terça-feira, novembro 27, 2018

Acabar o dia entre quatro paredes

O que fazem os padres quando chegam ao final do dia, a casa, e ficam sozinhos? Foi esta a pergunta curiosa da Sofia que surgiu no imaginário do meu pensamento. Pelos vistos, a Sofia andava a questionar-se, tal como eu, sobre a vocação consagrada, em particular a dos sacerdotes, sobre o que era viverem sós, entre quatro paredes. Como seria? E eu gostava de pintar o filme de outra cor, menos sépia, menos branco e negro, menos cinzento. Gostava de dizer que, ao chegarmos a casa, o mais natural é ajoelhar aos pés do Senhor e agradecer-lhe o dom desse dia, pedir-lhe compreensão pelas nossas faltas, falhas e cansaços. Gostava de lhe dizer que era a oportunidade para nos sentarmos ao seu colo e esperarmos o calor do seu amor. Mas não sei se é essa a realidade. Algumas vezes será. Mas outras, acabamos o dia fechados em quatro paredes, geralmente sozinhos. Mas o pior é que nos fechamos, não apenas nas paredes da casa onde moramos, mas em nós próprios. Ficamos sozinhos, com oportunidade para nos abrirmos ao mestre da vida, para sentirmos que na nossa solidão há uma cadeira à nossa mesa, à beira da nossa cama, que é ocupada por Ele. Mas geralmente ficamos fechados na nossa solidão, voltados sobre nós mesmos. Não há pior solidão que aquela em que nos fechamos sobre nós mesmos. Como uma casa que se encerra convencida que assim evita os assaltos dos ladrões. Faz lembrar um filme que vi em tempos. Um casal fechara-se, barricara-se em casa com medo dos ladrões. O que aquele homem e aquela mulher não sabiam era que o ladrão já lá estava em casa e tinham acabado de se fechar com ele dentro.

12 comentários:

Anónimo disse...

Bem expressado e muito digno da tua parte quando expõe este sentimento. Para sentir se assim é só quem termina sempre o dia por entre quatro paredes..Achava que seria somente eu e Deus como é tenho pleno respeito por Sua presença do meu lado. Quando chorando, vou adormecendo sem ver até o próximo amanhecer.

Anónimo disse...


Felizes os pobres, humildes, sozinhos, porque deles é o Reino de Deus.
Perfeito, não podia aspirar a mais.

Zilda disse...

A solidão inspira os poetas cria os artistas e anima o genio.

Anónimo disse...

"Como uma casa que se encerra convencida que assim evita os assaltos dos ladrões" Adorei!

Uma casa aberta não seduz o ladrão.... Mantém o coração aberto Pe.

SL

Anónimo disse...

Tb adorei a frase: "Como uma casa que se encerra convencida que assim evita os assaltos dos ladrões"

Tanara Fagundes disse...

Ora pois estou voltando ao mundo blogueiro e me surpreendo ao ver o blog de um padre! Que sensacional!
Adorei teus escritos, padre!
Gostaria que visitasse meu blog e, caso goste, siga-o! Me ajudaria bastante! Já estou a te seguir!
Grande abraço!

Anónimo disse...


Há formas piores de acabar e de começar o dia, acredite.
O Sr. Padre ainda tem a sorte de ter quatro paredes (e um tecto) presumo, onde se abrigar. Eu tenho quatro filhos menores, um deles, o mais pequeno, foi entregue ao pai. Os outros quatro estão comigo e digo-lhe que não é fácil. Não posso contar com as ajudas de ninguém, tive que optar entre permanecer em casa e passar mais tempo com os miúdos, ou arranjar um terceiro trabalho, para lhes pôr o comer na mesa. Não é sem alguma vergonha que confesso que cheguei a roubar comida de um armazém em que trabalhei, para que os meus filhos tivessem pão na mesa. Hoje em dia não o faço, não por me ter livrado dessa tentação (necessidade), mas porque em todos os sítios que trabalho, para minha «segurança» sou permanentemente vigiada pelas câmaras instaladas pelos patrões.

Diz que Deus sabe tudo de nós e que todos os nossos cabelos estão contados. Acredito que isso é certo, tão certo como um e um serem dois, mas nem isso me demovia se tivesse que ser. Podia pedir, é certo. Podia. Mas já o fiz sem qualquer resultado.

Sopesando tudo, considerando a vida dos meus filhos, a dor que não é vê-los de estômago vazio e a quantidade excessiva de alimentos nas prateleiras, muitos deles inutilmente desperdiçados, tanto nos estabelecimentos como nas despensas, digo e repito: faria tudo de novo, necessário fosse, mesmo frente às câmaras. Isso ou ter os olhos dos meus filhos, em casa, permanentemente apontados a mim.

Por isso Sr. Padre doem-me as suas queixas. Conforme-se: quatro + um, se não formam uma casa, pelo menos uma divisão. Dê Graças a Deus pelo abrigo e pela comida no prato. Mais lhe peço, preces pelos miúdos.

Confessionário disse...

29 novembro, 2018 10:00
Não era propriamente uma queixa!

E tem razão no que refere. Por pior que estejamos, há sempre alguém que está pior. Isso tb serve para si. Força...

Já agora, não percebi quando diz que tem 4 filhos menores, um foi entregue ao pai, e continua com quatro. Há um que já é maior?

Anónimo disse...


Cabeça a minha, disparate!!! Refiro-me ao nosso animalzito doméstico, obviamente, que resgatamos de uma vida de maltrato e doença. É esse meu «filhotinho» que está com o pai, o «Giga». Os meus filhos biológicos estão todos comigo, felizmente. Vivemos sem pensão do pai e com muito poucas ajudas. Mas, respondendo directamente à sua pergunta, sim, há um que é maior. Mas amo a todos por igual, como deve calcular. Dever e coração de mãe.

Obrigada pela sua delicadeza, Sr. Padre.
Muita força também para si, é o que desejo.

JS disse...

E se o problema não for as quatro paredes, mas o telhado que não deixa contemplar o luar e as estrelas?...

Anónimo disse...

Eh J

Vc sai com cada uma!!! Terráqueo?

Liane77 disse...

Natural sentir solidão, não fomos feitos pra sermos ilhas, embora tenhamos nossos momentos de necessitarmos estar sozinhos. Mas deveria ser uma escolha, deveríamos sempre poder escolher. É na convivência que nos tornamos melhores.