terça-feira, janeiro 29, 2013

O casarão atrás e a casa em frente

O colega que está agora nas minhas antigas paróquias há dias fez-me o convite para entrar em sua casa, aquela que outrora foi minha, aquela que foi construída com a imagem que eu fazia dela. Morei lá quatro anos, os suficientes para me apegar à cor dos sofás que tanto gostava, aos azulejos pequeninos que havia escolhido de propósito, ao cheiro das madeiras e do aquecimento aceso. Não acedi ao convite. Aquela casa não é mais a minha casa, apesar de ter espaço suficiente para mais de uma dúzia de pessoas. Era o meu casarão. Por isso, talvez por lhe lembrar o cheiro e o gosto, eu não acedi ao convite. Na altura em que as decisões de mudar de paróquias ficaram feitas, pensei várias vezes no meu habitat natural dos últimos anos. Não pensei apenas na casa que ajudei a construir com a minha imaginação. Pensei também na organização, nas estruturas que deixava, nas minhas formas de agir que já encaixavam naturalmente com as das pessoas, com os caminhos que trilhámos em comunidade. Recordo que na altura tive um pensamento que não quis reprovar: Os problemas que tinha nas paróquias já não eram os problemas que as pessoas criavam, mas os problemas que as pessoas tinham. Estava, portanto, com uma certa estabilidade pessoal, difícil de apagar. Muito difícil. O meu Sim não tinha sido um Está Bem, nem tinha sido um Não ao que vivia. Tinha sido um Sim à vida e ao chamamento de Deus. Não era um Sim conformado. Era um Sim inconformado, porque a nossa missão deve estar sempre inconformada, desformatada, desacomodada. E parti. Parti com a certeza de que naquele momento o meu sacerdócio saía reforçado. Estar desprendido da minha casa, do meu habitat, das minhas coisas, das paredes com quem tantas horas falei, das minhas organizações, dos meu ganhos de onze anos, das minhas conquistas, até dos que amava, só me fez pensar que o meu sacerdócio não é meu, mas de Deus. Que a minha vida não é minha, mas de Deus. E isso fez-me bem. Muito bem, agora que vejo tudo a uma certa distância. A Casa que tenho hoje é pequena, fria ou quente consoante é Inverno ou Verão para não dizer mais, embora ajeitadinha. Tenho muito que tratar e organizar. Tenho muito que fazer e compor. Tenho muitas amizades por fazer. Tenho muito que amar. Não é bem deixar tudo para trás. Mas é deixar a vida que tinha, em troca de uma vida por ajeitar. E isso só fez crescer em mim o meu sacerdócio. Mas já agora, ó Senhor, o que disse até aqui é verdade, mas a ver se não te lembras de passar a vida a tentar fazer crescer em mim o meu sacerdócio desta forma, que um padre não é de ferro.

14 comentários:

Anónimo disse...

Conf, olá!

Acho que tudo se resume neste pedacinho: "tenho muitas amizades por fazer,Tenho muito que amar".

Isso é que é difícil!
A amizade que vêm e vai, o companheirismo, os "amores". Aquele sorriso que saía dos teus lábios, no momento certo e para a pessoa certa. Aquele sorriso franco, e não esse sorriso amarelo que muitas vezes tens de fazer.
O importante não é a casa, essa tu podes mudar facilmente. O importante é tudo o que a rodeia. Não é o mesmo vento, a mesma chuva, a mesma flor, o mesmo pássaro, não é a mesma brisa que te acaricia a face quando te debruças na janela, nem sequer o olá de alguém é tão sentido.
Mas esse Dar que Ele quer que tu dês, esse Sentir, esse Sim, esse estou aqui para Te servir, isso é que importa, esse é que é o chamamento Dele. Por mais difícil que agora o seja, mais tarde ele vai recompensar-te.

Um abraçito, Alexandra

Ana Melo disse...

"Hoje eu estou tão em paz comigo
Parece até que não faz sentido
O que eu tenho chorado
O que eu tenho sofrido."

Ouvi muito de manhãzinha,no caminho para o trabalho.É o que me apetece dizer.

Anónimo disse...

Foi simpático o teu colega em convidar-te!

Confessionário disse...

Sim, foi. E desejo-lhe as maiores felicidades onde eu fui muito feliz!

Anónimo disse...

