sábado, janeiro 07, 2006

Não pode ser assim esta fé

Há pouco mais de cinco minutos. Por telefone porque é mais fácil por telefone. Não se vê a cara do padre. Triste ou irritado. Mas de certeza magoado. Tudo acontece em 50 segundos e dá para transtornar uma semana inteira. Que é dia de Santo qualquer coisa. Nem vem ao caso. Para a semana já. Tem de ser. Já está tudo combinado. Mas combinado com quem? Ó sr padre, basta marcar a procissão. Hoje é Sábado. Os horários da próxima semana estão necessariamente marcados. Não dá para fazer alterações. Mas tem de ser. Não interessa se o padre já tem outros compromissos. Tem de ser porque senão o padre tira-nos a fé. Ou fica mal visto. O povo revolta-se. Não pode acabar com uma coisa. Pois. Mesmo que ela seja desconjunturada. Marcada à pressa. São estas as nossas tradições. É esta a nossa fé. É esta a fé daqueles que só aparecem na festa. Daqueles que dizem que vão perder a fé se o padre não fizer das tripas coração à última da hora. A fé daqueles que não sabem o que é a fé.
E andamos nós nisto. A trabalhar pela fé de quem não quer senão não ter fé. Por um lado, esta ideia de trazer os afastados para a Igreja não é despropositada. Mas tem de ser à custa de tanta falta de fé?! Ou à custa do mau uso da fé?!

14 comentários:

Confessionário disse...

Vim aqui só para berrar... porque nao tinha aqui ninguém mais à mão para me ouvir a mágoa. Bolas para isto!

Luna disse...

Sr. Padre,

Compreendo a sua frustração, mas as pessoas são mesmo assim. O senhor tem uma missão de grande responsabilidade e esse tipo de atitudes não acontece só com os padres. Pense nos professores que são insultados pelos alunos, nos médicos que apanham dos pacientes porque não foram logo atendidos ou porque estão bêbados, polícias que ouvem insultos e são odiados por quererem fazer cumprir a lei, etc, etc, etc.
Eu já visitava este espaço antes, mas dado que agora não posso escrever como anónima, tive de recorrer a este endereço antigo do blogger que criei por brincadeira. Espero que não leve a mal, sr. padre. Um bom fim-de-semana para si.

xana disse...

Calma, confessionário.. calma...
um dia li uma coisa importante. Contava-se como no mar, em noite escura, noite de tempestade, noite de gritos assustadores de trovões, incomodidades da chuva e empurrões dos ventos ameaçadores, à superfície, o oceano estava assustado e agitava-se com as suas ondas. Parecia zangado, desolado face a tamanha fúria que lhe soprava a tempestade.Mas... um mergulhador desceu. E desceu mesmo ao fundo para comprovar: Lá no fundo, bem lá no fundo do mar, reinava a quietude, tudo pacífico, sereno e estável. Tranquilo. Olhe, nem uma leve brisa.. nem uma..
Espere! Sim, uma. Ok, uma! Uma havia afinal: Uma brisa vinda de, não se sabe onde, mas crê-se, do interior do ´próprio mar. Era meio brisa meio luz (Seria Jesus?)
Uma brisa que parecia sussurrar..."calma, mar... calma,mar...calma, mar!"

Diz-se que é por isso que às vezes os mares repentinamente acalmam. Mesmo antes de passarem as tempestades!!!

Um beijo
eu atiro
ao mar!

Confessionário disse...

obrigado a todos. Acabei agora mesmo de falar com eles. Contive-me ao máximo. Sorri muito. Sorri sem hipocrisias. Mas custou-me. expliquei as minhas razões. Expliquei os meus desejos. Disse sem rodeios que me ordenei sacerdote para evangelizar, levar as pessoas à fé, e não para fazer festas que de religioso só têm o nome. Fui honesto ao ponto de expor o que não concordava nas festas. Insinuei a pressa e a desora da conversa e da combinação. Emendei-os com caridade, mesmo quando disseram coisas que não deviam. Mesmo quando falaram claramente que nós padres é que tínhamos a culpa. Não falaram todos assim, mas os que falaram bastou para me fazer engrossar os ouvidos. Só esses, para não me extravazar. Percebi que tb foram arrastados por outros que os mandaram para a fogueira. Os que se intitulam de Povo.
No final aceitei fazer a festa. Já a tinha aceitado no meu íntimo. Não mudámos horários. não havia possibilidade. Vou é ter eu de mudar alguns compromissos que tinha e que não tenho ocasião de cumprir noutra ocasião. Mas, enfim, o padre é que tem de ser bom. ninguém mais tem essa obrigação... não é?! Não era um compromisso de padre, senão não o alterava de certeza. E vou pensar no ministro extraordinário da Comunhão. Ahhh, e vou contar-vos que havia uma mãozinha da Junta de Freguesia por detrás. Já se estão mesmo a ver os interesses políticos em todo o lado. Mas a esses eu colocarei no lugar na altura devida.
E... erva-cidreira, estás à vontade. Até que gosto do nome!!

Dad disse...

O teu berro foi tão alto que chegou aqui!
Deve ter chegado também a Deus que te deu forças para consertar tudo.
Ás vezes é preciso ceder, embore custe, para conseguirmos depois fazer-nos entender e educar para romper com o "establishment"...

Ser padre numa época desta modernidade, deve ser mesmo muito dificil pois só os mais esclarecidos compreendem que um padre é um homem normal - é gente como eles.
Educar para mudar a visão estreita da religião e da fé, é complicado para todos nós, quanto mais para um padre...

