Tem oitenta e dois anos, quatro filhos, onze netos, três bisnetos e um quarto de 3 x 3 num lar onde o deixaram. Já não tem a sua casa nem as suas coisas, mas tem alguém que lhe arruma o quarto, faz a sua comida e a sua cama, mede-lhe a tensão. Alguns dos familiares vão visitá-lo a cada quinze dias. Outros, a cada três ou quatro meses. Outros nunca. Já não sabe onde fica o fogão da casa e como se faz comida. Ainda tem o passatempo do sudoku que permanece em cima da mesa do lar. Não sabe quanto tempo lhe resta, mas sabe que se tem de habituar a essa solidão, ou melhor, a essa companhia que parece solidão. Anda na terapia ocupacional, faz exercícios aos ombros como nunca fizera. Mexe os dedos das mãos como se tocasse piano. Ajuda alguns companheiros, mas tem medo de criar laços porque desparecem com frequência. Dizem que a vida está cada vez mais longa. Aumenta também o tempo para olhar as fotos da família. Essa que o deixou ali porque não tinha onde o deixar.
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Ligou-me do lar"
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