Há muito que ando com esta pergunta aos tombos. Há já tanto tempo, como desde que comecei a sentir o que era deveras ser padre. Os primeiros anos do sacerdócio são os anos fantásticos dos sonhos, das esperanças, da vontade de oferecer ou vender a salvação por meia tuta de missas, confissões ou outros sacramentos. Muitas actividades para promover o espírito da comunidade cristã. Muitas conversas entusiásticas sobre um Deus que nos ama. Mas depois, com o tempo, vem a sabedoria da vida, a sabedoria de uma vida que se mantém igual, com pequenas nuances ou pequenos degraus. Esse tempo já la vai um pouco perdido pelo tédio ou pela rotina do nosso sacerdócio. Evito ser pessimista. Vejo ou quero ver tudo como oportunidades e desafios. Mas a pergunta vem e vai, bailando como sereia por um mar desconhecido. São muitos anos contados a fazer uma pergunta que é mais uma questão. Ou uma questão que se desenrola em muitas perguntas. Que Igreja quer Deus? Porque Deus fez assim as coisas? Para que enviou realmente o Seu Filho ao mundo? O que Ele pretende de nós? O que fazemos nós com Deus? E com estas vêm muitas outras perguntas similares, parecidas, mais retocadas ou mais embrulhadas. E todas elas se podem resumir neste desejo que trago em perceber como devo ser Igreja e como posso cumprir a vocação para a qual Deus me convidou. Repito a mim mesmo que não estou a ser pessimista e que, no meu mais íntimo, algo sei da resposta que busco. Talvez recluir-me em mim mesmo fosse a maneira para não me desperdiçar em tanta superficialidade. Mas também sei que não é isso que Deus me quer. É na vida que Ele pretende que eu seja padre e seja Igreja. Talvez o que eu queria era uma Igreja mais fácil, mais simples, mais verdadeira, na qual me pudesse sentir sempre como sou. Talvez consiga responder com mais claridade quando um dia for capaz de desprender-me do meu sacerdócio e o encontre verdadeiramente. Ou por outras palavras, talvez quando um dia deixe de querer ser tão padre, eu consiga ser mais discípulo e mais Igreja como imagino que Deus sonhou.
11 comentários:
Quanta inquietação, Confessionário! Tanto questionamento, tanta dúvida... Serão perguntas "à Maria" ou "à Zacarias"?
Até parece que foste acometido de uma depressão invernal em estilo religioso. Uma fé hipocondríaca, talvez. Um sacerdócio hiper-cartesiano. Andar-te-á a rondar o demónio do meio-dia?
Talvez o caminho seja mesmo por aí!?
Um Santo Natal
PR
Imagina, Confessionários, outros a dizerem: "Ser catequista ou ser Igreja?", "Ser ministro da comunhão ou ser Igreja?", "Ser mãe de família ou ser Igreja?"...
A provocação é forte mas perigosa.
Que bom sabre que vocês padre tem tuvidas medos questionamentos.
JS, bem-vindo
O que chamas de provocação eu prefiro chamar, como dizes, de inquietação.
Mas tens razão ao dizer que pode ser perigosa se mal interpretada, assim como poderás ter razão quanto a essa coisa "invernal". Assim a Igreja precisa igualmente de uma Primavera...
grande abraço
21 dezembro, 2017 14:23
Não são propriamente dúvidas, mas pensamentos de quem quer ir mais longe... mas agradeço esse sentimento de quem percebe que os padres também caminham e não têm as certezas todas.
Ser Igreja e ser comunidade. O Papa Francisco diz que a Igreja precisa de ser uma Igreja em saída, e faz-me pensar numa igreja primaveril, uma igreja a explodir de vida, uma igreja em constante pentecostes. Uma igreja que se constroi e movimenta debaixo da sombra do Espírito Santo. Um Santo Natal
Isto de ser uma constante busca é muito bom, até Deus sempre enova tudo, a natureza é sua aliada neste processo, mas o ser humano não consegue entender. Vá meu padre bem longe pode ser que la no topo da montanha estará a resposta por cada questão do senhor. Um natal de reconciliação com tudo na tua vida. Saúde e vida longa para suas realizações.
"O Natal nos lembra que uma fé que não nos põe em crise é uma fé em crise; uma fé que não nos faz crescer é uma fé que deve crescer; uma fé que não nos questiona é uma fé sobre a qual nos devemos questionar; uma fé que não nos anima é uma fé que deve ser animada; uma fé que não nos sacode é uma fé que deve ser sacudida. Na verdade, uma fé meramente intelectual ou morna é apenas uma proposta de fé, que poderia concretizar-se quando chegar a envolver o coração, a alma, o espírito e todo o nosso ser, quando se permite a Deus nascer sempre de novo na manjedoura do coração, quando permitimos à estrela de Belém guiar-nos para o lugar onde jaz o Filho de Deus, não entre os reis e o luxo, mas entre os pobres e os humildes".
Papa Francisco, 21.12.2017
22 dezembro, 2017 12:04
ainda não tinha lido e fez-me muito bem ler este pedaço da sua mensagem... muito mesmo
Como é bom ver que em vós, padres, há as mesmas inquietações e as mesmas agitações ou até duvidas.
As vezes acho me incoerente por ter tanta falta de certezas no que diz respeito à fé principalmente quando me vejo rodeada de muitas certezas
Um bom natal, para si
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