Magnifico este post!
A parte mais dificil em cada nova fase, é mesmo a da renúncia... abdicar dessas constantes que nos acompanhavam, e continuar a "caminhada" de mãos vazias, literalmente (falando por mim).
Por vezes pensamos no aconchego da casa dos pais... ou da casa a que estávamos habituados, e invade-nos a nostalgia... mas o tempo não retrocede... e temos de fazer valer a caminhada, ou não seremos nada... e nem a brisa nem o vento terão tido algum impacto sobre o pó que somos.
Não é simples caminhar em Deus e para Deus, exige de nós uma "mobilidade" quase constante e imcompreensivel... surge então a atitude de abandono nas Suas divinas mãos...
Sem esta entrega total na Sua divina providencia não conseguiriamos continuar... são tantas as renúncias às quais somos submetidos que continuar sem essa Confiança seria caminhar para o absurdo.
Só em Deus as minhas renúncias fazem sentido.
Faz de mim Senhor o teu vaso mais precioso, vazio de mim... cheio apenas com o Teu amor.
"...que um padre não é de ferro..."
Gostei deste final.
E permita-me,
"É que uma pessoa não é de ferro"
Obrigada!



Anónimo disse...

..."...Vem a Mim e adora-Me no silêncio. Agora, depende inteiramente de Mim; isso alegra-Me. Tem sede de Mim, teu Deus, que Eu sinto prazer nisso. Deixa de andares continuamente a interrogar-te; não serei Eu o Senhor dos senhores? Não duvides nunca das Minhas Obras. Conheço a tua capacidade; por conseguinte, ama-Me sem limites, imolando-te voluntariamente pelos outros. Mantém-te fiel a Mim. O Meu Espírito está sobre ti e sempre te guiará. Fala-Me. Apoia-te a Mim; Eu ofereço-te milhões de vezes as Minhas Costas, para que te apoies. Vem; desejo ver o teu rosto levantado e iluminado de alegria. Vira o teu rosto para Mim e segue a Minha Luz. Tem confiança em Mim; oferece-Me tudo e Eu ajudar-te-ei. Vem que nenhum desses sacrifícios será inútil. O teu Jesus ama-te!..."....

Ruth Bassi disse...

Como te compreendo, Padre, pois sou muito apegada a tudo o que tenho quer material, quer de amizades. É verdade que custa muito dar o salto para o desconhecido mas, em certa medida, faz-nos bem, pois vivíamos felizes mas também acomodados. Renova a nossa capacidade de nos darmos a novas conquistas e, após alguma adaptação, podemo-nos voltar a sentir felizes com as novas realidades que ajudámos a construir.
Desejo muito que voltes a encontrar
a plenitude nesta nova etapa que o Senhor te proporcionou.
Beijinho
Ruth

Anónimo disse...

Difícil. Coragem,Padre e muita Fé.

O convite do seu colega foi de coração aberto?

Bj


Confessionário disse...

Não quero pensar que não tenha sido!

Anónimo disse...

Anonimo de 30/1 - 16:37

Diz-me Ele, "vem a mim e adora-me no silencio do teu coraçao... do meio dessa agitaçao... adora-me, imola-te sobre o meu altar... por amor."
Nao e simples aceitar este convite, renunciar a tantas e tantas coisas mais...

Joana disse...

Existe uma expressão popular que se diz por aqui que é:

"não é fácil passar de cavalo a burro!"

Pois a tentação de voltar ao conforto, segurança d'outrora, onde um dia fomos felizes é muita.

Mas fez bem em não aceitar o convite do seu colega, a vida faz-se caminhando e por mais que seja tentador olhar para trás, é no dia presente que nos temos que concentrar, para ganhar forças e poder continuar a olhar o futuro de frente...

Espero que seja tanto ou mais feliz, nessa humilde casa, como um dia o foi no casarão.

Sorte e felicidades...
bjinhos

Anónimo disse...

..."...Eu sei que é difícil viver num deserto; mas lembra-te que os Meus olhos te não deixam nunca. Apoia-te a Mim; as Minhas Palavras não são diferentes das do passado. Com grande Amor e Piedade estendo-te sempre a Minha Mão.
Então, alegra-te! Que o teu coração e a tua alma rejubilem! O teu Rei cobriu a tua nudez com o Seu Amor e a Sua Paz; e, na Sua Ternura, adornou-te esplendidamente com as Suas Jóias mais preciosas: a Sua Coroa de Espinhos e os Seus Cravos.
Não partilhei contigo a minha Cruz como nosso Leito Nupcial? Que queres que te diga: que caminhes mas não pelas Minhas Pegadas banhadas pelo Meu Sangue?
Envolvo-te nos Meus Braços...."

Anónimo disse...

Corrigenda:

...Que queres que te diga: que Me sigas mas não pelas Minhas Pegadas banhadas pelo Meu Sangue?

Anónimo disse...

"O casarão atrás e a casa em frente" - Como eu compreendo bem este post! Também o colega da paróquia. Haja resistência, Senhor Padre!