacional, faz exercícios aos ombros como nunca fizera. Mexe os dedos das mãos como se tocasse piano. Ajuda alguns companheiros, mas tem medo de criar laços porque desparecem com frequência. Dizem que a vida está cada vez mais longa. Aumenta também o tempo para olhar as fotos da família. Essa que o deixou ali porque não tinha onde o deixar.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Ligou-me do lar"

sábado, fevereiro 01, 2025

não se perde aquilo que já está perdido nem se afasta aquilo que já está afastado

A nossa sociedade fomenta clientelismos e compadrios ao ponto de que qualquer cidadão se habituou a conseguir atingir os seus objectivos, contornando esquemas com base em cunhas, jeitos e compras. Quando não consegue por estes meios, usa-se o sistema pressing ou o sistema comparison. O primeiro usa-se sobretudo com ameaças de que se não for assim, acontece assado, se não for deste modo, eu vou dizer. O segundo usa-se para tentar rebaixar o alvo em comparação com aqueles que são permissivos e que, como tal, são os designadamente bondosos. O senhor não faz, mas eu sei quem faz. O senhor é que não quer, porque outros fazem. O problema é que aqueles que estão habituados a estes sistemas para satisfazerem os seus desejos e necessidades são os mesmo que vão à Igreja pedir coisas com o mesmo tipo de vontade e hábitos. Cansa. Cansa mesmo. Mas a gente vai amadurecendo. E quando me dizem que vão fazer, tal como querem, a outro lado, porque o padre tal é que é bom porque faz as vontades, eu sou o primeiro a dizer-lhes que vão e que aproveitem. Ou quando me dizem que assim é que a Igreja perde as pessoas ou que assim é que as pessoas se afastam, eu recordo-lhes que não se perde aquilo que já está perdido nem se afasta aquilo que já está afastado.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A propósito de cunhas, vou meter uma cunha a Deus"

segunda-feira, janeiro 27, 2025

Best post [parte III]

Deixamos os resultados da sondagem que perguntava: Qual foi para ti o melhor post de 2024?

Os resultados passarão a estar junto aos restantes resultados de anos anteriores, AQUI.



Os três mais votados foram:

sexta-feira, janeiro 24, 2025

E mesmo assim mataram-no

Não posso afirmar que a homilia havia sido brilhante, porque não sou juiz de causa própria. Mas que tinha agradado, tinha. Sobretudo aos homens. Bom, e a algumas mulheres que, se pudessem, se escondiam, ruborescidas, por detrás de um véu. Pena que já não é costume usar. O evangelho proclamado, no qual se focara a homilia, continha a famosa passagem das bodas de Caná, ocasião em que Jesus transforma a água em vinho. Foi este, segundo o evangelista João, o primeiro milagre de Jesus. Ou seja, o primeiro milagre de Jesus não foi uma cura ou uma ressurreição. O primeiro milagre que, em princípio, seria a chave de leitura para o que Jesus iria fazer e dizer depois, durante a sua missão, imaginem só, foi este milagre que parece algo banal mas que é sempre muito agradável de escutar. Afinal, Jesus transformara a água em vinho, e não fora um vinho qualquer, pois o texto refere que se tratava do melhor vinho. Já se está a ver porque é que a homilia chamou a atenção dos presentes, sobretudo daqueles que gostam de entornar uns bons copos. Por isso não foi de estranhar que, no final da missa, a homilia continuasse como assunto das conversas animadas. E nisto, diz um dos homens lá da terra, daqueles dos mais castiços: O homem transforma a água em vinho e, mesmo assim, mataram-no. É que foram uns burros! 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A comunhão do casamento"

quinta-feira, janeiro 16, 2025

O último beijo

Lembro-me bem do teu último beijo. Foi o último dos teus murmúrios de beijo. Tirei-te a máscara de oxigénio, encostei a minha cara nos teus lábios e tu moveste-os na direcção dela. Só isso. Mas tanto e sem medida. Mentiria se não dissesse que guardava cada beijo com receio que fosse o último. Fazia por guardar cada milésimo de segundo do movimento de cada beijo em ralentando. Era a minha forma de lidar com o adeus a qualquer hora. É difícil desmistificar as partidas, desconstruir a vida humana num segundo de morte que se arrasta. É difícil viver a pensar nisso. E não obstante, é a sequência natural da vida. E depois lembro esse beijo. Lembro-o bem. Lembro que fechei os olhos ao aproximar-me dos teus lábios. Foi o gesto natural de quem queria encerrar o beijo por dentro para o poder ir buscar sempre que precisasse. Como agora. Na altura fui o filho mais feliz do mundo. Desde que ficaras a oxigénio que apertavam as saudades dos teus murmúrios de beijo. Por isso fui o mais feliz dos filhos. A felicidade não cabia em mim. Foi o último beijo. Tinha quase a certeza que o seria. E hoje fui buscá-lo. E de olhos abertos, cai uma lágrima, sem que a consiga guardar dentro de mim… como guardei esse beijo. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Feliz dia do pai" e "O beijo do meu pai"

