terça-feira, março 23, 2010

A faladeira

Falou. Falou. Falou. Ouvi. Acenei que sim. Que não. Sorri. Sorri mais aberto. Concordei que sim ou que não. Quase me limitei a ouvir. E foi assim que aquela confissão começou, se desenvolveu e acabou. Aliás, quase não acabava, porque a sua vontade de falar, contar, explicar, era tanta que se não fosse o adiantado da hora e da espera, ali permaneceríamos, emissor completo e receptor atento. Era o que precisava a senhora de lenço ao pescoço. Doutorada. Culta. Utilizava expressões medidas. Utilizava-as com educação, mas com a mesma vontade dos outros que têm menor educação. Faz parte daquele grupo de pessoas que usam a confissão, não porque tenham pecados para confessar, graça para obter, perdão para alcançar, mas porque não têm com quem falar verdadeiramente de si, sem esconder e mentir, sem resguardar ou esquivar. Faz parte daquele grupo de pessoas que precisam de falar ou de ser ouvidas. Faz parte daquele grupo de pessoas anónimas, que vivem anónimas e não conseguem ser anónimas. Faz parte daquela sociedade que tem tempo para tudo menos para as pessoas. Faz parte daquele grupo enorme de pessoas que aparecem nas nossas igrejas, nas nossas confissões e para as quais a nossa resposta quase nunca consegue ser diferente da resposta da sociedade, porque também nós, padres, fazemos muitas vezes parte desses grupos e dessas sociedades.
Meu Deus, temos tanto para aprender com estas conversas sem tempo e horas!

15 comentários:

D. R. disse...

Era exactamente nisto que estava a pensar: na confissão.

Quando acordei, pensei: "Amanhã tenho de me ir confessar."

Mas será que a confissão não deveria mesmo ser algo espontâneo e "fora de horas"? Ou seja, fora das horas marcadas pelo padre que lembra e relembra a necessidade da confissão?
Eu acho que sim. Mas será que digo isto porque, provavelmente, é uma desculpa porque não me apetece ir?...

Talvez eu própria seja como aquela senhora.
No dia-a-dia falo, falo, falo... Mas nunca páro com ninguém para falar realmente o que sinto, o que quero, o que penso.
É por isso que compreendo essa senhora com necessidade de falar. O dia-a-dia é superficial, não há verdadeiro diálogo.
Mas acho que a confissão é sobretudo isso: um diálogo.
Pecados não será propriamente o que falta a toda a gente que anda por aí...
Mas nem toda a gente se confessa.
O que terão as pessoas que se confessam de diferente?
Eu acho que dão valor ao ENCONTRO. Mais do que "debitar" pecados, é saber que está ali alguém disposto a falar, alguém que poderá dar uma orientação diferente, uma palavra que fará toda a diferença para quem tem FÉ...

Mas amanhã não me apetece ir. :( Lamento por isso.

(Peço desculpa porque os meus comentários neste blogue acabam por não ser comentários. São mais uma oportunidade de dizer o que me vai na alma, do que outra coisa. Peço mesmo desculpa.)

Confessionário disse...

Olá, D.R.
fala o que sentes, pois neste lugar há espaço para quase tudo, e em especial, para o que se sente!!!

Canela disse...

Acho que é por isso, que gosto de me confessar aos padres que conheço. Falo com um amigo, que transmite a um amigo comum - JESUS - que me orienta e absolve. E no fim se houver oportunidade, colocamos a conversa em dia... ou então, rezamos em conjunto.

Gosto de rezar com o Pe.

A Paz de Cristo.

laureana silva disse...

Senhor Padre,
Digo-lhe apenas isto, é a solidão.
Já me aconteceu a mim. Neste mundo em que vivemos tão apressado ninguèm ouve ninguém nos ouve, por mais de 5 minutos. E há coisas que não se contam a toda a gente. E entre um psicólogo e padre eu prefiro um padre. Os padres que nos perdoem e aceitem como caridade para com o próximo
Maria

Anónimo disse...

Sempre interessante!

Anónimo disse...

Na sociedade em que vivemos existe mesmo a necessidade de conversarmos pode até ser que um padre esteja preparado para nos orientar, mas para isso é também necessário a confiança. Provavelmente se as pessoas conversassem mais com os padres, não teriam necessidade de procurar psicologos.
Na sociedade em que vivemos e na correria em que estamos nem os padres tem tempo para ouvir os seus paroquianos,sobretudo "fora de horas" pois não se dedicam só a uma paroquia, mas a várias.
Estou de acordo com DR pecados todos nós temos. Neste momento e no meu entender os padres deveriam ser pastores e levarem o seu rebanho a bom porto e não é viverem as futilidades da vida, mas infelizmente ninguem é perfeito e acabam por se ostentar na vaidade e na luxiria.
Peço desculpa pelo comentário, mas apesar de ir à igreja e acreditar no amor de Deus, acho que existe uma grande hipocrisia nas pessoas que trabalham na igreja (padres, leigos..).
Em suma, para mim e para me confessar a um padre teria de ter muita confiança.

Carla Santos Alves disse...

Amigo, eu nao gosto de me confessar só porque sim! Acho que das muitas vezes que falámos, e que agora têm sido pouquissimas, percebeu isso em mim!
Quando erro, peço perdão a Ele.De coração aberto...apenas isto!

bjs

Anónimo disse...

Caro/a Anónimo:
As experiências são diferentes em cada Paróquia… e entre padres, mas principalmente, entre os leigos que ajudam, há muitas vezes alguns que lá estão para alimentar o seu próprio ego e não para prestar serviço à comunidade.