Força amigo, os bloguistas estão contigo!

Ver para crer disse...

Sempre foi difícil lidar com as pessoas e agora mais. Têm dinheiro, acham-se independentes e são egoístas. Um caldo de cultura contrário às exigências do Evangelho que só pode trazer más relações com os outros.
Já Jesus teve muito que aturar aos grandes e poderosos da Terra onde viveu. E eram pessoas muito religiosas, o que hoje nem sempre acontece!...
A erva-cidreira diz bem ao lembrar que não são só os padres as vítimas deste estado de coisas.
Um abraço e muita coragem para aturar o povo!

Caros Amigos disse...

Descobri o seu blogue e gostei. Virei aqui mais vezes à confissão.
Aproveito para o informar que já o linkei.
Gostava que visse também o meu...

Sonhadora disse...

Sr. Padre,

Já uma vez disse a uma pessoa (que não é padre mas que também consagrou a sua vida a Deus), que vos admiro muito, muito mesmo... Se fosse eu (e tenho a certeza que muita gente faria o mesmo), com toda a certeza que os mandava "dar uma volta ao bilhar grande" e pelo meio ainda era capaz de haver uma grande "peixeirada"...
Mas os padres, os bispos, as freiras, enfim, todos vós que são pastores destas ovelhas mais ou menos negras, têm de "aturar" muitas exigências, feitas em nome do tal "Povo", que se preocupa mais com os seus caprichos do que com a sua Fé. Porque se não forem atendidos, como lhe disseram a si, "perdem a fé". O tal "Povo" faz lembrar os garotos da Primária quando são contrariados: "Assim não brinco!!"
O tal "Povo" que insulta gratuitamente um Bispo porque quer um Padre X e não um Padre Y, como se a fé dependesse exclusivamente de que a prega (por muito afecto que se tenha por um padre)!
O tal "Povo" que faz greve à missa porque o Padre muda a hora da missa.
Infelizmente há muita gente que diz ter Fé, mas é uma Fé muito especial, daquelas que só servem como pretexto para festas: festas populares, festas de casamentos, festas de baptizados, festas de 1ª Comunhão, festas de Crisma...
Tem toda a razão, Sr. Padre. A sua função é evangelizar, e responde ao seu coração e a Deus.
"Perdoai-lhes, Senhor, que eles não sabem o que fazem!"

PDivulg disse...

Berra á vontade! Mas essa falta de Fé que existe nalgumas pessoas que irónicamente até costumam ser próximas ao pároco, acabam por afastar tudo e todos...
Por vezes o Padre que ter os grupos a funcionar, a Catequese a funcionar, etc... Mas eu pergunto: que vivência Cristã mostram essas pessoas?

Acho que por vezes o Pároco deveria pegar no chicote e expulsar os vendedores do templo! Parecia mal? Ficava sem os 10 grupos de catequese? Mais vale ter poucos mas que vivem Jesus do que ter muitos mas apenas em número ou por tradição!

Vítor Mácula disse...

Caro confessionário.

Pronto, lá está você a fazer-me arranjar um buraco temporal nos afazeres vários, para sentar-me num café e pensar na sua interpelação. Isto é que é uma mania! :):)

Tudo isso nos leva à sociabilização e culturalização da fé, e quando estas, por razões várias se desligam, digamos assim, da conversão contínua que a fé requer.

Bem cada caso etc. E só o próprio é que pode decidir que atitude tomar. Eu diria que, à papo seco, talvez devêssemos sempre pensar no que Deus “requer”, qual resposta à situação é “digna” de Cristo.

O povo, não sei muito bem… mas que a nossa natureza e “espontâneos” hábitos se revoltam contra o cristianismo… a Sua própria vida e morte humanas no-lo confirmam.

Quanto à perda de fé por “desilusão” com o padre… no comments.

Já dizia o outro: é preciso cristianizar a cristandade.

E toda a tradição ou inovação têm de passar pelo crivo evangélico. Esse é o único respeito cristão por ambas (que no funda são dinâmica do mesmo ou Mesmo).

Um grande abraço

Vítor Mácula disse...

Ah, não tinha reparado no seu comentário.

Pois claro, berre à vontade, que está no confessionário!

Ora bolas!

Abraço mais, abraço!

sophiarui disse...

Ainda bem que este confessionário não "serve" só a nós mas a si também!!!

Desabafar é bom e alivia

Sinta um abraço apertado de quem reza também por si

Confessionário disse...

Obrigado, amigos. Já passou a fase da neura. Agora vou humildemente dar o jeito para que o trabalho nessaparóquia não seja gurado. Um abraço. Aamnhã é novo dia!

José Avlis disse...

Caro Amigo Confessionário
Embora me pareça, infelizmente, nada poder fazer para ajudá-lo de modo mais objectivo e adequado, e sobretudo a esses seus 'paroquianos inquietos e rebeldes' (que tragicamente proliferam cada vez mais em quase todas as comunidades cristãs) - para além do contributo da minha humilde oração, ou indirectamente através desta minha tentativa de 'nova evangelização' (embora seja o primeiro a reconheçer que lamentavelmente deixo muito a desejar) -, ofereço-lhe mesmo assim os meus modestos préstimos de boa vontade, ou eventualmente algo mais que no seu entender possa estar ao meu alcance, assim como me ofereço para ajudar os demais sacerdotes e religiosos a quem possa realmente servir em conformidade com a vontade de Deus (nomeadamente através dos respectivos blogues).
Entretanto, queira aceitar um abraço de muito respeito, apreço e dedicação.
J. Mariano