quinta-feira, janeiro 09, 2025

Os funerais religiosos do futuro

O padre que presidiu ao funeral faz muitos funerais. A terra não tem muita gente, mas já teve e é hábito regressarem à terra para se despedirem dela. O falecido, depois das cerimónias religiosas, ia ser cremado. Cada vez é mais comum a cremação. De entre as cerca de trinta pessoas presentes, só uma sabia as respostas da missa. Os outros assistiam sem abrir a boca. Não havia ninguém para ler e o padre viu-se obrigado a fazer apenas a proclamação do evangelho. Muito menos havia quem cantasse. Nem o padre tem voz para tanto. Para comungar apenas uma pessoa se aproximou. Era a colaboradora da paróquia que prepara as coisas para a missa e que respondia aos diálogos. O padre, que não conhecia senão a colaboradora, foi empático tanto quanto possível. Embora tenha sentido falta de alguma fé na celebração, ao menos rezou pelo falecido e encomendou a sua alma. Cumpriu o seu papel de funcionário do religioso.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Os funerais fazem-me dor de estômago"

segunda-feira, janeiro 06, 2025

Best post 2024

Nos últimos anos, por esta altura, costumo colocar os textos de todo o ano a uma votação. Embora sabendo que não é o mais importante, é uma boa desculpa para revermos e relermos um ano que passou. Peço novamente a vossa ajuda para seleccionar aqueles textos/prosa que considerais ou considerastes como os melhores, os mais tocantes ou interessantes em 2024. 

Indiquem nos comentários o título ou títulos dos vossos preferidos. Deixo algumas sugestões, de acordo com a minha apreciação particular e tendo em conta alguns dos que foram mais visualizados, mas podem indicar outros que aqui não se encontrem linkados. Depois colocarei os 10 mais apontados a uma votação.  

 

Agradeço desde já a vossa participação e colaboração. A mim fez-me bem relê-los. Pode ser que faça bem a mais alguém.

 

Nota que os poemas não entram nesta sondagem.
Quem quiser dar uma espreitadela aos "best post" de 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023 clique AQUI.

Janeiro

Onde estava Deus?

As homilias 

A eucaristia dos abraços

 

 Fevereiro

A nossa língua          

 

Março

O futuro da Igreja ou a Igreja do futuro          

 

Abril

As categorias tridentinas

a droga

a Clara e as experiências da fé

 

Maio

As promessas e as despromessas

Leigos a presidir eucaristias?

Também te amo

O dia de Páscoa

 

Junho

Os avós, esses evangelizadores modernos

a Igreja e o 'um aqui e um ali'

Dou por mim muitas vezes a não dar por ti, Senhor

 

 Julho

Uma Igreja que se quer sinodal, mas na mesma

 

Agosto

A santinha

vir à missa

 

· Setembro

A senhora que não quis crismar-se, de modo algum

O milagre da morte

 

· Outubro

as romagens que tiram a religião às pessoas

O canto a meio

· 

Novembro

A camisa de cabeção

A celebração litúrgica pouco sinodal

 

Dezembro

Chegou a Hora do meu pai...

 

sexta-feira, janeiro 03, 2025

A filha que berra

Tem cinco filhos e já não sai da cadeira de rodas sem ajuda. Embora esteja muito consciente de tudo, ali fica à mercê de quem a ajude. Não é muito velha. Apenas tem uma doença que a impede de fazer as coisas mais básicas sem ajuda. Tem cinco filhos, todos eles muito bons, senhor padre. É o que me diz. Só se queixa de uma filha. Diz que ela é uma força da natureza e é quem cuida de mim, senhor padre. Mas também diz que ela tem um feitio muito difícil. Os outros quatro não. No entanto, quando lhe pergunto se os outros eram capazes de estar ali com ela diariamente a cuidar das suas necessidades, a tratá-la, olha para mim com olhos de quem está a pensar no assunto pela primeira vez e diz que, na realidade, é capaz de ser muito difícil. Ora, portanto, a filha que vive sempre preocupada com ela e que a cuida, é a mesma que, às vezes, lhe berra porque não tem paciência quando a mãe não faz o que lhe pede. É certo que, às vezes, a ameaça de a colocar num lar. Mas também é aquela que está sempre ali e que a mãe tem de ouvir. Porque está ali. Porque se esforça. Porque se preocupa. Porque, com certeza, a ama. Olhe, sugeri, diga-lhe muitas vezes que a ama.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "A pequena Sónia e a sua mãe doente, em Fátima"