Mas quem está de fora, não deve criticar, deve sim, meter mãos às obras e ir para lá também, ajudar, prestar serviço, servir a Deus… porque, por norma, seja para alimentar seu ego, seja apenas por serviço a Deus, o certo é que sempre fazem alguma coisa… e se assim não for, então o padre tem de ser o primeiro a “pôr ordem” no seu rebanho.
PC

Anónimo disse...

Boa tarde, PC por vezes até tentamos servir a comunidade, mas os que lá estão não permitem. São os cobres a falar mais alto.

Existem padres e padres é certo, mas quando a exibir carros de alta cilindrada, roupas de marca, não transparece em nada a imagem de humildade.

A falta de confiança nos padres deve-se ao facto de ter acreditado muito num, o que me parecia ser um homem exemplar e depois da sua morte, ainda novo, a verdade veio ao de cima e descobriu-se que afinal não era o que parecia.

Cumprimentos

disse...

É. Hoje eramos três à volta de uma mesa redonda. Cada uma com a sua vida e com a sua cruz. Duas bem pesadas. Em desabafo, a M. diz que não conseguia suportar as lamentações das pessoas. Muitas vezes descarregando "dramazitos" sobre quem já leva peso a mais. Discordei. Penso que todos, mas todos, precisamos de falar e de confiar. E não foi preciso esperar muito tempo para que essa minha colega mudasse o discurso. O problema passou a ser outro: ninguém quere ouvir. Sim, M., é verdade...

Moçambicano disse...

Boa Tarde a Tod@s!

Caro Amigo "Anónimo das 20:03":
Compreendo muito bem a desilusão que sentiu. Eu também já passei por uma situação semelhante e foi muito dolorosa.
Mas percebi que há que continuar a procurar... E não desistir de Confiar nas Pessoas. Sobretudo naqueles Padres (ou Bispos) que se reconhecem a eles próprios como "frágeis vasos de barro".
Normalmente são cautelosos em "atirar pedras aos outros"... (embora sejam zelosos em relação às injustiças e ao pecado em geral).

Um grande abraço a Tod@s e...

Bom Domingo de Ramos!

Moçambicano

Anónimo disse...

Só a Deus eu me confesso. Os padres são tão pecadores, quanto eu, ou mais.
Mas tb digo que nem todos são iguais.
Conheci pessoalmente um padre que ao fim alguns anos me desiludio bastante. Sabemos que são pessoas frágeis! Mas!
Quero dizer, quando numa homilia os padres falam para uma imensa comunidade, meus amigos tem que estar bem com sua consciência, com Cristo e cumprir a sua Palavra.

concha disse...

Boa tarde
Os padres são feitos da mesma humanidade que todos nós,só que têm uma missão a cumprir que faz com que os olhos do mundo estejam mais em cima deles do que de outras pessoas, principalmente porque é sempre fácil atacar a igreja.
Também por vezes tenho vontade e até concretizo essa minha vontade de criticar o meu pároco.Depois olho bem para mim e revejo-me em muitos dos aspectos em que o critico,afinal somos feitos da "mesma massa".
Depois há o padre em quem confio como se confia num amigo e dou graças por estar presente sempre que lhe peço oração,conselho ou simplesmente desabafo as minhas preocupações.
Ainda a terminar,gabo a todos a paciência de aturarem os diversos grupos em geral e em particular nas esquisitices de cada elemento.
Só por isso já os imagino a todos a ascenderem aos céus, mesmo que deixem um rasto de vários pecados.
Uma verdadeira semana santa para todos e se o confessionário me permite um cumprimento especial ao Moçambicano.

Moçambicano disse...

Olá a Tod@s!

O meu comentário não tem a ver com o "Post", mas com os tempos actuais.

Nos tempos que correm, mais do que nunca é preciso ter em mente - e gravad@s no coração -, os Homens e as Mulheres da Igreja que seguiram - e seguem -, fielmente os Ensinamentos de Jesus.
Um d' El@s foi D. Óscar Romero. No passado dia 24 de Março cumpriram-se 30 anos sobre o seu assassínio às mãos de outros "cristãos" (de extrema-direita).
Que o seu Martírio nunca deixe de nos incomodar e de nos questionar que futuro queremos para a nossa amada Igreja...

Boa Semana Santa!

Um abraço a Tod@s (e em especial para a Amiga "Concha")!

Moçambicano

Marlene disse...

Confesso que quando me dirijo a um sacerdote, faço-o porque preciso de me sentir perdoada, preciso de alguém que me oriente, mas preciso essencialmente de alguém que me ouça.
É muito triste viver em comunidade, ser uma boa ouvinte, ser boa amiga, conhecer toda a gente, das "o litro" na comunidade, mas... sentir-se sozinha entre a multidão. É assim que muitas vezes me sinto. E é nessas alturas que mais procuro um padre. Digamos que por razões obvias (somos amigso) procuro sempre o mesmo... já me conhece, já sabe quais são os eus medos, os meus receios... Não me importo de fazer 50 km... faço! Mas sei que alguém me ouve, por alguns minutos (por vezes horas) sinto-me ouvida... é Deus quem me orienta, é Deus quem naquele momento está ali presente, por intermédio do Padre e é por isso que sempre que me confesso sinto uma enooooorme paz de espírito. Os problemas que antesnão tinham solução, tornam-se pequeninos e muito mais fáceis de suportar. Sinto-me realmente bem!
Como alguém disse num dos comentários que já li aqui: entre procurar um psicólogo e um padre eu prefiro mil vezes um padre... Em cada confissão que faço, a chama do Amor de Deus volta a reacender no meu coração e isso faz-me muito bem. Quanto mais longe de Deus andamos, mais pecamos! :S