quinta-feira, dezembro 03, 2015

Vem aí a misericórdia

Vem aí o ano da misericórdia. Por isso toda a gente vai usando a palavra como se de um slogan se tratasse. É agora que a misericórdia vai acontecer. Como se ela não tivesse já ocorrido em Deus para connosco de uma forma que não se repetirá jamais. Éramos nós que precisávamos do seu perdão e foi Ele quem tomou a iniciativa de se aproximar de nós para nos amar. Mas eu também me entusiasmo com este desejo ansioso de que algo de belo, autêntico e transformador aconteça este ano. 
Porém não posso esquecer-me daquela senhora que me contava da sua dificuldade em lidar com umas vizinhas e, por outro lado, manifestava um desejo sincero de fazer umas partilhas com uns pobres da terra. Porque também queria ser misericordiosa no ano da misericórdia. 
Cuido que no plano das relações a dificuldade existe porque geralmente nos colocamos no centro da relação. O outro tem de ser como nós queremos, ajustado à nossa forma de pensar, de sentir e de ser. Mesmo sem querer, os problemas com os outros têm na raiz esta dificuldade em nos relacionarmos com eles como são, a partir do ponto onde estão. Não era assim Jesus. Não é assim Deus que teima em aproximar-se de nós como somos. 
Quero dizer-vos hoje que este olhar o outro a partir de nós poderá também impedir a nossa misericórdia. O Papa bem disse e farta-se de repetir: temos de ir às periferias, temos de ir ao encontro dos outros, sobretudo dos que mais necessitam. Temos, afinal, de sair de nós mesmos. Temos de deixar de ser o centro. Senão o que fizermos ao outro não será por ele, mas por nós. Senão o bem que fizermos não será para os outros, mas para nós. Senão os outros não serão sujeito, mas objecto. Nós seremos apenas um deus sem saber que o somos, centrados nesse poder de podermos ser deus. 
No ano da misericórdia se não sairmos de nós ao encontro do outro, poderemos até praticar as obras da misericórdia, mas não seremos misericordiosos. Seremos apenas condescendentes.

4 comentários:

Anónimo disse...

Este teu texto me motivou a escrever um comentário direto. ''O ano da misericórdia'' parece até capa de livro para o ano que vem. Todos os anos a igreja propõe um tema geral. Mas devo dizer com toda clareza, e a mais pura verdade. Não vejo muita misericórdia por onde ando. E sim, pessoas que massacram as outras, fazendo de seus corpos suas escadas ao sucesso. Não quero ser fatalista, eu simplesmente sou realista. Então não adianta ir a igreja. E ver uma pessoa na rua com fome e dá as costas. Ah meu amigo...Já vi várias...Onde moro é o que mais tem. Pessoas arruinadas pelas drogas, bebidas e sexo. E sabe o que a socidade faz? Viram suas costas, enquanto eles gritam por socorro. Já arrumei confusão por proteger cachorro, gato, criança e gente. Misericórdia é a palavra chave para o mundo de hoje. Mas poucos querem a praticar. aliás poucos são da linha da frente. Dá a cara para bater e vai com coragem ajudar o próximo e defender quem não tem voz. Como eu digo. Não é ter misericórdia, e sim questão de empatia. Tomando coragem e lutando contra os que fazem mal. E não fazer um slogan (Como o próprio senhor disse.) E sair querendo ser ovelha agora, ou bom católico, devemos praticar a misericórdia, o respeito e a bondade. Bom eu pratico a minha, sou guerreira e assumo a linha da frente. Defendo os que precisam, se eu pudesse enfiava todos debaixo das minhas asas. Principalmente meus sobrinhos, pai e mãe. Sou boa, mas quando vejo maldade...Eu viro uma fera...Mais ainda quando as pessoas agem com falsidade ou falsa misericórdia.

Paulina Ramos disse...

Coruja Sábia,

" Não vejo muita misericórdia por onde ando."
A partir da realidade onde estou inserida constato o mesmo.

"Viram suas costas, enquanto eles gritam por socorro."
Mais uma afirmação plena de sentido.
Apenas uma pequena observação, muitas das pessoas que pedem socorro, na realidade não querem ser socorridas, ou melhor querem sê-lo mas muito à sua maneira.

A verdadeira misericórdia dá muito trabalho tanto a quem "a dá" como a quem "a recebe" e nem sempre as pessoas estão dispostas a mudar o que quer que seja.
É mais o estilo venha a mim o teu reino mas não te abro as portas do meu...

A propósito de misericórdia esta semana vivi na primeira pessoa uma situação tão caricata que daria uma verdadeira comédia, talvez um dia destes ganhe a coragem para a relatar.

"No ano da misericórdia se não sairmos de nós ao encontro do outro, poderemos até praticar as obras da misericórdia, mas não seremos misericordiosos. Seremos apenas condescendentes."
Realmente temos de ir ao encontro do outro que também terá a mesma obrigação de vir ao nosso encontro, não será isto uma utopia?

Misericórdia para mim pois não me sinto nada misericordiosa.

Anónimo disse...

Precisamos de descentrar para ser misericordiosos e a melhor forma de o fazer é cultivando o amor-próprio. Já vi que o “Eu” agiganta-se, transformando-se num buraco negro, precisamente onde ele falta…
E sim senhor, temos que dar, que nos darmos, temos que partir, que sair do nosso eu ao encontro dos outros; e temos igualmente de sair do nosso eu para receber a misericórdia, de Deus e dos homens. Dar é um acto típico de Deus e receber dos homens. Gostamos mais de nos sentir no papel de deuses, é verdade, mas receber e reconhecer a precisão agradecido é deixar que Deus venha até nós, é sentir a nossa humanidade.

Anónimo disse...

Nunca tinha pensado nesta perspectiva, que acho interessante.
Obrigada, padre