quarta-feira, dezembro 04, 2019

Comungar por comungar

Rodeada dos seus netinhos, era uma velhinha muito sorridente. Contava muitas histórias dos tempos da sua meninice e era um gosto escutá-la. Contudo, há dias encontrei-a a chorar compulsivamente, embora as lágrimas fossem pequeninas e o rosto não desenhasse de forma clara o seu caminho. Um dos netinhos ia fazer a Primeira Comunhão, e convidara a avó. Ia fazer uma grande festa. A cerimónia era às onze horas, mas antes disso os convidados tinham um pequeno repasto em casa. Por isso a avó chorava. Chorava ao recordar a sua primeira comunhão. Nesse tempo era obrigatório estar vinte e quatro horas sem comer para poder comungar. Por vezes, algumas crianças não aguentavam e desmaiavam. Ela não aguentara, e umas horas antes da Primeira Comunhão, dera um salto á cozinha e, às escondidas, assaltara o cozido meio à portuguesa que a mãe dela fizera para depois da festa. Chorava com remorso. Nunca confessara esse pecado. Tinha vergonha de não ter sido tão forte como Deus merecia. Não O ter respeitado como devia. E agora, ao ouvir o convite do netinho, o passado voltara a ela. Na verdade, ao longo da sua longa vida, tinha entendido que, afinal, não se desrespeitava Deus matando a fome. No entanto, dava conta que agora já nada disso era importante e chorava. Ai, senhor padre, há tanta gente que não guarda nenhum jejum antes de comungar. Há tanta gente que vai comungar sem estar confessada. Há tanta gente que vai comungar em pecado. Há tanta gente que vai comungar sem saber o que vai comungar. Sem perceber que é Deus que entra em nós para entrar em comunhão connosco. A avozinha estava triste porque hoje a comunhão já não era bem comunhão.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Os meninos da Primeira Comunhão"

7 comentários:

Anónimo disse...

Olha só, bem assim mesmo, quando morava com minha vó. Ah como realmente era diferente.

Anónimo disse...

Não comungo há três anos e meio e bem sei, em cada Eucaristia em que participo só pela metade, a falta que me faz a Comunhão. Se um dia tiver a possibilidade de voltar a comungar, será uma alegria incalculável.

Ailime disse...

Boa noite Sr. Padre,
Atualmente tudo se festeja, tudo é pretexto para convívios com os amigos.
Aniversários de batismo, de crisma, de primeira comunhão, etc... Pelo que conheço isto acontece entre casais jovens católicos com três e quatro filhos. Tenho um filho que é padrinho de batismo de algumas destas crianças e confesso que, como mãe, preocupa-me que vá a tanta festa para as quais é convidado, porque rissol daqui, croquete de acolá e ele que já entrou nos trinta, ainda acaba por ter uma subida de colesterol...:))!
São pessoas que respeito bastante, mas já me tenho interrogado muitas vezes se será necessário tantos festejos. Isto a propósito do que relata.
Será que o essencial está lá? O que pensaria Jesus disto?
Peço-lhe desculpa por ter me ter alongado, mas ao mesmo tempo peço-lhe também que me ajude a corrigir o meu pensamento se estiver errada.
Ailime

Confessionário disse...

Não sei, Ailime. Tocas num assunto sobre o qual ainda não me debrucei como deve ser. De facto há festas ou justificações para festas de qualquer modo e feitio. mas as festas, em si, não têm mal algum. Pelo contrário, são um bem. Mas...

Cisfranco disse...

Claro que hoje os factores que nos distraem em relação aos de antigamente são imensos, mas talvez as reformas que foram feitas na celebração da Eucaristia, tenham aligeirado bastante a administração da Comunhão. Há certamente alguns exageros ao ponto de às vezes a Missa se parecer a uma festinha popular. Nota-se que há como que um desespero em atrair público sem se saber o que lhe dizer a seguir. Mas afinal e ao fim e ao cabo não é preciso dizer nada. As pessoas têm que ver o Mestre através de nós ou então tem que se perguntar como isto ou aquilo é possível, porquê? As pessoas têm que ser contagiadas. É ver para crer. Sempre assim foi e há de continuar a ser. Mas não é o que se passa muitas vezes nos tempos de hoje.

Anónimo disse...

"... As pessoas têm que ser contagiadas.." muito interessante esta afirmação, dá pano para mangas

Sl

Anónimo disse...

Na minha paróquia o jejum chama-se agora «preparação», o que faz algum sentido. Jejuar por jejuar afigura-se algo destituído de sentido, pelo menos assim à primeira vista.
Diga-se de passagem que nós, nós os aqui paroquianos, não somos pródigos na realização de avaliações mais elaboradas e, por isso, assim nos ficamos.

A preparação tem um fito fora, mas ao alcance, é uma pre-para-ção, entendeu? Jejuamos na expectativa da alimentação, todos os que nos metemos nisso.Portanto é isto tudo o que queria dizer, não escrevo mais para não me tornar aborrecida. Fui clara? Espero que me compreenda.
Feliz Natal|